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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

15.8.13

‘Elefante Branco’ debate miséria, religião, política e afetividade

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'Elefante Branco' debate miséria, religião, política e afetividade

O filme Elefante Branco traz um enredo atual, chocante e com cenas desconcertantes, embora plausíveis no ambiente urbano, carcomido pela fome, os ditames da religião, o poder das elites — que julgam poder comprar tudo — e a afetividade explosiva.

O comentário é de Antonio Carlos Ribeiro, jornalista, e publicada pelo sítio Novos Diálogos, 06-11-2012.

O enredo da película começa com o padre Julián (Ricardo Darín) sendo submetido a uma tomografia. Depois, o público é levado à Amazônia sem lei, especialmente às populações ribeirinhas, que vivem tão desprotegidas quanto os pobres na Idade Média — entregues a toda sorte de riscos — e na qual o padre Nicolás (Jérémie Renier) escapa de um massacre, ao ver uma família ser exterminada por não apontar para que lado ele fugiu. Neste lugar, Julián vem buscar o egresso do seminário para outra tarefa, igualmente perigosa.

Julián e Nicolás voltam a trabalhar juntos, agora na Villa Virgen, uma favela da periferia de Buenos Aires. O perfil é o comum da América Latina: pobreza econômica transformada em miséria moral, refino-preparo-tráfico de drogas, sacerdotes que se dedicam ao atendimento dos esquecidos de todos, bispo distante, insensível ao sofrimento humano e agarrado às futilidades eclesiásticas e com autoridade formal sobre quem vive a experiência cotidiana de estar entre Deus e o diabo. E a polícia, o braço armado do Estado para manter a ordem.

Em Elefante Blanco, o lado mais cruel da tragédia é também destes bons moços, de uniformes garbosos à tarefa cotidiana de serviçais do Estado, mediada pelos gritos dos comandantes. Com código rígido, formação militar e sem margem para lidar sequer com os conflitos familiares e os pessoais, sem falar dos esquemas de corrupção da corporação e da relação de dependência do poder estatal e suas políticas para a sociedade.

O trabalho com altos níveis de estresse é o que sobra para os dois clérigos e a assistente social que põem suas vidas em risco, para continuar do lado dos miseráveis, agarrados a uma mística forte que lhes permite conviver com os poderes do Estado, da Igreja, da Polícia e do tráfico — que nas 'villas' tem uma lógica clara e letal — apenas para proteger e minorar o sofrimento dos pobres, em meio às contradições.

A atuação de Ricardo Darín encarna este perfil de sacerdote, da mística nascida da ortopráxis à pureza ética que resguarda o rosto humano da religião nos espaços limítrofes. Ele está impecável, das tarefas cotidianas ao modo como lida com a saúde, da capacidade de lidar com o bispo, o governo e os narcotraficantes, o mesmo lugar existencial de onde vem sua autoridade para posicionar-se frente a eles. A cena em que 'absolve' o irmão de sacerdócio e a que revela a vontade de mandar todos 'a la mierda', são paradigmáticas do perfil da missão.

A relação afetiva entre o sacerdote e a assistente social é outro marco do momento. A paixão romântica irrompe em meio ao caos político, econômico e religioso. É um grito de desespero e a luta para respirar, em meio à asfixia existencial. Assim como em O amor nos tempos do cólera, de García Márquez, é avassaladora, transgressiva, corajosa, como só acontecem em tempos de calamidades e crise civilizacional agudas. O número de sacerdotes e militantes de todas as frentes de luta que a ela chegaram é incontável, entre os que voltaram ao redil, os que fugiram para salvar vidas e os que se 'perderam' ao perder seu grande amor.

Villa Virgen é uma 'comunidade', de cerca de 30 mil pessoas, próxima ao projeto do maior hospital da América Latina, lançado por um governo socialista e abandonado desde 1937. O fato em si dá o retrato das elites latino-americanas: endinheiradas pelo controle do Estado, com pouca formação intelectual, muito autoritarismo e o recurso fácil à violência, regados à vaidade tola. O espaço em que os padres trabalham para transformar o prédio abandonado em moradias dignas é o mesmo que lembra o 'deserto do real', de Zizek.

As partes complementares do enredo são os demais padres e voluntários que atuam com e a partir dessa tríade, a célula mais comum dos trabalhos pastorais desenvolvidos nas grandes cidades da América Sul, surgida nos anos 1970 a partir da mística dos pobres como os amados preferenciais de Deus, a repressão do consórcio elites-ditaduras, e da Igreja, pendente para o lado conservador nos centros de maior poder político e econômico, a partir da lógica atemporal que assegura a sobrevivência histórica. Ou de confronto, onde o bispo era pastor.

A capital argentina agrega ao enredo comum das grandes cidades da América do Sul, a pecha dos assassinatos de massa, legitimados por leis humanas e divinas, 'de exceção', sem disposição de poupar sequer os 'seus', já que as vantagens do atrelamento ao Estado superavam em muito o pecuniário e o institucional. Os feriados religiosos e as bênçãos episcopais à repressão mais brutal, já enfrentadas por todos os países da região, exceto o Brasil, testemunham o dilema teológico de defender o rebanho ou assegurar a presença da instituição religiosa.

A película dirigida por Trapero é como os vitrais das Catedrais, projetados para narrar a história da salvação, ocultando o conflito das relações nem sempre claras, entre as paixões da fé popular, da instituição eclesial e do Estado dominado pelas elites. Nestas, destacam-se homens e mulheres que deram à sua vida o sentido das causas que abraçaram, pelas quais viveram e morreram. Ao serem guindados de líderes a mártires, enriqueceram a mística combativa deste 'continente sofrido e maravilhoso', como escreveu Gutiérrez.


http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515274-elefante-branco-debate-miseria-religiao-politica-e-afetividade



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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz