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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

28.2.16

é nesta segunda, às 13h30

Conferência Livre de Direitos Humanos de Caxias do Sul

preparatória da V Conferência Estadual de Direitos Humanos


dia 29 de fevereiro de 2016

às 13h30

na Casa da Cidadania

(Rua Visconde de Pelotas,449-Centro, Caxias do Sul)


A Conferência Livre é aberta a todxs! 

IMPORTANTE que as instituições, órgãos, organizações, entidades e movimentos, enviem ao menos um representante com propostas que cada grupo já vem trabalhando e lutando!!


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V Conferência Estadual de Direitos Humanos:

TEMA: Construção do Sistema Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul: diagnóstico, referenciais e diretrizes de ação para o Programa Estadual de Direitos Humanos

LEMA: Direitos Humanos para todos e todas: Democracia, Justiça e Igualdade.

EIXOS TEMÁTICOS:

EIXO I – Interação democrática: com os seguintes temas: participação política, o fortalecimento da democracia participativa, articulações e estratégias para o Sistema Estadual de Direitos Humanos, as estratégias de controle social de políticas públicas, o monitoramento dos compromissos nacionais e internacionais em direitos humanos, as responsabilidades institucionais em direitos humanos, a liberdade de expressão e o enfrentamento aos fundamentalismos.

EIXO II – Desenvolvimento e Direitos Humanos: com os seguintes temas: promoção do desenvolvimento com direitos humanos, responsabilidade de empresas e setor privado, grandes projetos e empreendimentos e impacto em direitos humanos, centralidade da dignidade humana em processos de desenvolvimento, sustentabilidade e direitos humanos, ambiente saudável e direitos humanos.

EIXO III – Universalização dos Direitos: com os seguintes temas: enfrentamento das desigualdades, reparação por graves violações, ações afirmativas, promoção das diversidades, afirmação dos diversos sujeitos e seus direitos [crianças e adolescentes, juventude, população negra, mulheres, idosos, pessoas com deficiência, LGBTs, populações de rua, refugiados e migrantes, quilombolas, indígenas, ciganos, profissionais do sexo, e outros], promoção da diversidade religiosa.

EIXO IV – Acesso à Justiça e Combate às Violências: com os seguintes temas: enfrentamento das diversas violências, especialmente por razões de identidade de gênero, etnia, idade, enfrentamento do extermínio da juventude negra, enfrentamento da criminalização das lutas e dos lutadores sociais e da criminalização dos movimentos sociais, segurança pública com direitos humanos, promoção do acesso universal à justiça, combate à violência institucional, garantia dos direitos das vítimas e proteção de pessoas ameaçadas, qualificação das políticas de execução penal, proteção a defensoras e defensores de direitos humanos, direito à memória, à verdade e justiça, promoção da justiça de transição, promoção de práticas restaurativas e de mediação de conflitos.

EIXO V – Educação e Cultura em Direitos Humanos: Educação e Cultura em Direitos Humanos: com os seguintes temas: garantia da qualidade social da educação básica e do direito de aprender direitos humanos na educação básica e na educação superior, implantação das diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos, formação de funcionários públicos de todas as áreas em direitos humanos (executivo, legislativo e sistema de justiça), fortalecimento da atuação das organizações da sociedade civil com a educação em direitos humanos, mobilização da cultura para a promoção dos direitos humanos, democratização dos meios de comunicação, enfrentamento das formas agressivas aos direitos humanos (racismo, sexismo, patriarcalismo, monoculturalismo e outros).

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A Conferência Livre em Caxias do Sul é convocada pelas seguintes as seguintes instituições, órgãos, organizações, entidades ou movimentos: CMDDH-Conselho Municipal de Defesa dos Direitos Humanos, COMUNE-Conselho Municipal da Comunidade Negra, Forum DCA- Forum dos Direitos da Criança e do Adolescente, Grupo de Capoeira Conquistador da Liberdade.

Ferreira Gullar, vá ler ou cale a boca!

Ferreira Gullar, vá ler ou cale a boca!

Como bem disse meu querido amigo Marcos Marcionilo, é injustificável que um jornal pague a alguém para escrever coisas de que não entende e exibir sem o menor escrúpulo sua sesquipedal ignorância e desinformação. Hoje, na folha de s.paulo (que não leio, já vou alertando), o ressentido-mor Ferreira Gullar, mais uma vez, desfiou seu reacionarismo característico de stalinista senil que se joga sem susto nos lençóis da direita mais abjeta. Um artigo tão absurdo que impede qualquer comentário sensato. Por isso só vou tratar de suas últimas palavras, que são: "O que, porém, não se pode aceitar é que linguistas e gramáticos afirmem que não se deve exigir que se fale e escreva corretamente, quando eles mesmos falam e escrevem conforme as regras gramaticais".

Esse é um argumento idiota, burro, cabotino, mentiroso, falacioso, néscio, vilipendioso, para dizer o mínimo. As pessoas que fazem afirmações assim estão, na verdade, deixando claro que nunca jamais leram um único texto de linguística contemporânea, que não fazem a mais mínima menor ideia do que realmente propõe a educação linguística que se apoia em teorias bem fundadas e em exaustivas pesquisas empíricas. É estupidez calhorda. Uma retórica que cria seus próprios adversários para em seguida esgrimir argumentos vazios contra eles. Conforme escreveu recentemente Sirio Possenti: "Em geral, os que pretendem salvar as línguas têm o vício grave de não citar as fontes das teses que combatem. Nunca se pode saber em que página de qual obra – ou em que texto de jornal ou blog – um destes imaginários inimigos do óbvio escreveram a tese que se lhes imputa". Assim é muito fácil, né?

Uma das mais conhecidas mazelas da história cultural é a distorção sistemática e consciente de ideias revolucionárias que rompem com lugares-comuns arraigados há muitos séculos na mentalidade geral. Ela veio substituir métodos mais descarados de intolerância, como a fogueira da Santa Inquisição. Que história é essa, senhor Giordano Bruno, de dizer que a Terra gira em torno do Sol? Já para a fogueira!

Mas sempre existe a inquisição retórica, a manipulação das ideias para a defesa das próprias causas arcaicas. Darwin jamais disse que "o homem veio do macaco", mas quem se importa em ler os livros dele? Basta que alguém vocifere contra o que ouviu dizer que alguém escutou falar. É a velha história de ouvir cantar o galo sem saber onde e, principalmente, se era galo mesmo ou um simples papagaio querendo se fazer passar por dono do galinheiro. Marx nunca afirmou que "tudo está na economia", mas esse reducionismo burro do marxismo vive solto por aí. Freud não teorizou que "o sexo" está na origem de todo o comportamento humano, mas quem lê Freud?

Nenhum — insisto, repito, reitero e enfatizo: NENHUM — linguista brasileiro escreveu ou afirmou oralmente que a educação linguística não deva permitir o acesso dos aprendizes às formas linguísticas prestigiadas de falar e escrever. Nenhum, nenhum, nenhum. Ninguém que se dê ao trabalho de ler os textos de Ataliba de Castilho, Maria Helena de Moura Neves, Irandé Antunes, Magda Soares, Sirio Possenti, Carlos Alberto Faraco, para citar apenas algumas das personalidades mais atuantes da linguística e da educação no Brasil, vai encontrar nessas obras o menor vestígio de defesa das propostas mentirosas que Ferreira Gullar e outros lhes atribuem com pusilânime leviandade. Nenhum, nenhum, nenhum.

Mas para que ler, não é? Para quê, se o dinheirinho está garantido e basta rabiscar qualquer porcaria atolada no senso comum mais rasteiro e dar a ela laivos de grande preocupação intelectual?

Tem gente que envelhece e fica melhor ainda no que faz: Umberto Eco, por exemplo, que poderia ainda dar muita coisa boa ao mundo. Outras pessoas perdem toda a dignidade e jogam no lixo a própria biografia. Ferreira Gullar é uma dessas. Já que não lê, poderia também não escrever mais. A educação brasileira — que ele finge defender mas, no fundo, nem sabe o que é — ficaria imensamente grata.



27.2.16

Antes que seja tarde

NOTÍCIAS » Notícias

Quinta, 28 de fevereiro de 2013

Antes que seja tarde

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 13, 1-9 que corresponde ao 3º Domingo de Quaresma, ciclo C do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

Tinha passado já bastante tempo desde que Jesus se apresentara na sua terra de Nazaré como Profeta, enviado pelo Espírito de Deus para anunciar aos pobres a Boa Nova. Continua a repetir incansavelmente a Sua mensagem: Deus está já próximo, abrindo-se caminho para fazer um mundo mais humano para todos.

Mas Jesus é realista. Sabe bem que Deus não pode mudar o mundo sem que nós mudemos. Por isso se esforça em despertar nas pessoas a conversão: "Convertei-vos e acreditai nesta Boa Nova". Esse empenho de Deus em fazer um mundo mais humano será possível se respondemos acolhendo o seu projeto.

Vai passando o tempo e Jesus vê que as pessoas não reagem à chamada como seria o seu desejo. São muitos os que vêm escutá-Lo, mas não chegam a abrir-se ao "Reino de Deus". Jesus vai insistir. É urgente mudar antes que seja tarde. 

Em certa ocasião, Jesus conta uma pequena parábola. Um proprietário de um terreno tem plantado uma figueira no meio da sua vinha. Ano após ano, vem à procura de fruto e nela não o encontra. A sua decisão parece a mais sensata: a figueira não dá fruto e está a ocupar inutilmente um terreno, o mais razoável é cortá-la.

Mas o encarregado da vinha reage de forma inesperada. Por que, afinal, não deixá-la? Ele conhece aquela figueira, viu-a crescer, cuidou-a, não a quer ver morrer. Ele mesmo lhe dedicará mais tempo e mais cuidados, a ver se dá fruto.

O relato interrompe-se bruscamente. A parábola fica aberta. O dono da vinha e o seu encarregado desaparecem de cena. É a figueira quem decidirá a sua sorte final. Entretanto, receberá mais cuidados que nunca desse vinhador o qual nos faz pensar em Jesus: "O que veio procurar e salvar o que estava perdido".

O que necessitamos hoje, na Igreja, não é só introduzir pequenas reformas, promover o "aggiornamento" ou cuidar da adaptação aos nossos tempos. Necessitamos de uma conversão em nível mais profundo, um "coração novo", uma resposta responsável e decidida à chamada de Jesus a entrar na dinâmica do Reino de Deus.

Temos de reagir antes que seja tarde. Jesus está vivo no meio de nós. Como o encarregado da vinha, Ele cuida das nossas comunidades cristãs, cada vez mais frágeis e vulneráveis.Ele alimenta-nos com o seu Evangelho, sustenta-nos com o seu Espírito.

Temos de olhar o futuro com esperança, ao mesmo tempo em que vamos criando esse clima novo de conversão e renovação de que necessitamos tanto e que os decretos do Concílio Vaticano II não puderam até agora consolidar na Igreja.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518011-antes-que-seja-tarde

Saneamento básico: Se a terra é nossa casa comum, a obrigação de não sujá-la também é

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Terça, 16 de fevereiro de 2016

Saneamento básico: Se a terra é nossa casa comum, a obrigação de não sujá-la também é

"Para o direito brotar como fonte e a justiça como riacho que não seca, como Amós inspira a Campanha da Fraternidade deste ano, ao saneamento básico de respeito à terra, à agua, à flora e à fauna, à toda a natureza e seu meio-ambiente, enfim, um outro saneamento, esse ético-político, talvez se constitua até em condição prévia", escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG ACesso, Cidadania e Direitos Humanos.

Eis o artigo.

saneamento básico é daquelas condições de vida digna por si só comprobatório da indivisibilidade e da interdependência dos direitos humanos sociais, especialmente o da saúde e o da moradia. Condição de vida e bem-estar de qualquer ser humano, a universalidade da sua extensão e reconhecimento garantido a toda a terra e a toda a gente não pode sofrer limitação ditada, por exemplo, pelo grau do poder econômico de quem quer que seja.

A oportunidade dessa lembrança foi valorizada em nota do jornal Estado de São Paulo, deste 15 de fevereiro. Sob o título "A urgência do saneamento", ele chama a atenção para a iniciativa da CNBB em "lembrar, na sua Campanha da Fraternidade deste ano, que não é possível alcançar a almejada justiça social se o país não resolver urgentemente suas graves deficiências na área de saneamento básico. A mensagem, transmitida pelo papa Francisco, é que "o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário é condição necessária para a superação da injustiça social e para a erradicação da fome".

Objetivos dessa dimensão impõem ser debatidos e estudados, com propostas de solução também independentes de posicionamentos ideológicos, classes sociais, religiões, conveniências de mercado ou de outra natureza qualquer.

Por isso mesmo, a Campanha da Fraternidade deste ano não é de iniciativa exclusiva da CNBB, como o jornal parece ter esquecido. Ela é ecumênica, conta com a adesão expressa de cinco Igrejas integrantes do CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs) e o próprio tema escolhido "Casa Comum, nossa responsabilidade" (edições CNBB,CONIC, Brasilia, 2015), ter-se abrigado sob lema retirado do profeta Amós (5,24), de leitura e respeito também comuns para elas: 

"Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça como riacho que não seca".

Parte da análise do texto base da Campanha sobre a situação do direito ao saneamento básico no Brasil, é dedicada a dados estatísticos de quanto a nossa realidade carece desse serviço público e de como o nosso costumeiro atraso em implantá-lo, para só agir depois de catástrofes, compromete a saúde da população, gera doenças e morte. Assim como acontece com outros direitos, moradia e alimentação, por exemplo, também o saneamento básico reflete os efeitos dramáticos da nossa desigualdade social

"Basta uma volta pelas cidades para constatar a diferenciação entre os bairros, tanto no que diz respeito às caraterísticas urbanísticas, à infraestrutura, á conservação dos espaços e aos equipamentos e serviços públicos, quanto ao perfil da população. Os mais pobres são justamente os que gastam proporcionalmente mais com o transporte diário, têm mais problemas de saúde por conta da falta de saneamento e são penalizados com escolas de baixa qualidade. Dos domicílios em bairros precários, 76% têm problemas de qualidade de construção e dos serviços básicos, como saneamento e iluminação. Os indicadores que refletem mais explicitamente as desigualdades nas condições de vida são os relacionados ao saneamento básico. O problema do empobrecimento não é exclusivo das cidades. Também no meio rural existem locais com péssimas condições de moradia. Muitos moradores não têm documento de identidade, 16% são analfabetos e 83% têm escolaridade limitada ao Ensino Fundamental ou Médio." (p.21).

Como a história não cansa de repetir, os efeitos dessa ausência de prestação de serviço devida como direito de todas/os, acabam vitimando as pessoas mais fracas, pobres e indefesas, exatamente as indicadas na Constituição Federal e na maioria das leis, como as merecedoras da maior atenção e respeito: 

"As crianças são as mais atingidas pela falta de saneamento básico. Substâncias tóxicas e bactérias provocam alergias respiratórias, nasais, intestinais e de pele, que vão permanecer com essa criança por muito tempo. As crianças mais afetadas são aquelas que têm entre 0 e 5 anos. A universalização do acesso à coleta de esgoto e água tratada teria uma redução de 6,8% no atraso escolar dos alunos que vivem em regiões sem saneamento, segundo o estudo doITB e do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável). A diferença de aproveitamento escolar entre crianças que têm e que não têm acesso ao saneamento básico pode chegar a 18%. FGV(Fundação Getulio Vargas)" (p.33). 

Para o direito brotar como fonte e a justiça como riacho que não seca, como Amós inspira a Campanha da Fraternidade deste ano, ao saneamento básico de respeito à terra, à agua, à flora e à fauna, à toda a natureza e seu meio-ambiente, enfim, um outro saneamento, esse ético-político, talvez se constitua até em condição prévia. 

Para nascer pura, a fonte do direito não pode brotar da terra, poluída pela imposição de um bem como esse ser reduzido a mercadoria, e para a justiça fazer-se valer como riacho que não seca, nenhum dique de dinheiro pode desviar o seu curso para chegar a quantas/os estão sedentos dela.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/551657-saneamento-basico-se-a-terra-e-nossa-casa-comum-a-obrigacao-de-nao-suja-la-tambem-e

Mudai de vida e produzi frutos! (Lc 13,1-9)

Mudai de vida e produzi frutos! (Lc 13,1-9) 


[Ildo Bohn Gass]


Segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016 - 15h15min


Estamo-nos aproximando do terceiro domingo da Quaresma. Este é um tempo de graça (kairos), um tempo oportuno para a conversão, a mudança de vida. E a liturgia nos propõe, como luz no caminho, o texto de Lucas 13,1-9. Encontramos esta narrativa somente no evangelho segundo Lucas.

Vamos refletir sobre este relato em dois momentos. Primeiro, a partir do diálogo de Jesus com algumas pessoas que o procuraram. Depois, a partir da parábola que ele lhes contou.

Mudai de vida!  (Lucas 13,1-5)

Esta narrativa situa-se na caminhada de Jesus com seu grupo desde a Galileia (Lucas 9,51) até Jerusalém (Lucas 19,28), onde autoridades do sinédrio e da ocupação romana o condenarão à morte na cruz. Porém, a vida vencerá a morte. Nesse sentido, o evangelho deste final de semana é um convite para a conversão, a mudança de direção em nossas vidas, de modo a andar no mesmo caminho de justiça proposto por Jesus. Porém, ontem e hoje, rejeitado pelos poderosos deste mundo. É o caminho em que Jesus vai formando seus discípulos e suas discípulas.

O texto não informa quem são as pessoas que procuraram Jesus para falar do massacre que Pilatos promovera no pátio do templo junto ao altar, onde galileus estavam oferecendo sacrifícios. Provavelmente, é uma referência à chacina de galileus executada pelo interventor romano, quando estes resistiram contra o saque do tesouro do templo que Pilatos havia feito, a fim de construir um aqueduto. 

Pela resposta de Jesus, podemos entender o contexto. Eram pessoas que queriam saber sua opinião a respeito de quem era o pecado para tamanho "castigo". O caso trata da mesma questão de João 9, onde os discípulos perguntam a respeito do cego de nascença: "quem pecou, ele ou os pais dele?" (João 9,1). Ao que Jesus responde: "nem ele, nem seus pais, mas para que nele se manifestem as obras de Deus" (João 9,2). Assim, vemos que Jesus concorda com os autores dos livros de Rute, Jó, Eclesiastes e Jonas. Também eles discordam da teologia da retribuição, isto é, da experiência com um Deus que castiga os pecadores e abençoa os justos. A resistência indignada de Jó contra a catequese oficial do templo, representada por seus "amigos", questiona a imagem de Deus tipo "toma lá, dá cá". E Jesus se insere nessa mesma experiência com um Deus de ternura, e não um Deus sempre a postos para castigar ou abençoar, de acordo com os méritos de cada pessoa. Em vez da experiência com a teologia da retribuição que gera medo nas pessoas, Jesus faz a experiência com o Deus da graça.

Por isso, ele logo responde que o massacre dos galileus não é por serem pecadores. É que Jesus sabia muito bem qual era a prática dos romanos diante de quem resistia à sua dominação: "Sabeis que aqueles que vemos governar as nações as oprimem, e seus grandes as tiranizam" (Marcos 10,42). Além do fato lembrado pelos interlocutores de Jesus, ele recorda também a morte dos dezoito trabalhadores na torre de Siloé em Jerusalém (Lucas 13,4). No entanto, Jesus aproveita aqueles dois fatos para chamar à conversão (metánoia), isto é, à mudança de mentalidade, à mudança de vida. Converter-se é não se amoldar aos esquemas deste mundo (Romanos 12,2). Na carta aos efésios, Paulo ou seus discípulos escreveram que o modo de vida deste mundo vem do maligno (cf. Efésios 2,2). E o modo de vida deste mundo, entre outras práticas, é de discriminação e de violência, de injustiça e de ódio, de busca de riquezas e de poder. Portanto, Jesus propõe outro espírito de vida, outro caminho. São atitudes de acolhida e de ternura, de justiça e de amor, de partilha e de serviço. Neste relato, duas vezes Jesus pede aos que o procuraram, e hoje a nós, para seguirmos por seu caminho: "mudai de vida!" (Lucas 13,3.5).  

Aqui, convém lembrar que Jesus passa toda sua vida lutando contra uma teologia que impõe medo. Por isso, o vemos tantas vezes dizendo: "não tenhais medo!" (cf. Lc 5,10; 8,50; 12,4-7.32). Ou ainda: "Coragem!" (cf. Mt 9,2.22; 14,27).

Mudai de vida e produzi frutos! (Lucas 13,6-9) 

Depois do duplo chamado à mudança de vida, Jesus ainda conta uma parábola: a figueira plantada em meio a uma vinha. Tanto a vinha (Isaías 5,1-7) como a figueira (Joel 1,7) eram imagens do povo da aliança. Por ser um povo em aliança com o Deus da vida, sua missão no mundo é, tal como a vinha e a figueira, produzir frutos, e frutos de justiça (Isaías 5,7) e de amor (João 15,1-17), em profunda comunhão com o Deus da aliança. Mas, a figueira não produziu os frutos desejados. 

Interessante notar que Marcos (11,12-14.20-24) e Mateus (21,18-22) situam a parábola da figueira em íntima conexão com a expulsão dos vendilhões do templo. Ou seja, a figueira é símbolo do sistema do templo que manipula a aliança com Deus, de modo a não mais gerar os frutos que deveria. Em vez de promover a vida em comunhão com o Pai, foi transformado em covil de ladrões (Lucas 19,46). Em Marcos e Mateus, portanto, a figueira seca representa toda estrutura do templo que não gera mais frutos de justiça. E aqui, temos um julgamento severo e indignado de Jesus sobre a instituição oficial judaica ao amaldiçoar a "figueira". 

Diferentemente, Lucas insere a parábola da figueira em outro contexto e apresenta Jesus revelando a misericórdia de Deus. Mais do que os outros evangelhos, Lucas resgata esse rosto misericordioso de Deus (cf. Lucas 6,36; 15,11-32). Na parábola, o dono da vinha representa Deus. E, como em Mateus e Marcos, seu julgamento é severo: "podes cortá-la" (Lucas 13,7). Mas Jesus, que é representado pelo vinhateiro, pede a seu Pai mais uma chance para o povo: "Senhor, deixa-a ainda este ano, para que eu escave ao redor dela e ponha estrume" (Lucas 13,8). Jesus revela outra imagem de Deus: misericordioso, compassivo, cheio de ternura e de perdão. Como o pai misericordioso, sempre dá uma chance e espera a volta do filho, pronto para festejar o seu retorno (Lucas 15,11-32). 

É esse convite que Jesus também nos faz nesta Quaresma e em todos os dias de nossa vida. Ele quer a vida e não a morte. "Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor. Portanto, mudai de vida e vivei" (Ezequiel 18,32; cf. v. 23).

26.2.16

Comunidades Eclesiais de Base se preparam para crescerem no mundo urbano



ENTREVISTAS
26.02.2016

[ENTREVISTA ESPECIAL] Comunidades Eclesiais de Base se preparam para crescerem no mundo urbano


Paulo Emanuel Lopes
Adital

Celso Pinto Carias vive em Duque de Caxias, Estado do Rio de Janeiro. É doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), onde trabalha. Assessor das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB (Comissão do Laicato, Setor CEBs), vem acompanhando a vida dessas Comunidades desde 1989, quando ajudou a coordenar os serviços do 7º Encontro Intereclesial, em Duque de Caxias. Participa do grupo de assessores e assessoras da Ampliada Nacional das CEBs, juntamente com as irmãs Mercedes e Tea, e o padre Vileci.

Nesta entrevista exclusiva à Adital, o teólogo analisa o impulso que a Igreja Católica de base vem experimentando a partir do papado de Francisco. Nesse contexto, destaca-se a atitude do Papa argentino ao enviar uma carta aos participantes do 13º Intereclesial, ocorrido na Diocese do Crato (Ceará), em 2014, momento em que "as CEBs se sentiram, mais uma vez, confirmadas pelo magistério".

divulgacao
Celso Pinto Carias, assessor das CEBs e professor de teologia da PUC-RJ. Foto: divulgação.

"Antes do Papa Francisco, os setores que deram continuidade ao [Concílio] Vaticano II praticamente não eram lembrados. Mas eles não desistiram (...) Certamente, ainda estamos em uma situação muito frágil, pois o Papa Francisco está falando praticamente sozinho (...) Haverá muitos que darão graças a Deus quando este Papa passar, mas o papado nunca mais será o mesmo", declara Carias.

Nesta entrevista, ele também avalia como os papados de João Paulo II e Bento XVI influenciaram o compromisso social das CEBs, que, aliás, para o teólogo, é "parte essencial do processo de evangelização".

"Da metade da década de 1980 para frente, já sob o pontificado de João Paulo II, mesmo com o apoio de renomados prelados, como os cardeais Paulo Evaristo Arns e Aloisio Lorscheider, as Comunidades de Base passaram a ser duramente bombardeadas. Com Bento XVI, não foi diferente (...) A atuação e abrangência das CEBs, por conta da perseguição, diminuíram, mas não morreram, como querem seus detratores. Elas continuam a atuar pelo Brasil e América Latina, e até mesmo na Ásia, África e Europa", comemora Carias.

Outra observação levantada pelo teólogo se refere à "urbanização" do movimento, que, no passado, apresentava mais força no meio rural, em comunidades que, muitas vezes, não podiam contar com a presença de um sacerdote por muito tempo. Os leigos, então, reuniam-se para manterem vivo o espírito da Igreja na comunidade.

"Agora, o olhar das CEBs está voltado, de modo mais cuidadoso, para o mundo urbano. O tema do próximo intereclesial, inclusive, é "CEBs e desafios no mundo urbano". (...). Nos grandes centros urbanos, temos uma imensa população de seres humanos invisibilizados, que as próprias igrejas, muitas vezes, abandonam", observa o assessor.

Confira a entrevista.

familiaservos
13° Intereclesial das CEBs, ocorrido na paróquia do Crato (Ceará), em 2014, reuniu uma multidão de fiéis, impulsionados pelo espírito de renovação proposto pelo Papa Francisco, que enviou carta aos participantes. Foto: familiaservos.blogspot.com

Adital: As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) surgiram com o espírito de renovação da Igreja, inspirado pelo Concílio Vaticano II. Entretanto, após o "Papa bom", João XXIII, e seu sucessor, Paulo VI, a Igreja passou por um retorno ao conservadorismo, imposto pelos papados de João Paulo II e Bento XVI. Como se deu a atuação das CEBs durante aquele momento vivido pela Igreja?

De fato, o Concílio Vaticano II foi um fator determinante para o nascimento das CEBs. Mas podemos afirmar que elas nasceram de um processo mais amplo. Um conjunto de fatores iria possibilitar que bispos, padres e leigos e leigas despertassem para a necessidade de nucleação das pessoas, construindo espaços nos quais elas pudessem se reconhecer como sujeitos da história, como o processo cultural moderno já vinha proporcionando em outros campos. A Igreja tinha que favorecer aos seus fiéis um espaço de vivência cristã, mais próxima do Evangelho. Naquele momento também, em quase toda a América Latina, estourava uma reação ditatorial contra as organizações populares. Neste contexto, impulsionadas por lideranças leigas e de bispos, como Dom Helder Câmara, as CEBs floresceram.

O Papa Paulo VI, sucessor de João XXIII, embora tenha feito algumas reservas às CEBs, pois já tinha sido avisado do seu engajamento político, apoiou diretamente, e, pela primeira vez, esse modelo de organização eclesial apareceu explicitamente em um documento papal (Evangelli Nuntiandi, 1974).

E assim as CEBs foram crescendo, mas também foram ganhando inimigos. Trata-se de um modelo mais participativo, que, por sinal, está perfeitamente de acordo com a grande Tradição da Igreja. Mas poder e carisma, muitas vezes, se confrontam, quando as decisões são tomadas com a cooperação de todos. Então, da metade da década de 80 do século 20 para frente, já sob o pontificado de João Paulo II, mesmo com o apoio de renomados prelados, como os cardeais Paulo Evaristo Arns e Aloisio Lorscheider, as Comunidades de Base passaram a ser duramente bombardeadas. Com Bento XVI, não foi diferente. Evidentemente, que estes papas recebiam informações vindas da própria região das CEBs, mas de forma unilateral.

A atuação e abrangência das CEBs, por conta da perseguição, diminuíram, mas não morreram, como querem seus detratores. Elas continuam a atuar pelo Brasil e América Latina, e até mesmo na Ásia, África e Europa, claro que com menor impacto. Agora, no momento em que o Papa Francisco reacende a necessidade da opção preferencial pelos pobres, elas podem, renovadas pelo tempo, continuar a serem sinal visível da fidelidade eclesial ao Caminho de Jesus Cristo. Sinal que é celebrado, visivelmente, nos intereclesiais, realizados desde a década de 1970. Caminhamos para o 14º Intereclesial, na Arquidiocese de Londrina [Paraná], em janeiro de 2018.

Adital: As CEBs promovem estudos bíblicos, orações e trabalhos sociais nas comunidades. E, hoje, como vem sendo a experiência das CEBs nessas comunidades? Vem se fortalecendo o trabalho social ou, na verdade, a prática comunitária desses grupos estão sofrendo uma retração?

Elas continuam a promover estudos bíblicos, celebrar e atuar onde as necessidades da realidade social exigem. No entanto, como já foi salientado, a perseguição fez a proporção se tornar menor. Hoje, em muitas dioceses, o compromisso social foi relegado a segundo, terceiro plano, mesmo com o Papa Bento XVI afirmando, na Encíclica Deus é Amor, que a caridade é essencial na evangelização. Pode-se verificar que onde há compromisso social, na perspectiva de criar política pública, quase sempre tem alguém das CEBs envolvido, ou pelo menos remanescente. Muitos fazem serviço social quase por uma obrigação, e não como parte de um processo fundamental de realizar sinais do Reino no meio do mundo. As CEBs não entendem o compromisso como uma obrigação, mas como parte essencial do processo de evangelização.

reproducao

Adital: As CEBs surgiram no final dos anos 1960. Como vem sendo a procura das comunidades por esse modo de fazer igreja, nos últimos 50 anos? Há uma renovação de dirigentes e fiéis ou vive-se uma estagnação em seu quadro pastoral?

Estamos dentro de um processo cultural no qual as propostas consumistas perpassam a sociedade como um todo. Nem mesmo as religiões escapam. Neste sentido, tem crescido o modelo religioso que reproduz uma lógica de consumo, no qual se procura a satisfação do cliente através também da venda de bens de consumo religioso. As CEBs, como ninguém, neste contexto, não estão imunes a serem contagiadas por esse mecanismo ilusório de sentido. No entanto, elas vêm resistindo bravamente. Sim, há certa estagnação, mas está havendo um processo lento de renovação, no qual jovens têm se colocado na perspectiva desse modelo. A Pastoral da Juventude tem sido um bom berço para tanto. Porém, é um processo que exige muita resistência e paciência. Confiamos que a tendência, com o tempo, diante da crise que estamos vivendo, e da superficialidade de muitas propostas religiosas, é que as CEBs renascerão das Catacumbas. É bom lembrar que, nas antigas catacumbas, estava uma profunda experiência cristã.

Adital: A Teologia da Libertação (TdL) inspira a acolhida pelos sacerdotes das pessoas "pobres", embora pouco se diga que essa pobreza ultrapassa a questão econômica. Há os doentes (pobres de saúde), estrangeiros (pobres de território), trabalhadores rurais sem-terra (pobres de meios de produção)... Para utilizar uma expressão do Papa Francisco, os que vivem nas "periferias existenciais". Como vem sendo a atuação das CEBs diante desses oprimidos sexuais, de raça, orientação política, de gênero, de território...?

"Pobre" é uma categoria evangélica. O mesmo Papa Francisco afirma, categoricamente, na Alegria do Evangelho (48): "É necessário afirmar, sem rodeios, que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos!" O que a TdL vem tentando fazer é sistematizar esta categoria a partir dos desafios que o mundo de hoje suscita. Não há dúvida de que precisamos aprofundar a nossa percepção dos mecanismos de exclusão social, alargando, inclusive, a análise para além das fronteiras econômicas. As CEBs, é verdade, priorizaram as contradições econômicas, mas, ao longo deste tempo, nunca deixaram de perceber outras contradições, como a racial por exemplo. Tanto é verdade que, agora, o olhar das CEBs está voltado, de modo mais cuidadoso, para o mundo urbano. O tema do próximo intereclesial inclusive é CEBs E DESAFIOS NO MUNDO URBANO. Creio que daremos passos cada vez mais na direção dos diversos tipos de opressão. Nos grandes centros urbanos, temos uma imensa população de seres humanos invisibilizados, que as próprias igrejas, muitas vezes, abandonam. As CEBs renovarão a utopia do REINO DE DEUS diante deste novo mundo que surge à nossa frente, junto com todos e todas que buscam outro mundo possível.

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Seguindo linha teológica mais pastoral de Francisco, 14° Encontro das CEBs em 2018 abordará população urbana "invisibilizada". Foto: franciscanos.org

Adital: O Papa Francisco vem tentando imprimir, na Igreja, um modo mais "pastoral" de ser, mais próximo à realidade social das pessoas, o que, para alguns, significa um "ressurgimento" dos ideais da TdL. Há, de fato, um retorno ao espírito do Vaticano II ou ainda é cedo para afirmar isto?

O que estava acontecendo, antes do Papa Francisco, é que os setores que deram continuidade ao Vaticano II praticamente não eram lembrados. Mas esses setores não desistiram. O Papa Francisco voltou a dar voz e vez àqueles e àquelas que acreditam no caminho trilhado pelo Concílio. E, como a TdL também não morreu, os teólogos e teólogas devem colocar suas inteligências a serviço deste novo momento.

Certamente, ainda estamos em uma situação muito frágil, pois o Papa Francisco está falando praticamente sozinho. A mídia não dá espaço para vozes mais progressistas neste campo. Não sabemos bem se haverá possibilidade de uma renovação mais profunda. Contudo, as CEBs e muitos outros setores da vida eclesial, bem como muitos irmãos e irmãs de outras igrejas, outras religiões, e até mesmo ateus, estarão atentos e atentas para aproveitarem a oportunidade na direção de mais um passo no aprofundamento dos valores a serviço do Reino de Deus. Como já disse há tanto tempo (1974) o Papa Paulo VI, "importa evangelizar, não de maneira decorativa, mas indo até as raízes" (20). Tem muita gente fazendo decoração por aí. Quando vier um vento mais forte, vai voar tudo, inclusive, certas rendas que enfeitam paramentos litúrgicos.

Adital: Qual deve ser o legado do papado de Francisco para o modo de ser Igreja das CEBs?

Se o Papa Francisco morresse hoje, espero que isto não aconteça tão cedo, ele já teria deixado um grande legado. Não necessariamente teria deixado grandes reformas. Ele já provou, como diziam os antigos, que o Papa deve ser "o servo dos servos de Deus". Quando Francisco enviou uma carta ao 13º Intereclesial, na Diocese do Crato, em 2014, as CEBs se sentiram mais uma vez confirmadas pelo magistério. Se um próximo Papa quiser trazer de volta aquele tom mais de realeza e menos de servo, certamente, encontrará resistência. Mas não uma resistência com capacidade de mudar o poder, mas resistência a propor um Cristianismo sem testemunho.

Vivemos em um mundo onde a ameaça de excomunhão não funciona mais e, graças a Deus por isso. Certamente, haverá muitos que darão graças a Deus quando este Papa passar, mas o papado nunca mais será o mesmo. Por isso, termino esta entrevista com uma afirmação do próprio Francisco na Evagelii Gaudium, 49: Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: "Daí-lhes vós mesmos de comer" (Mc 6,37).

Paulo Emanuel Lopes

Colabora com ADITAL.
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24.2.16

URGENTE: Querem entregar o pré-sal!





Requião expõe as razões para manter a Petrobrás como dona e operadora única do pré-sal

Discurso em defesa de que a Petrobras seja a proprietária e operada única do pré-sal e posicionamento contrário ao PLS 131/2015.

Contra o projeto entreguista do senador José Serra / PSDB.

https://www.youtube.com/watch?v=9Gjata7MMg4

PAI NOSSO DOS MÁRTIRES

Agitando o México em cinco dias: o Papa repreende as elites

Terça, 23 de fevereiro de 2016

Agitando o México em cinco dias: o Papa repreende as elites

Sem rodeios, direto e à cabeça, o Papa Francisco (foto) foi incomumente duro em seus discursos. Falou de corrupção e desigualdade, de falta de oportunidades e dor, de abandono e crimes contra os mais fracos. Deu nome aos culpados por tanto abuso, negligência e exploração: são as elites. São os políticos, os empresários, os narcotraficantes e criminosos e, também, a Igreja, sua própria Igreja. No entanto, deixou uma dívida: não oportunizou um encontro com os pais dos 43 [estudantes desaparecidos].

 
Fonte: http://goo.gl/hV8aXt 

A reportagem é publicada por Sin Embargo, 18-02-2016. A tradução é do Cepat.

Em seus cinco dias no México, o Papa Francisco criticou a elite mexicana pela falta de justiça e paz que o país padece, exigiu que os bispos façam mais para aliviar o sofrimento dos fiéis nas mãos dos traficantes e da corrupção e, explicitamente, evitou os luxos da capital para visitar lugares muito mais modestos.

Embora os papas costumem fazer críticas sutis em suas visitas pelo mundo, Francisco parece ter ido além em suas apreciações ao país anfitrião. Para alguns observadores, o Pontífice claramente sente que tanto a Igreja, como o governo, falharam com os mexicanos.

"O Papa literalmente acredita que o demônio anda solto no México, semeando a morte, a miséria e a sujeição, e acredita que Estado, Igreja e narcotraficantes foram cúmplices nisto", disse Andrew Chesnut, diretor de estudos católicos da Universidade Virginia Commonwealth, a The Associated Press. "Acredita que o México, com a segunda população católica do mundo, vive uma aguda crise moral e política, e que a Igreja precisa se tornar agente ativo (para) construir um México mais justo".

Francisco é um jesuíta que com frequência pede para fazer "exames de consciência" diante de Deus.

Nos dias de sua visita, iniciada em 12 de fevereiro, o Pontíficeteve mensagens para diferentes setores sociais, incluindo políticos, religiosos, indígenas, jovens e imigrantes.

Durante a mesma cerimônia de acolhida que lhe foi oferecida pelo presidente Enrique Peña Nieto, no dia 13 de fevereiro, no Palácio Nacional, o Papa lançou alguns afiados dardos contra políticos e servidores públicos.

"Toda vez que buscamos o caminho de privilégio e benefício a uns poucos em detrimento ao bem de todos, cedo ou tarde, a vida em sociedade se torna terreno fértil para a corrupção, o narcotráfico, a exclusão das diferentes culturas, a violência e, inclusive, o tráfico de pessoas, o sequestro e a morte", afirmou.

CONTRASTES: Quando chegou ao aeroporto de Ciudad de México, foi recebido por seletos convidados. Francisco caminhou por um imponente tapete vermelho, mas não demorou a se desviar dali para se aproximar das pessoas que lhe pediam a bênção. Foi a pauta de sua viagem: ir ao encontro dos que estão fora do tapete vermelho.

PERIFERIAS: Foi às regiões que são um espelho das penúrias do México. Esteve no populoso e deprimido subúrbio de Ecatepec, no Chiapas dos indígenas pobres e marginalizados, na cidade de Morelia, capital de um estado submetido às redes do narcotráfico e onde os jovens são sua carne de canhão, em Ciudad Juárez, símbolo da violência e do drama dos imigrantes. Também visitou presos, anciãos e enfermos.

REPREENSÃO AOS PODEROSOS: Os políticos, líderes econômicos e os bispos tiveram que ouvir várias críticas. À classe dirigente, Francisco advertiu que o benefício de uns poucos, excluindo as maiorias, cria um terreno fértil para a corrupção e o narcotráfico. E pediu aos bispos para não se comportarem como "príncipes" envolvidos em intrigas e distantes de seu povo.

O MÉXICO DESPIDO: Sorridente, amável e próximo, Francisco foi também uma aplanadora com suas palavras. Suas mensagens despiram um México de privilégios e falta de oportunidades, de pais e mães que choram por seus filhos levados pela violência, de indígenas desprezados, de uma natureza degradada, de jovens utilizados como mercenários pelo narcotráfico. Contudo, também deixou uma mensagem de esperança: "Nem tudo está perdido", disse. "Atrevam-se a sonhar".

PENDÊNCIA: Apesar de o assunto ter gerado expectativas no México, não houve reunião particular com os pais dos 43 estudantes desaparecidos no sul do país, que haviam pedido uma audiência. Só foram convidados para uma missa em Ciudad Juárez, onde lhes reservaram três lugares, mas eles decidiram não ir. "Não há condições para participar", disse Melitón Ortega, porta-voz das famílias.

O PAPA IRRITADO: O Papa não foi só sorriso. Uma pessoa o desequilibrou ao final de um ato com jovens, em Morelia, enquanto cumprimentava as pessoas, e quase fez com que caísse sobre outra pessoa. Francisco endureceu o rosto e balançando a mão reclamou duas vezes: "Não seja egoísta". O México também arrancou uma reprimenda do Papa da misericórdia.

NINGUÉM SE SALVA: No sábado, seu discurso diante da hierarquia católica foi limitado quanto a elogios. Francisco reconheceu sua contribuição para enfrentar o fenômeno da imigração, mas lhes pediu para ser verdadeiros pastores e não apenas fazer condenações genéricas.

"Não se necessita de príncipes, mas, sim, de uma comunidade de testemunhas do Senhor", disse Francisco aos bispos. "Convido-lhes a se cansar sem medo na tarefa de evangelizar", pediu.

A maioria dos bispos foi nomeada por João Paulo II, que para alguns preferiu favorecer a religiosos menos dispostos a desafiar a ordem estabelecida que a sacerdotes com um perfil mais ativista.

Francisco conhece bem a Igreja Mexicana: ele presidiu a Conferência Episcopal Latino-Americana quando foi arcebispo de Buenos Aires. E as falhas que encontrou aqui, uma afinidade com o poder e um respeito excessivo ao clero, são os mesmos problemas que criticou em seu próprio governo: a cúria do Vaticano.

Em um passado evento de natal, Francisco listou os sofrimentos do Vaticano, com o "Alzheimer espiritual" e o "terrorismo da fofoca".

Em sua visita ao México, deixou sua posição inscrita no livro de visitantes de um seminário: os sacerdotes devem ser pastores de Deus, não "clérigos de Estado", uma referência aos laços de proximidade entre vários hierarcas católicos com o governo.

Ao contrário, em seu discurso aos bispos dos Estados Unidos, em 2015, fez elogios pelo que fizeram contra os escândalos de abusos sexuais, algo que desatou duras críticas de grupos representantes de vítimas.

"Este decurso contrasta com suas viagens aos vizinhos Cuba e Estados Unidos, onde foi mais pastor e diplomata", disse Andrew Chesnut. "Mais que um latino-americano se perguntará por que foi tão aberto no México e tão cauteloso em Cuba, onde a Igreja é relativamente reprimida e o governo é autoritário".

Nesse momento, as mensagens do Papa começaram a ser acolhidas pelas pessoas.

No dia 15 de fevereiro, ao celebrar missa com comunidades indígenas em San Cristóbal de las Casas, Chiapas, Francisco lhes disse que "de modo sistemático e estrutural, seus povos foram incompreendidos e excluídos da sociedade".

"Que tristeza! Que bem faria a todos nós fazer um exame de consciência e aprender a dizer: Perdão! O mundo de hoje, despojado pela cultura do descarte, precisa de vocês", acrescentou.

A ESPERANÇA SÃO VOCÊS

Uma das mensagens da visita com maior ressonância foi a dirigida aos jovens, ontem, em um estádio de Morelia, capital de Michoacán.

A eles, o líder católico afirmou que "é mentira que a única forma de viver, de poder ser jovem, é deixando a vida nas mãos do narcotráfico ou de todos aqueles que a única coisa que fazem é semear destruição e morte".

"Vocês são a riqueza deste país; quando duvidarem disso, olhem para Jesus Cristo, aquele que desmente todas as tentativas de torná-los inúteis ou meros mercenários de ambições alheias", manifestou.

Com o clamor: "Não mais morte, nem exploração!, durante uma missa dedicada a imigrantes e vítimas de violência, o Papa encerrou, ontem à tarde, uma visita cheia de conteúdo ao México.

Durante a missa, celebrada em Ciudad Juárez, diante de centenas de milhares de pessoas, a apenas 80 metros da fronteira com os Estados Unidos, o líder da Igreja católica denunciou a "tragédia humana" daqueles que se veem obrigados a se deslocar, "expulsos pela pobreza e a violência".

Papa deixou um gesto para a história: rezou na fronteira entre o México e os Estados Unidos pelos imigrantes mortos. Frente a uma cruz colocada em uma plataforma que mirava para o norte, abençoou centenas de pessoas que o viam do lado estadunidense. Também abençoou três cruzes pequenas, sendo que em uma delas havia alguns tênis desgastados na base. O gesto aconteceu antes da última missa de sua visita de cinco dias ao México.

Em seu caminho na busca de melhores condições e oportunidades, encontram "terríveis injustiças: escravizados, sequestrados, extorquidos, muitos irmãos nossos são fruto do negócio do tráfico humano", disse Francisco, já na missa.

"E o que dizer de tantas mulheres a quem retiraram injustamente a vida!", acrescentou o Pontífice, mencionando a onda de assassinatos que deram triste fama a Ciudad Juárez, nas últimas duas décadas.

Após expressar sua veemente rejeição à morte e a exploração associadas com a criminalidade, afirmou que "sempre há tempo para mudar, sempre há uma saída e uma oportunidade, sempre há tempo para implorar a misericórdia do Pai".

"NÃO SÃO APENAS AS PRISÕES"

Previamente, ao visitar uma prisão na mesma cidade, disse diante de cerca de 700 detidos que "o problema da segurança não se esgota apenas aprisionando, mas, ao contrário, é um chamado a intervir enfrentando as causas estruturais e culturais da insegurança, que atingem todo o tecido social".

Além disso, exortou-lhes a lutar de sua prisão para reverter as situações que geram exclusão. "Falem com os seus, contem sua experiência, ajudem a frear o círculo da violência e da exclusão", disse.

Ao concluir a visita à prisão e antes de presidir a missa, o Papa teve um encontro com organizações de trabalhadores e representantes de câmaras e associações empresariais. Disse a eles que estão unidos pela responsabilidade de criar espaços de trabalho digno, "especialmente para os jovens desta terra".

Destacou que "um dos maiores flagelos" aos quais os jovens estão expostos é a falta de oportunidades de estudo e de trabalho, "o que em muitos casos gera situações de pobreza", que "é o melhor caldo de cultivo para que caiam no círculo do narcotráfico e da violência".

Citando sua encíclica "Laudato Si'", sobre a defesa do meio ambiente, Francisco clamou contra a mentalidade que coloca as pessoas "a serviço do fluxo de capitais, provocando, em muitos casos, a exploração dos empregados como se fossem objetos para usar e jogar".

"Deus pedirá conta aos escravistas de nossos dias", advertiu o Papa, e acrescentou que "é preciso fazer tudo o que for possível para que estas situações não ocorram mais", exclamou.

Já em sua mensagem de despedida, nesta quarta-feira, em Ciudad Juárez, Francisco agradeceu "o carinho, a festa e a esperança" com que foi acolhido pelos mexicanos, e finalizou com uma mensagem de ânimo ao país, assediado pela marginalização de amplos setores e pela violência do crime organizado.

"A noite pode nos parecer enorme e muito obscura, mas nestes dias pude constatar que neste povo existem muitas luzes que anunciam esperança", apontou.

23.2.16

Sociedade brasileira: violência e autoritarismo por todos os lados


Sociedade brasileira: violência e autoritarismo por todos os lados

A filósofa Marilena Chaui analisa a situação política e econômica brasileira e comenta a ocupação das escolas paulistas
A filósofa Marilena Chaui prefere apostar na possibilidade de mudanças, sobretudo quando observa acontecimentos como o da ocupação das escolas públicas em 2015 / Foto Bob Sousa

A filósofa Marilena Chaui prefere apostar na possibilidade de mudanças, sobretudo quando observa acontecimentos como o da ocupação das escolas públicas em 2015 / Foto Bob Sousa


por Juvenal Savian Filho e Laís Modelli

 

Desde o início dos anos 1980, Marilena Chaui tem proposto como chave de leitura de nosso país a ideia de que a sociedade brasileira é autoritária e violenta. Em obras como Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas, de 1981 (que será reeditado em seusEscritos, publicados pela Editora Autêntica), a filósofa contraria a imagem de uma cultura nacional pretensamente formada pelo acolhimento recíproco e pela cordialidade, revelando estruturas enraizadas de hierarquização e de sedução pela autoridade.

Não se trata, porém, de considerar os brasileiros como individualmente violentos. Trata-se de esclarecer as estruturas históricas que produzem uma vida social em que o espaço público e republicano é minguado, transferindo-se ao Estado o papel de sujeito da cidadania e reproduzindo-se, no cotidiano, relações de poder.

Essa chave de leitura permanece, aos olhos de Marilena Chaui, extremamente atual para analisar o momento vivido pelo Brasil. Apesar dos percalços éticos, políticos e econômicos das duas últimas décadas, o país tenta entrar na Modernidade, que exige necessariamente inclusão social. Essa mesma inclusão, no entanto, desperta resistência. Se os auxílios financeiros para inserção econômica, distribuídos por países como Alemanha e França às populações mais pobres, são considerados por lá sinais de desenvolvimento, o Bolsa Família, no Brasil, é chamado de assistencialismo e de estratégia eleitoreira. Se a ação do Estado no controle do mercado é vista como necessária em outras partes do mundo, aqui ela é chamada de "ameaça comunista" e de inchaço da máquina pública.

O problema é que ainda não sabemos muito bem o que é o espaço público, porque não agimos como sujeitos, transferindo a responsabilidade pela construção da cidadania aos aparelhos de governo. Focamo-nos nas salvações que podem vir do poder e não obrigamos o poder público a representar de fato todos os setores sociais. O resultado dessa prática (ou ausência de prática) é o fortalecimento da violência e do autoritarismo, que atualmente se intensificam nas formas de controle policial, por exemplo, e a falta de pensamento no jogo político (não somente de direita, mas também de esquerda!).

Chamar atenção para essa dinâmica perversa é o que faz Marilena Chaui na entrevista que concedeu à CULT.

 

CULT: Como a senhora vê a situação política vivida pelo Brasil hoje?

Marilena Chaui: É uma situação gravíssima. É gravíssima não por causa daquilo que a mídia apresenta como falência do governo, mas pelo movimento conservador, reacionário, de extrema direita e protofascista que está tomando conta da pauta política. Quando examinamos os pontos da pauta política discutidos de outubro de 2015 até agora, vemos o poder dos grupos dos "3B": o boi, a bala e a Bíblia. É uma regressão sociopolítica fora do comum. É uma pauta regressiva, antidemocrática, de violação de todos os direitos que foram conquistados ao longo dos últimos quinze anos. Todo o fundo reacionário protofascista que existe no Brasil e que é alimentado pela classe média urbana brasileira veio à tona e pegou as esquerdas completamente desprevenidas. As esquerdas tinham pautas como o antineoliberalismo, os direitos, a questão da Palestina e do Oriente Médio, do surgimento do Estado Islâmico, enfim, pautas voltadas aos problemas da democracia e do socialismo, e foi pega completamente despreparada por uma onda de extrema direita que repôs para o Brasil os tópicos que estiveram em vigência no início dos anos 1960. É uma ameaça de golpe para reverter o processo de consolidação dos direitos sociais obtidos nos últimos anos e sustentada pela pauta "boi, bala e Bíblia". Aliás, a atuação de grupos religiosos é muito preocupante e vai além de uma questão propriamente política, porque, apesar de se manifestar na representação política, ela é uma questão socioeconômica: é a maneira como as igrejas evangélicas interiorizaram e reformularam a concepção neoliberal.

 

CULT: Como se dá essa interiorização e reformulação evangélica da concepção neoliberal?

Marilena: Uma das características do neoliberalismo é a maneira como ele concebe o indivíduo, que não é entendido nem como parte de uma classe social, nem como ser em formação que vai se relacionar com o restante da sociedade. O indivíduo não é pensado nem como átomo nem como classe, mas como um investimento. Na medida em que um indivíduo é um investimento, o salário não é entendido como salário, mas como provento, como renda. Então, o ser humano é programado para ser rendoso e rentável. A família, a escola e o emprego passam a ter por função a rentabilidade do indivíduo, porque ele é um investimento. As igrejas evangélicas se apropriam desse ideário e o desenvolvem por meio de uma teologia – a teologia da prosperidade, que considera cada indivíduo justamente como um investimento ou uma empresa. Ele não é um empresário, mas uma empresa, e, como tal, precisa de uma série de condições para funcionar. Então as igrejas, além de convencerem a pessoa de que ela nasceu para vencer na vida e ser rentável, levam a ética calvinista ao máximo, explorando a crença de que ser rentável é um sinal de salvação, porque é isso que Deus espera.

Como se sabe, a maior parte das igrejas evangélicas possui franquia. Elas se espalham no campo da produção e do comércio e empregam todas as pessoas, fazendo com que elas provem que Deus as escolheu e que são um investimento rendoso. Pouco a pouco, as pessoas se apropriam da franquia; depois abrem outra e assim por diante. Há, portanto, um fenômeno de fortalecimento da ideologia neoliberal e das concepções conservadoras da classe média por meio da maneira como as igrejas evangélicas incorporam o neoliberalismo, com uma teologia para isso. Se você juntar o conservadorismo com o reacionarismo da classe média urbana e a presença avassaladora das igrejas evangélicas, além de toda a discussão sobre a vida no campo (a reforma agrária), vai entender por que politicamente se exprime, de modo efetivo, nos grupos do "boi, bala e Bíblia", a pauta ultraconservadora que está aí.

A minha preocupação é, evidentemente, por um lado, denunciar de todas as maneiras possíveis a tentativa de golpe. Por outro, assegurar que governos voltados para os direitos sociais (e, desse ponto de vista, com uma pauta antineoliberal) sejam garantidos. Ao lado disso, a minha preocupação é com a sociedade, ou seja, com a ideologia. Depois de muito tempo, lá retorno eu à questão da ideologia. É preciso refletir sobre como erguer um dique para impedir a entrada avassaladora da ideologia neoliberal na sua forma teológica. Estamos vivendo um momento que vai fazer 1964 parecer uma coisa muito simples. 1964 estava inserido na Guerra Fria, no poderio dos Estados Unidos sobre os países da América Latina. Por causa do exemplo de Cuba, acreditava-se ser possível uma revolução socialista. Os componentes eram muito óbvios. Havia uma clareza na compreensão do momento vivido. Agora não há clareza. Tudo é muito difuso, muito opaco, obscuro, porque há fundo teológico.

 

Marilena Chaui entre Juvenal Savian Filho e Laís Modelli / Foto: Bob Sousa

Marilena Chaui entre Juvenal Savian Filho e Laís Modelli / Foto Bob Sousa

 

CULT: A senhora acredita em um golpe militar?

Marilena: Está fora de questão.

 

CULT: O que pode acontecer?

Marilena: Se as coisas continuarem no ritmo em que estão e se o golpe dos 3B se concretizar, haverá uma efervescência social enorme, porque todos aqueles cujos direitos foram garantidos pelo Estado depois da era militar terão esses mesmos direitos cortados. E haverá ameaças: ameaça no campo, ameaça urbana, uma situação de vigilância e intimidação em todas as instituições. Isso provocará reação, uma resposta social enorme. É um risco que o PSDB não quer correr porque ele não tem condição de conter essas reações; e esse risco também não interessa ao PMDB, porque o partido está dividido. Então, no fim das contas, as forças que poderiam produzir um golpe não têm mais interesse que ele aconteça, porque a convulsão que ele vai provocar, à direita e à esquerda, não pode ser controlada nem pelo PSDB e nem pelo PMDB. Eles não têm quadros e condições institucionais para controlar convulsões sociais.

 

CULT: E o que daria as condições de governabilidade nesse possível contexto?

Marilena: Se houver golpe, a prática será a pura intimidação e a violência. Aquilo que a gente viu com os Atos Institucionais. Um Ato Institucional poderia concretizar, por meio da polícia – já que o Exército não se misturará –, a intimidação e a violência.

 

CULT: Pensando na materialização da violência, que espaço resta ao diálogo nesse momento condicionado à truculência?

Marilena: Nenhum. Vamos tomar o caso de São Paulo como exemplo. Há uma coisa muito interessante: quase ninguém se dá conta de que o estado de São Paulo – o único estado realmente capitalista no Brasil, já que os outros são semicapitalistas – é governado desde o final dos anos 1980 por um único partido político. Economicamente, São Paulo é um estado capitalista, mas politicamente é uma capitania hereditária. Parece haver um contrassenso entre o conservadorismo político e o desenvolvimento econômico. Mas é só na aparência que isso é contraditório, porque o conservadorismo político é a base de sustentação desse tipo de desenvolvimento capitalista. Vejam o que acontece com o governador. Há o problema da água, da luz, das escolas, da saúde – escândalos –, mas nada gruda no Geraldo Alckmin. Escorre. Isso acontece porque ele representa o tipo de poder político do estado de São Paulo: forte e autoritário. A juventude sai às ruas e faz uma manifestação? Polícia nos jovens, bate neles! O pessoal do transporte sai para se manifestar? Polícia neles, bate neles! Isso é referendado pela sociedade paulista, não só a paulistana, que está de acordo e espera que isso seja feito. Esperaríamos uma reação profunda, mas não é o que acontece. Eu me lembro de ter visto pela televisão estudantes algemados durante a ocupação das escolas. Eu disse, "Meu Deus, não se algema estudante!". Eles não só foram algemados, como isso foi dado pela mídia como algo natural; e pela sociedade, como uma coisa necessária.

Então nós temos a consagração, da maneira menos retórica possível, da violência estrutural da sociedade brasileira. Não uma violência pontual, de modo que possamos falar em "ondas de violência". Não. Há uma violência estruturante. É a estruturação violenta de uma sociedade hierárquica, vertical, oligárquica, conservadora, que defende os privilégios contra qualquer forma de direitos; é a mesma que dá a sustentação ideológica e política para a manifestação da violência governamental. Essa violência governamental é a expressão da violência não só paulista e paulistana, mas brasileira, e é ela que legitima essas ações. Se consideramos todo o ideário da burguesia e da alta classe média brasileira, vemos que qualquer contestação, qualquer revolta é uma "crise". A noção de crise está identificada por essa classe com a ideia de desordem e perigo. Ora, diante da desordem e do perigo, o que é que se pede? Repressão. Cada vez que há uma luta por direitos contra privilégios, essa luta é vista como violenta e precisa ser reprimida. Há, portanto, uma inversão ideológica fantástica no Brasil: a violência é vista como ordem.

 

CULT: A senhora ainda acredita na desobediência civil?

Marilena: Eu acho necessária! Outro dia um colega me disse: "Marilena, você tem que levar em conta que a juventude que tinha 13, 14 anos em 2000 só conhece o PT como governo, não conhece a história do PT como movimento social e sindical, como presença contestadora e de desobediência civil no interior da ordem brasileira". Isso quer dizer que a figura do PT se apagou e sobrou somente esse pedaço, esse triste pedaço que é o PT no aparelho de Estado.

Seria preciso lembrar, por exemplo, a criação do CEDEC [Centro de Estudos de Cultura Contemporânea]. Existia no Brasil o CEBRAP [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento], que era dirigido pelo Fernando Henrique Cardoso. O Francisco Weffort, em 1976, disse que o CEBRAP era muito economicista e que precisávamos de um centro que pensasse as questões políticas e sociais. Reunimo-nos, então, o Francisco Weffort, o José Guilhon de Albuquerque, o José Álvaro Moisés, o Lúcio Kowarick e eu, criamos o CEDEC. A Sociologia, a Ciência Política e a História explicavam (e ainda explicam) o Brasil sempre a partir do aparelho de Estado. A História do Brasil era contada como história das mudanças no aparelho de Estado e das decisões tomadas pelo Estado. O Estado aparecia como o sujeito histórico, político e econômico, como se não existisse uma sociedade nem uma luta de classes. O CEDEC propôs inverter esse processo e lembrar que a sociedade brasileira existe, com os movimentos sociais e populares. Era o momento em que surgia o Movimento dos Sem Terra, o movimento feminista, o movimento sindical. Os movimentos começavam a se organizar; os sindicatos criam as comissões de fábrica no ABC e fazem as greves. É desse momento histórico que nasce o PT. Nós surgimos da ideia de que a história do Brasil e a sociedade brasileira não são feitas pelo aparelho de Estado e de que o Estado não é o sujeito social. Existe a luta de classes e é no interior do conflito que se criam as bases da democracia. O PT se originou, então, de atos de desobediência civil. Mas isso os jovens não sabem, porque eles só conhecem o PT como um partido institucionalmente posto, envolvido nas questões do Estado e governamentais, como se isso desse conta de toda a história do PT.

É isso que permite entender também por que jovens de esquerda querem outras opções, em vez de ligar-se ao PT. Proliferam os pequenos partidos de esquerda porque toda a história social e política ficou encolhida nesses últimos quinze anos. Isso também explica o quanto nós do PT ficamos despreparados na hora em que surgiu o atual golpe. Imagine o PT do qual eu venho, o PT dos anos 1980 e 1990… Ele não teria aceitado minimamente aquilo que iria desencadear o golpe. Ele nem permitiria que isso sequer aflorasse. Muito do que estamos vendo em termos de pauta conservadora na política está ligado ao encolhimento de tudo aquilo que representa uma pauta de esquerda.

 

CULT: A esquerda tornou-se obediente?

Marilena: Sim, claro. O PT ficou desarmado no momento em que teria de tomar uma posição pública e esclarecer as coisas. Agora, de um lado temos o Eduardo Cunha, com as igrejas evangélicas, e, do outro, o Alckmin, com a Opus Dei. É demais da conta! Eu venho de uma tradição em que a grande aliança era sustentada pela Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base. Ver os cristãos perdidos entre os evangélicos e a Opus Dei é demais; é insuportável para a minha cabeça porque eu vi a outra experiência que o cristianismo é capaz de ter e que teve na América Latina inteira.

 

CULT: A senhora interpreta a frase "Meu partido é meu país", comum nas manifestações de 2013, como a manifestação de um desejo de algo novo ou como uma frase conservadora?

Marilena: "Meu partido é meu país" é uma frase nazista. Ela nasceu na luta contra a social-democracia, sobretudo quando o nazismo se opõe à República de Weimar e leva a pensar que os partidos políticos roubam ou tomam para si as ações políticas que caberiam exclusivamente ao governante. O governante aparece, então, como o chefe. É dele que deve emanar, transcendentemente, toda a decisão política. Desse ponto de vista, se os partidos políticos usurpam uma função que não é deles, é preciso eliminá-los. Daí a ideia de que "meu partido é meu país".

 

CULT: Falando de encolhimento da pauta de esquerda, como a senhora interpreta a ação de setores do movimento estudantil que consideram os docentes como inimigos ou representantes do capital? É delicado tocar nesse ponto, porque não se trata de ser contra o movimento estudantil. Mas entender a universidade como espaço de tensão entre estudantes, servidores (técnicos) e docentes não é também uma forma de violência ou de exclusão de diferenças?

Marilena: Há algo que marca com força a história da política de esquerda no Brasil: é o fato de que, periodicamente, vindos da baixa classe média ou da classe média, há grupos que se apropriam do marxismo e do leninismo e se apresentam como revolucionários. Na verdade, o encolhimento do espaço público e de tudo o que ele representa alimenta pequenas formas privatizadas do pensamento de esquerda, dando origem a pequenos movimentos e pequenos partidos. Não vou nomear nenhum deles, mas estou apontando para a origem deles, a maneira pela qual eles privatizam um ideário. Isso significa, em primeiro lugar, fazer com que esse ideário não apareça como um ideário em expansão, mas como um ideário de exclusão. Esses partidos e movimentos se fecham sobre si mesmos, porque a condição de sobrevivência deles está na recusa de qualquer inclusão e de qualquer ampliação. Eles se mantêm pela sua pequeneza e pelo fato de que eles excluem tudo o que não se restrinja a uma pauta mínima produzida por eles mesmos. É uma mescla da vulgata marxista, da vulgata leninista e do stalinismo puro, simples e cru. É mais do que uma coisa reacionária, é uma vertente totalitária. E é por essa maneira totalitária, privatizada e excludente de se organizar que esses grupos encaram todo o restante como inimigo que precisa ser destruído. O outro não é inimigo por causa disso ou daquilo. Ele é inimigo porque simplesmente é outro. É a mesma lógica de Carl Schmitt, incorporada por grupos pretensamente de esquerda.

 

"Você conversa com alguém da direita e vê que ele é capaz de dizer quatro frases contraditórias e sem perceber as contradições. Você conversa com alguém da extrema esquerda e vê o totalitarismo que também opera com a ausência do pensamento. Então nós estamos ensanduichados entre duas maneiras de recusar o pensamento." / Foto: Bob Sousa

"Você conversa com alguém da direita e vê que ele é capaz de dizer quatro frases contraditórias e sem perceber as contradições. Você conversa com alguém da extrema esquerda e vê o totalitarismo que também opera com a ausência do pensamento. Então nós estamos ensanduichados entre duas maneiras de recusar o pensamento." / Foto Bob Sousa

 

CULT: A senhora sabe que um curso seu, de leitura rigorosa da Ética de Espinosa, seria hoje considerado, em alguns contextos, como um trabalho burguês, não sabe?

Marilena: Eu sei!

 

CULT: Então, por que a cultura erudita ou o pensamento é associada por alguns movimentos a uma prática burguesa?

Marilena: O pensamento é associado à prática burguesa porque esses movimentos operam pela ausência de pensamento. Estamos em uma situação aterradora: do lado da direita e da esquerda há ausência de pensamento. Você conversa com alguém da direita e vê que ele é capaz de dizer quatro frases contraditórias e sem perceber as contradições. Você conversa com alguém da extrema esquerda e vê o totalitarismo que também opera com a ausência do pensamento. Então nós estamos ensanduichados entre duas maneiras de recusar o pensamento. Lá onde o pensamento estiver se exercendo, ele receberá mil e um nomes, e como para esse pessoal de esquerda xingar é chamar de burguês, eles tratam a cultura erudita como coisa de burguês. Mas se você perguntar o que é a burguesia e o que é o capital, se pedir uma explicação, verá que eles não sabem muita coisa; apenas repetem um chavão. Nesses grupos há uma coisa muito parecida com o que acontece nas igrejas evangélicas: uma teologia e uma lavagem cerebral. É um esvaziamento de qualquer capacidade de pensamento. Não é por acaso que dos dois lados o exercício da violência é igual, e vai da violência verbal à física, à exigência de sangue. Quando o João Grandino Rodas foi reitor da USP e houve a segunda ocupação da reitoria, nós, professores, fomos negociar com os alunos e com a própria reitoria, e os alunos finalmente aceitaram desocupar. Veio então um membro desses pequenos partidos de esquerda e disse: "Ninguém sai; nós queremos ver sangue". Por que ele queria ver sangue? Porque ele achava que ganharia poder pela destruição física do outro – uma destruição que não é nem política, nem social.

 

CULT: Há um encolhimento da capacidade humana de refletir e fazer escolhas ponderadas? Tanto do lado da polícia como do de certos grupos de esquerda…

Marilena: Eu entendo isso com Espinosa. O que há nos seres humanos? Há paixões. A maneira como entendemos o mundo, a nós mesmos e aos outros é dada pela maneira como o mundo e os outros nos afetam. Eles causam em nós a sensação de perigo ou de aumento da nossa capacidade de viver. Se tudo o que se passa em mim é produzido pela maneira como o que está fora age sobre mim, eu sou passiva e todos os meus sentimentos são apenas paixões: o amor, a esperança, o ciúme, a misericórdia, a honra, a glória etc. O que eu sinto é pura e simplesmente uma reação passiva ao que vem de fora.

Ao contrário, se eu tenho força interior para saber que eu posso ser a causa dos meus sentimentos e, que se sinto raiva de você, não é por sua causa, mas por aquilo que eu sinto com relação ao que eu penso a seu respeito, então me vejo como a causa da raiva que sinto por você, em função do modo como eu penso em você ou percebo você. A partir do momento em que eu sou capaz de me reconhecer como causa dos meus sentimentos, eu sou ativa e descubro que não tenho de responsabilizar os outros por aquilo que se passa em mim. Se eu for passiva, nunca serei livre; tudo o que eu fizer será determinado pelo que os outros exigem de mim; e, mesmo que eles não façam nenhuma exigência, eu sinto como uma exigência. Então só obedeço ao que eu imagino que seja o desejo do outro. Ao contrário, se é o meu desejo que determina o que eu vou fazer e como vou fazer, eu sou livre.

Dessa perspectiva, o que é a violência? É aquilo que se passa inteiramente no campo das paixões, porque é lá que os desejos entram em conflito. Se eu me entregar a elas, faço o meu desejo valer destruindo o desejo do outro; e o outro faz a mesma coisa: ele acha que, para existir, deve dobrar o meu desejo, deve se apropriar de mim e me dominar física e psicologicamente, pela manipulação dos desejos e sentimentos, pela ideologia, por um série de manipulações sociais, amorosas etc. Pense no caso da violência policial: é a força física pura e simples. Um policial não é capaz de tomar uma decisão em que ele enfrentaria uma ordem recebida, dizendo, por exemplo: "Puxa vida, um filho meu poderia estar entre os manifestantes…". Mas isso não acontece só porque ele recebeu uma ordem. É porque essa ordem constitui o modo como ele é, pensa e opera. Ele encarna essa ordem, é o portador dela e opera em um contexto de pura paixão. Essa é uma análise puramente psicológica. É preciso pensar também em termos sociais: o policial encarna a repressão; ele a realiza em nome da ordem, da paz e da segurança. Psicologicamente, ele não é capaz de deliberar sobre como poderia agir diante de manifestantes que gritam por direitos e denunciam privilégios, porque ele é, naquele instante, pura paixão. Social e institucionalmente, ele só existe como policial porque recebe, cumpre ou dá uma ordem. A polícia existe, então, como instituição social garantidora de determinados privilégios de classe. Trata-se do embate entre o direito e o privilégio. Esse embate se realiza, na sociedade brasileira, por meio da violência.

 

CULT: A senhora diria que o movimento de ocupação das escolas foi um bom uso político das paixões?

Marilena: Um excelente uso…

 

CULT:  E que diferença a senhora vê entre esse movimento e o das  ruas de 2013?

Marilena: Em 2013, o movimento foi algo inesperado. Pouco antes das manifestações, eu estava dando um seminário na faculdade e ouvi um tambor pelos corredores. Me falaram: "É o movimento do Passe Livre, que está convocando uma reunião". Havia só uns 30, 40 gatos pingados. Até que eles puseram nas redes sociais e aconteceu aquela movimentação toda. Mas na primeira manifestação tinha de tudo. Era um evento com a motivação mais diversa possível. Não estou dizendo que era um movimento totalmente despolitizado, mas que tinha um pequeno conteúdo determinado pelo grupo do Passe Livre, ao qual se juntaram outras formas de descontentamento. Foi estarrecedor ver que, na segunda manifestação, quando a juventude começou a comemorar, levando bandeiras do PT, do PSTU, do PSol, do movimento dos sem teto, apareceram jovens embrulhados na bandeira do Brasil, atacando, espancando e ensaguentando os manifestantes de esquerda. Assim, em lugar do conflito democrático, passou-se ao combate violento e à agressão ao adversário. Mas algo curioso aconteceu: construiu-se um sentido político para toda aquela movimentação. A própria mídia, que falava dos "vândalos" das primeiras manifestações, depois passou a falar de "manifestantes". Houve uma construção política de uma manifestação que não existiu realmente como algo político. Ninguém prestou atenção nisso! Eu procurei falar do assunto e fui violentamente agredida, mesmo pela esquerda. Disseram que eu não tinha entendido o momento histórico. Mas fizeram mais: pegaram a afirmação que eu fiz sobre o caráter fascista dos jovens vestidos com a bandeira e disseram que eu havia considerado todas as manifestações como fascistas. Na época das eleições, o Fernando Gabeira chegou a escrever um artigo de uma página inteira no jornal O Globo contra mim, afirmando que, na minha opinião, a presença do povo na rua era fascismo. O que eu tinha dito era: houve um momento fascista nessas manifestações e ninguém está prestando atenção nisso. Aí, quando começaram os panelaços de 2015, ficou evidente o que eu queria dizer. O que veio a seguir? Veio a demanda de retorno da ditadura, a presença da TFP [Grupo de extrema direita intitulado Tradição, Família e Propriedade] e a afirmação da pauta conservadora dos 3Bs.

 

CULT: Na verdade, em 2013, a senhora previu, em entrevista à CULT, que no Brasil iriam acontecer panelaços parecidos com os da Argentina.

Marilena: Fui a única. Eu não sei por que as pessoas – algumas delas inclusive feridas por 1964 e 1968 muito mais do que eu, como o próprio Gabeira – não se deram conta do que estava vindo. Não sei se eu conseguia ver porque presto muita atenção no Brasil como uma sociedade violenta e autoritária… Não sei se é por isso, mas eu fiquei muito surpresa ao perceber que muita gente de esquerda não percebia o que estava se montando e que junho de 2013 não era maio de 1968. Maio de 1968 foi a ocupação das escolas agora. Isso foi maio de 68.

 

CULT: Por quê?

Marilena: Porque, no caso da ocupação das escolas, há, em primeiro lugar, um movimento de inclusão e ampliação. A marca dos movimentos realmente libertadores é sempre a inclusão e a ampliação. Em segundo lugar, pelo fato de que ele foi se dando à maneira do que, no meu tempo, se conhecia como "greve pipoca". Em uma fábrica, por exemplo, às seis horas da manhã, um setor para por 40 minutos. Durante o tempo em que ele parou, outros três ou quatro setores não conseguiram funcionar. Então, aquele primeiro setor volta a funcionar, mas, daí, em outra ponta, outro setor para por 40 minutos. Tudo o que está em volta não funciona. Assim, sobretudo quando a greve era proibida, ia pipocando paralisação, de modo que as instituições (uma fábrica, uma escola etc.), mesmo sem parar, ficavam inteirinhas paralisadas. Nos lugares estratégicos pipocava a paralisação. Foi assim que a ocupação das escolas seguiu o princípio da greve pipoca. Quando os administradores da educação achavam que iam resolver a ocupação de uma escola, começava na outra; quando eles iam resolver nessa outra, começava em outra. Ou seja, ela foi pipocando até o instante em que parou tudo.

Além disso, a maior diferença entre a ocupação das escolas e o movimento de 2013 é que a paralisação aconteceu no interior de uma instituição pública e social para a garantia do caráter público dessa instituição. Não foi um evento em favor disso ou daquilo; foi uma ação coletiva de afirmação de princípios políticos e sociais. Os dois grandes princípios foram, primeiro, o princípio republicano da educação – a educação é pública; segundo, o princípio democrático da educação – a educação é um direito. A ação dos estudantes e professores foi tão significativa porque eles disseram: "O espaço da escola é nosso. Somos nós, alunos e professores, que somos a escola". Então, foi a "integração de posse" das escolas pelos alunos e professores. É gigantesco o fato de alguém no Brasil pensar que algo público é nosso! É diferente das ocupações de reitorias, em que os estudantes dizem: "Nós somos contra isso que o reitor fez…" Agora, os estudantes disseram: "Esse lugar, essa instituição é pública; ela é nossa e não vamos sair daqui". Eles se posicionaram contra algo típico do neoliberalismo – posto em prática, sob certos aspectos, no decorrer da Ditadura e, depois, explicitamente nos governos Fernando Henrique Cardoso: a ideia de que um direito social e político é aquilo que pode ser transformado em serviço e comprado no mercado. As pessoas falam das privatizações como se elas fossem apenas a da Vale e das grandes empresas… É isso também, mas o núcleo da privatização está em outro lugar, está na transformação de um direito social em serviço que se compra e vende no mercado. Isso foi feito com a educação, com a saúde, com o transporte, com todos os direitos sociais. E, em São Paulo, com grandes baterias, isso foi feito. Os estudantes mostraram que a escola pública não é mercadoria; fizeram uma ação republicana e democrática de um alcance incrível. Eu só vi algo parecido, em termos de configuração social no Brasil, nas greves de 1978 e 1979 no ABC. Por quê? Não pela repercussão, mas pelo sentido que elas tiveram.

Pensem no fato de que, durante as ocupações, só foram chamados para dar entrevistas cientistas políticos, sociólogos, historiadores, mas nenhum professor ou estudante das escolas ocupadas! Nenhum professor ou estudante foi considerado capaz de explicar o que se passava. Só se ouviu gente que estava fora das salas de aula e que vinha explicar falando disparates. Quando a mídia entrevistava algum estudante, só perguntava coisas do tipo: "O que você sente? Do que você gosta e não gosta? O que você quer?". Ou seja, ficava no nível puro e simples do sentimento, não do pensamento. Apesar disso, a palavra deles chegou à sociedade por outras vias; e isso mostra o tamanho da ação que eles realizaram. Houve uma solidariedade que há muitos e muitos anos não se via no estado de São Paulo inteiro. Por fim, as ocupações deixaram claro o motivo de fechar as escolas. Em um país como o nosso, não se fecha escola; se abre. Mas o governador de São Paulo queria os terrenos para uma exploração imobiliária gigantesca. E para fazer o quê? Para fazer fundo de campanha. É claro que agora o Geraldo Alckmin vai tentar fragmentar tudo e implantar devagarzinho o seu projeto. Hoje essa escola, amanhã aquela. Não sei se ele vai conseguir, mas vai tentar. Como o Ensino Fundamental é praticamente todo municipal, o Ensino Médio é estadual e, de um modo geral, o Ensino Universitário é responsabilidade federal, essas instâncias operam de modo fragmentado; e isso permite tentativas de reestruturação como as de São Paulo e de Goiás. De todo modo, os estudantes revelaram que a ideia de fechar uma escola não significava fechar uma escola, significava vender um terreno. Portanto, eles denunciaram o caráter corrupto da suposta política de reestruturação escolar.

 

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"A ação dos estudantes e professores foi tão significativa porque eles disseram: 'O espaço da escola é nosso. Somos nós, alunos e professores, que somos a escola'. " / Foto Bob Sousa

 

CULT: Como a senhora vê o atual momento da economia brasileira?

Marilena: No primeiro ministério montado pela presidente Dilma, enfatizou-se, por um lado, a crise internacional em que o elemento financeiro é decisivo, e, por outro, o fato de haver, no Brasil, uma disputa entre a indústria, o comércio e o setor agrário. A Dilma pôs representantes desses setores no governo e deu a eles a responsabilidade de resolver o conflito. Um banqueiro junto com o agronegócio. Eles não resolveram. Não sei se a presidente foi maquiaveliana, mas ela parecia prever que eles fracassariam e que o fracasso mostraria para onde o barco deve ir. Então, o que ela está fazendo agora? Ao chamar o principal assessor do Guido Mantega, ela sinaliza claramente que vai retomar a política de desenvolvimento e crescimento econômico, a começar pelo aumento do salário mínimo.

É claro que há uma crise internacional gigantesca e que vai pegar os membros do BRIC. Já pegou a China, está pegando a Índia; a situação vai complicar. Mas, de todo modo, a opção agora é a do desenvolvimento. Sem desenvolvimento e crescimento não se faz, efetivamente, a política dos programas sociais. Se não há mudança no mercado de trabalho com aumento do emprego e da escolaridade, a manutenção dos programas sociais vira assistência.

 

CULT: Como a senhora entende a crítica da classe média alta e de alguns economistas que afirmam ser o Brasil um país protecionista e que faz pouco investimento?  

Marilena: O grito contra o protecionismo é o grito da direita. São os republicanos nos EUA, o Le Pen na França, o pessoal da Alemanha. O que eles entendem por fim do protecionismo? Um "liberou geral", um capitalismo "adulto". A ideia de que o Estado intervenha é o que eles chamam de protecionismo. Mas se o Estado não limitar a ação do capital, cai-se na barbárie. Com relação ao investimento, a gente sabe que o Estado brasileiro investe. Há dados inacreditáveis. Na verdade, não são inacreditáveis se conhecermos bem a burguesia brasileira. Vejam: o BNDES liberou todos os recursos possíveis para os empresários brasileiros, mas eles não investiram; eles puseram tudo nos bancos, nas ilhas Cayman, em Miami, onde quiseram. Em vez de investir no país, o dinheiro do BNDES foi parar no setor financeiro fora do Brasil. E daí se diz que o país não investe! Eu adoro a burguesia brasileira. Quando ela disse "quero café", foi ótimo. No mundo inteiro, quem vai plantar café constrói estrada de ferro para levar o café até os pontos de distribuição. Aqui no Brasil, porém, é o Estado que tem de construir estradas de ferro. A burguesia só plantava o café. Se ela precisa de porto, no mundo inteiro ela constrói portos. Aqui não. É o Estado que tem de construir o porto para a burguesia mandar o café. A burguesia quer industrializar, mas é o Estado que tem de fornecer eletricidade. A burguesia brasileira mama nas tetas do Estado desde que ela nasceu. E tem a ousadia de se colocar contra os programas sociais, quando ela depena o Estado sistematicamente.

 

CULT: Recentemente, a senhora afirmou que o Bolsa Família fez pelas mulheres o que seis décadas de feminismo no mundo não conseguiu…

Marilena: Esses dados estão consagrados em um livro feito pela Walquíria Leão Rego sobre o Bolsa Família (Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania, em coautoria com Alessandro Pinzani, Editora da UNESP). O que ela mostrou? Primeira coisa: como o dinheiro vai para as mulheres, elas foram transformadas em chefes de família. Na tradição brasileira, o dinheiro costuma ir para o homem, e só uma parte vai para a família; a outra parte vai para os gastos pessoais dele. Com o Bolsa Família, quebra-se o monopólio masculino sobre a administração da casa. Em segundo lugar, as mulheres passaram a cuidar mais de si mesmas. Juntando o dinheiro do Bolsa Família com os serviços do SUS, por exemplo, elas fizeram diminuir o número de doenças femininas. Finalmente, elas têm participado mais de atividades públicas, filiaram-se a movimentos sociais e criaram cooperativas. Há uma quantidade enorme de cooperativas criadas pelas mulheres com o que sobra do uso do dinheiro do Bolsa Família.

 

CULT: Qual seria o papel do Estado na promoção da igualdade e dos direitos das mulheres?

Marilena: A função do Estado não é a de promover. Ele tem de reconhecer os direitos das mulheres e decretá-los. Sua função é consignar na lei, institucionalmente, aquilo que os movimentos das mulheres exigem e produzem, mas essa ação é social. A política se faz pela sociedade. O Estado brasileiro precisa parar de agir como se não houvesse uma sociedade. A ele cabe salvaguardar tudo o que há de republicano e democrático nas ações políticas da própria sociedade. Mais do que promover, o Estado tem de garantir.

 

Juvenal Savian Filho é professor de História da Filosofia da UNIFESP
Laís Modelli é repórter da revista CULT


http://revistacult.uol.com.br/home/2016/02/sociedade-brasileira-violencia-e-autoritarismo-por-todos-os-lados/

Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz