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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

9.8.13

Somos racistas — CartaCapital

Sociedade

Somos racistas

Enquanto interessava às elites brasileiras que a negrada se esfolasse nos canaviais e, tempos depois, fosse relegada ao elevador de serviço, o conceito de raça era, por assim dizer, claríssimo no Brasil.


Pois bem, bastou o governo Lula arriscar-se numa política de ações afirmativas para a high society tupiniquim berrar para o mundo que no Brasil não há racismo, a escrever que não somos racistas. Pior: a dizer que no Brasil, na verdade, não há negros.

Antes de continuar, é preciso dizer que muita gente boa, e de boa fé, acha que cota de negros nas universidades é um equívoco político e uma disfunção de política pública de inserção social. O melhor seria, dizem, que as cotas fossem para pobres de todas as raças. Bom, primeiro vamos combinar o seguinte: isso é uma falácia que os de boa fé replicam baseados num raciocínio perigosamente simplista. Na outra ponta, é um discurso adotado por quem tem vergonha de ter o próprio racismo exposto e colocado em discussão. Ninguém vê isso escrito em lugar nenhum, mas duvido que não tenha ouvido falar - no trabalho, na rua, em casa ou em mesas de bares - da tese do perigo do rebaixamento do nível acadêmico por conta da presença dos negros nos redutos antes destinados quase que exclusivamente aos brancos da classe média para cima – paradoxalmente, os bancos das universidades públicas.

Há duas razões essenciais que me fazem apoiar, sem restrições, as cotas exclusivamente para negros. A primeira delas, e mais simples de ser defendida, é a de que há um resgate histórico, sim, a ser feito em relação aos quatro milhões de negros escravizados no Brasil, entre os séculos XVI e XIX , e seus descendentes. A escravidão gerou um trauma social jamais sequer tocado pelo poder público, até que veio essa decisão, do governo do PT, de lançar mão de ações afirmativas relacionadas à questão racial brasileira – que existe e é seríssima. Essa preocupação tardia das elites e dos "formadores de opinião" (que não formam nada, muito menos opinião) com os pobres, justamente quando são os negros a entrar nas faculdades (e lá estão a tirar boas notas) é mais um traço da boçalidade com a qual os crimes sociais são minimizados pela hipocrisia nativa. Até porque há um outro programa de inserção universitária, o Prouni, que cumpre rigorosamente essa função. O que incomoda a essa gente não é a questão da pobreza, mas da negritude. Há contra os negros brasileiros um preconceito social, econômico, político e estético nunca superado. O sistema de cotas foi a primeira ação do Estado a enfrentar, de fato, essa situação. Por isso incomoda tanto.

A segunda razão que me leva a apoiar o sistema de cotas raciais é vinculado diretamente à nossa realidade política, cínica, nepotista e fisiológica. Caso consigam transformar a cota racial em cota "para pobres", as transações eleitoreiras realizadas em torno dos bens públicos irão ganhar um novo componente. Porque, como se sabe, para fazer parte do sistema, é preciso se reconhecer como negro. É preciso dizer, na cara da autoridade: eu sou negro. Alguém consegue imaginar esses filhinhos de papai da caricata aristocracia nacional, mesmo os mulatinhos disfarçados, assumindo o papel de negro, formalmente? Nunca. Preferem a morte. Mas se a cota for para "pobres", vai ter muito vagabundo botando roupa velha para se matricular. Basta fraudar o sistema burocrático e encher as faculdades públicas de falsos pobrezinhos. Ou de pobrezinhos de verdade, mas selecionados nas fileiras de cabos eleitorais. Ou pobrezinhos apadrinhados por reitores. Pobrezinhos brancos, de preferência.

Só um idiota não percebe a diferença entre ser pobre branco e pobre negro no Brasil. Ou como os negros são pressionados e adotam um discurso branco, assim que assumem melhores posições na escala social. Lembro do jogador Ronaldo, dito "Fenômeno", ao comentar sobre as reações racistas das torcidas nos estádios europeus. Questionado sobre o tema, saiu-se com essa: "Eu, que sou branco, sofro com tamanha ignorância". Fosse um perna-de-pau e tivesse que estudar, tenho dúvidas se essa seria a impressão que Ronaldo teria da própria cor, embora seja fácil compreender os fundamentos de tal raciocínio em um país onde o negro não se vê como elemento positivo, seja na televisão, seja na publicidade – muito menos nas universidades.

O fato é que somos um país cheio de racistas. Até eu, que sou branco, sou capaz de perceber.



http://www.cartacapital.com.br/sociedade/somos-racistas


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz