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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

29.9.16

JESSÉ SOUZA: “LAVA JATO DESTRUIU AS BASES DO DIREITO BRASILEIRO”

247 - O sociólogo Jessé Souza, autor do livro "A Radiografia do Golpe", que acaba de ser publicado, descreve um dos fatores que culiminou no afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República: "a elite econômica – com seus dois braços, o Congresso comprado e a grande imprensa sócia da rapina – criou uma base social conservadora junto à fração da alta classe média".

"A outra novidade foi a cooptação da fração corporativa do aparato jurídico-policial do Estado. Uma casta com altos salários e vantagens que fogem da transparência, e se acredita acima da sociedade, adorou posar de guardiã da moralidade, aumentando seus privilégios e colonizando a agenda do Estado no sentido da restrição dos direitos individuais para aumentar ainda mais seu próprio poder", acrescenta.

Em entrevista ao colunista da Folha Marcelo Coelho, ele também faz duras críticas à Lava Jato: "A crença na Lava Jato como instância purificadora de nossa realidade é a maior fraude de todo esse processo que vivemos. Fraude construída por manipulação midiática".

Ele destaca que "escolheu-se dar toda a ênfase à narrativa do PT como 'organização criminosa' como se a corrupção política a serviço do mercado não fosse sistêmica e não abrangesse todos os partidos e todos os níveis da administração. Aliado a isso o 'timing' da operação e seus vazamentos ilegais se casou perfeitamente com o golpe parlamentar lhe dando narrativa e justificação".

Segundo ele, "não se constrói nenhuma realidade jurídica nova minando as bases do direito que são as garantias individuais e o processo legal formal".

Leia aqui a íntegra.


http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/257586/Jess%C3%A9-Souza-%E2%80%9CLava-Jato-destruiu-as-bases-do-direito-brasileiro%E2%80%9D.htm




'Perdemos a ideia de nação'

20/09/2016 13:53 - Copyleft

'Perdemos a ideia de nação'

Luiz Carlos Bresser-Pereira mostra que o ódio da classe média às medidas para diminuir as desigualdades, somadas a erros do governo, levaram ao impeachment


Maurício Puls - Revista Brasileiros
reprodução

Coautor de um recém-lançado livro em que sistematiza a teoria do novo desenvolvimentismo, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira sustenta que a crise atual decorre de uma política econômica equivocada, baseada na conjugação de altas taxas de juros com o câmbio valorizado. Isso beneficia os investidores estrangeiros, os financistas e a classe média, mas deprime a taxa de lucro e os investimentos, e condena o Brasil ao baixo crescimento.

 

Para superar a estagnação, Bresser propõe a adoção de medidas para que o País desvalorize o câmbio e volte a exportar manufaturados. Isso aumentaria a taxa de lucro das empresas, estimularia os investimentos e, a médio prazo, promoveria o desenvolvimento nacional.

 

Para Bresser, o impeachment foi articulado por essa coalizão rentista, que se rebelou contra as iniciativas adotadas pelo governo Dilma Rousseff de tentar reduzir os juros e desvalorizar a taxa de câmbio. Essa política gerou uma reação emocional que ele nunca tinha visto antes: em 1964, a classe média apoiou os militares por medo do comunismo; agora, aderiu ao golpe por ódio à redução das desigualdades sociais. Mas o PT, diz ele, também contribuiu para a crise: os erros na condução da política econômica e a falta de habilidade política da administração petista fragilizaram o governo num momento em que o PSDB passou a pedir o impeachment.

 

A partir daí, o PMDB de Eduardo Cunha e Michel Temer vislumbrou a possibilidade de assumir o poder. O partido adotou um discurso neoliberal para obter o apoio da elite, mas, segundo Bresser, não vai cumprir o que prometeu, por não ter apoio suficiente no Congresso e por não estar convicto das maravilhas do neoliberalismo. A economia deve se recuperar, mas muito lentamente, porque o governo insiste em manter a mesma política econômica. Após o golpe, a coalizão que derrubou o PT deve se desfazer, mas ainda é cedo para fazer previsões para 2018.





 

A crise atual, de acordo com o ex-ministro, tem suas raízes na alta preferência da população pelo consumo imediato e na perda da ideia de nação, que se acelerou na década de 1990. Esses traços legitimam uma taxa de câmbio apreciada, pois todos, da direita à esquerda, querem o dólar barato e desprezam a importância do Estado na promoção dos investimentos.

 

"Macroeconomia Desenvolvimentista" expõe as medidas para que o País volte a crescer. O problema reside em saber quem poderia levar a cabo um programa que contraria os interesses da coalizão rentista que tomou de assalto o poder. Bresser deposita suas esperanças em Ciro Gomes, do PDT: "Eu vejo uma esperança em Ciro Gomes. Ele amadureceu muito".

 

Brasileiros – O senhor está lançando um livro?

 

Luiz Carlos Bresser-Pereira – Sim, se chama Macroeconomia Desenvolvimentista. Foi escrito por mim, Nelson Marconi e José Luis Oreiro (UFRJ). É uma tese que venho desenvolvendo desde 2001. A partir de então, venho tratando sistematicamente, de um ponto de vista macroeconômico, a taxa de câmbio e a taxa de juros a partir da percepção de que, no Brasil, a taxa de juros era muito alta e a taxa de câmbio, muito frequentemente apreciada, e não havia nenhuma teoria sobre isso. Confesso que não achei uma boa teoria econômica para explicar por que a taxa de juros é tão escandalosamente alta no Brasil. A única explicação que faz sentido é que essa taxa é alta devido ao poder político que os capitalistas rentistas, incluindo uma ampla classe média que se beneficia desses juros altos, têm no Brasil.

 

Agora, em relação à taxa de câmbio, há um vazio na teoria econômica. O câmbio é um preço. A verdade é que existem cinco preços macroeconômicos: a taxa de lucro, que motiva os empresários a investir; a taxa de juros, que é o preço do capital; a taxa de câmbio, que é preço da moeda estrangeira; a taxa de salários, que é o preço da força de trabalho; e a taxa de inflação, que é a variação do preço de todas as coisas. Você só tem equilíbrio macroeconômico e condições para crescer com estabilidade e com distribuição de renda se esses cinco preços estiverem no seu lugar. O mercado não tem condição de manter certos esses preços. E é por isso que vivemos de crise em crise, porque esses preços não ficam no lugar. E o preço que mais sai fora do lugar em países em desenvolvimento é a taxa de câmbio.
Nesses países, há uma tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio. Entre 2007 e 2014, a taxa de câmbio no Brasil permaneceu em torno de R$ 2,50 por dólar a preços de hoje, enquanto a taxa de câmbio que torna as boas empresas nacionais competitivas é de R$ 3,90. Essa diferença de R$ 2,50 para R$ 3,90 é uma apreciação brutal. Uma desvantagem enorme. Qual é o papel do Estado no plano econômico? Ele precisa garantir as condições gerais para o investimento privado, que deve ser 80% do investimento total. Então, preciso estimular o investimento privado. Para isso preciso não apenas ter uma taxa de lucro satisfatória e uma taxa de juros baixa, mas também que a taxa de câmbio esteja no lugar. Porque se houver uma taxa de câmbio apreciada, a taxa de lucro dos empresários fica deprimida. Mas às vezes usa-se a taxa de câmbio apreciada para tentar controlar a inflação.

 


Como se está fazendo agora.

 

Como se está fazendo agora. Por que a taxa de câmbio tem essa tendência à sobreapreciação cíclica e crônica? São dois tipos de causa. Uma é estrutural, todos os países da América Latina têm: é a doença holandesa. Ela decorre do fato de que as nossas commodities agrícolas e minerais têm uma produtividade que permite que sejam exportadas a uma taxa de câmbio substancialmente mais apreciada do que a taxa de câmbio necessária para que as empresas industriais competentes se tornem competitivas. Isso é a doença holandesa. Vamos supor que no Brasil a taxa de câmbio de equilíbrio industrial seja de R$ 3,90. A doença holandesa traz a taxa de câmbio para R$ 3 porque são as commodities que definem essa taxa. Mas o que leva essa taxa de R$ 3 para R$ 2,50? A responsabilidade é de três políticas que os países em desenvolvimento adotam, com o apoio dos economistas heterodoxos populistas e dos economistas ortodoxos populistas, chefiados pelo FMI e pelo Banco Mundial. Eles propõem que o Brasil tenha um déficit em conta corrente porque propõem que o País cresça com "poupança externa". Você financia isso com investimento externo direto ou com empréstimos. No Brasil, 80% do financiamento do déficit em conta corrente é feito por investimento externo direto. Para os economistas de todas as correntes isso é o paraíso. Um equívoco completo. Eles acreditam que a poupança externa se somaria à poupança interna e você estaria investindo mais. Mas quando você aprecia o câmbio, desestimula o investimento. Em vez de somar-se a poupança interna, a poupança externa substitui a interna. Esses déficits, em vez de financiarem o investimento, financiam o consumo. O dinheiro que vem inclusive sob a forma de investimento externo direto financia o consumo no Brasil, na sua maior parte.

 

Veja o que aconteceu em 2014. Tivemos 4,6% de déficit em conta corrente, uma loucura. Investiu-se um pouco mais? Nada disso. O investimento estava lá embaixo. Foi tudo para o consumo. A primeira razão para que haja essa tendência à apreciação da taxa de câmbio é a política de crescimento com poupança externa. A segunda é o uso da taxa de câmbio para controlar a inflação, a chamada âncora cambial. É uma violência adotada por essa ortodoxia populista. Ao defenderem o crescimento com poupança externa e ao defenderem o uso da taxa de câmbio para controlar a inflação, eles estão sendo populistas cambiais. Dilma foi fortemente criticada por ter usado os preços da Petrobras para controlar a inflação. Isso foi visto como um escândalo. Também acho. Mas entre controlar a inflação segurando os preços da Petrobras e controlar a inflação segurando o câmbio, o segundo crime é muito mais grave que o primeiro. A terceira política habitual que aprecia o câmbio são as altas taxas de juros, porque elas atraem capitais. Eles dizem que esses juros ajudam a controlar a inflação, mas não entendo por que precisamos ter uma taxa de juros real de 6% enquanto outros países têm taxa de 1%. A grande maioria dos países ricos tem taxas de quase 1% real negativo para empréstimos de dez anos. Por que acontece isso? Uma taxa de juros alta interessa aos rentistas, que são muitos. Não só os muito ricos. Isso também interessa à classe média.

 

A classe média que aplica em fundos de investimento, em fundos de pensão?

 

Isso. E interessa também aos financistas, que ganham comissões administrando os recursos dos rentistas. E a quem interessa o câmbio apreciado? Exatamente às mesmas pessoas. Os rentistas querem uma taxa de juros real, e a inflação reduz o juro real. Para eles é bom que se use o câmbio para controlar a inflação. Agora, isso interessa profundamente também aos países mais ricos e poderosos que tentam nos controlar, que tentam ocupar nosso mercado interno. Uma taxa de câmbio apreciada permite a eles exportar mais para nós do que nós para eles. Quando digo que o Brasil deve ter uma taxa de câmbio que torne competitivas as nossas boas empresas, estou dizendo que o Brasil deveria ter como meta um pequeno superávit em conta corrente. Precisamos de uma taxa de câmbio de R$ 3,90. Não temos uma meta de inflação? Devemos ter também uma meta de câmbio. E essa meta deve ser de um pequeno superávit em conta corrente, coisa de 1% do PIB. Nesse caso, a nossa taxa de câmbio girará em torno da taxa que torna o nosso setor industrial competitivo.

 

Para isso, é preciso neutralizar a doença holandesa. Como? Por meio de uma retenção sobre o preço das exportações das commodities. Se a taxa de câmbio estiver em R$ 3 e eu preciso de R$ 3,90, coloco um imposto de R$ 0,90 sobre cada dólar exportado, por exemplo, de soja ou minério. Através do deslocamento da curva de oferta, a taxa de câmbio vai para R$ 3,90. O produtor de soja ou de minério não perde nada: ele iria receber R$ 3 com a taxa de câmbio mais baixa, pagou R$ 0,90 de retenção e recebeu de volta R$ 3,90 com a taxa de câmbio mais alta. O que ele iria receber antes recebe depois. 100%. Isso neutraliza a doença holandesa. O Brasil adotou esse caminho por 60 anos, de 1930 a 1990, com grande êxito. Mas ainda tem aquelas três políticas habituais que reduzem a taxa de câmbio de R$ 3 para apenas R$ 2,50. Tenho que rejeitar aquelas três políticas: não ter um déficit em conta corrente financiado por investimentos diretos, não usar a taxa de câmbio para controlar a inflação e pôr uma taxa de juros decente na economia.
 
Durante o governo Dilma, até 2012, houve uma tentativa de desvalorizar o câmbio e baixar os juros, e isso despertou uma oposição feroz da classe média, que aplica em fundos de investimento, em fundos de pensão, que quer o dólar barato para viajar para Miami.

 

Como se explica isso? No governo Lula-Meirelles a taxa de câmbio caiu de R$ 6 para R$ 2,20. Dilma recebeu de Lula uma missão impossível. Ela teria de desvalorizar o real em 50% para tornar a indústria competitiva. Ela não tinha poder para isso, não tinha apoio nem entre os empresários nem entre os trabalhadores. O que ela fez? A partir de 2011, baixou os juros e, em consequência, a taxa de câmbio depreciou. Mas depreciou 20%, e não 50%. Estava longe do necessário. Mas, quando você deprecia a moeda, precisa fazer ajuste fiscal. O capitalismo tem suas regras: depreciação precisa ser feita com ajuste fiscal. Como Dilma não fez isso, a inflação subiu um pouquinho, e o crescimento baixou para 1%. Então você tem um juro baixo deixando a classe média e os rentistas indignados. A inflação sobe um pouquinho sem haver nenhum crescimento. Surgiu espaço para uma oposição violenta. Ou seja, naquele momento começou a se romper o pacto político que Lula e Dilma tentaram fazer com os industriais.

 

Fazer um pacto desenvolvimentista como Getúlio fez, como Juscelino fez, como os militares conseguiram a partir de 1967. Esse pacto começou a se romper em 2012 porque, ao mesmo tempo que o crescimento era pequeno e a inflação subia, o lucro dos empresários caiu violentamente. Por quê? Temos de voltar ao final do governo FHC. Na época, a taxa de câmbio se desvalorizou até chegar a R$ 6. Os empresários voltaram a exportar. Depois o câmbio começou a apreciar, até chegar a R$ 2,20. Os industriais perderam o mercado exterior, mas, como tinha um boom de commodities e como Lula aumentou o salário mínimo, aumentou o crédito e criou o Bolsa Família, com tudo isso o mercado interno aumentou. Mas aquele mercado interno do Lula vazou para as importações. Quando chegou em 2011, o Brasil foi inundado por bens importados. E a taxa de lucro caiu, chegou em 2014 em apenas 4%. Devido à apreciação cambial, o lucro das empresas foi desaparecendo, mas elas continuaram se endividando. Em 2015, elas, que já tinham parado de investir em 2012, começaram a pagar dívidas, começaram um processo de desalavancagem, que é um sinal da crise: você não só não investe, mas também não compra. O maior erro da Dilma foi quando ela resolveu fazer as desonerações em 2013. Elas criaram uma crise fiscal e não estimularam o investimento.

 

Mas todo esse setor industrial tão afetado pelo endividamento, paradoxalmente, parece ter aderido em bloco ao discurso da coalizão que defendia o aumento dos juros.

 

Essa é uma discussão antiga sobre a burguesia nacional. Desde os anos 1960, defino a burguesia como uma burguesia nacional-dependente. A burguesia dos Estados Unidos ou da França, no século XIX, ou a burguesia dos países asiáticos, no século XX, usaram o Estado para defender seus interesses, para proteger seu parque industrial. A nossa é nacional-dependente. Isso é um oximoro, uma contradição interna. A dependência ideológica dos brasileiros é maior que a dos asiáticos. Quando você vai se desenvolver 200 anos depois da Inglaterra ou 100 anos depois da Alemanha, vê que os países desenvolvidos se tornaram democráticos, liberais, e escondem o seu nacionalismo de forma astuciosa. Continuam nacionalistas, mas não demonstram isso. E transformam o nacionalismo em palavra feia. Isso facilita nossa dependência ideológica. É fácil você se render. Em certos momentos os empresários brasileiros são nacionalistas. Entre os anos 1930 e 1980, com um pequeno intervalo nos anos 1960, eles foram nacionalistas. Com Lula, eles estavam ficando nacionalistas. Mas em 2012 a coisa degringolou e eles abandonaram o barco.

 

O senhor vê grandes diferenças entre o golpe de 1964 e o golpe deste ano?

 

As diferenças são grandes por que o golpe atual é um golpe dentro da democracia, por assim dizer. Você faz uma violência ao princípio democrático e impede um governante sem razões constitucionais e legais para isso. Mas mantém a democracia, não suspende os direitos. O regime sofreu um arranhão grave, mas continua democrático. Porque as duas características fundamentais da democracia ainda continuam. O conceito mínimo de democracia exige duas coisas: os direitos civis e o sufrágio universal. Essas duas coisas estão presentes. Mas foi um golpe, não para encerrar o princípio democrático, mas para derrubar um governo.

 

Mas os setores sociais que articularam os dois golpes são diferentes?

 

Não, são os mesmos setores. A grande diferença que vejo é que naquele momento havia um medo real do comunismo por parte da classe alta e da classe média. É evidente, para quem pensasse minimamente, que o João Goulart não era comunista. Mas havia Cuba, a revolução havia ocorrido recentemente, em 1959, e havia uma esquerda no mundo e na América Latina que estava apostando na revolução. Então a direita ficou com medo no mundo inteiro. Agora não existe o medo, mas apareceu uma coisa que não havia naquela época, que é o ódio.

 


Qual é o fundamento desse ódio?

 

Para mim, o fundamento desse ódio é um elitismo muito violento dos brasileiros, que vem ainda da escravidão, e especialmente da classe média. A classe média viu que tinha sido esquecida no governo Lula. Os muito ricos estavam ganhando muito dinheiro, e o governo tinha uma clara preferência pelos pobres. Eles viram que tinham ficado excluídos e viam a ascensão social desses pobres, que andavam de avião com eles, entravam nos shopping centers com eles, entravam nas universidades. Todos aqueles elementos que distinguiam essas pessoas dos escravos e seus descendentes. As elites brasileiras só admitem a ascensão isoladamente, muito individualmente. Mas uma coletiva é inaceitável. Há ainda outro fator. De repente apareceu o mensalão, um escândalo político grave exatamente no partido que estava promovendo essa política que as incomodava tanto. Então, o ódio teve um destino: virou um ódio ao PT e ao Lula, e a Dilma depois. Nunca tinha visto isso na minha vida. É muito grave. Porque a política só é viável numa democracia, porque a política é a arte de negociar e persuadir para governar. Fora da política, só resta a violência. Nas sociedades pré-capitalistas os problemas eram resolvidos assim: fora do palácio, eram resolvidos pela guerra; dentro do palácio eram resolvidos pelo assassinato. É só ver as tragédias. O ódio é próprio desse tipo de regime. Não da democracia. Na democracia há adversários, não inimigos. Quando você transforma o adversário em inimigo, as coisas ficam muito ruins. Lá se foi a tolerância.

 

O senhor foi um dos fundadores do PSDB. O partido, no início, não tinha esse radicalismo dos cabeças negras.

 

Todos nós éramos do PMDB até que foi criado o PT, em 1980. Eu não fui para o PT porque não queria fazer parte de um partido revolucionário. Não acreditava em revolução, sempre fui um social-democrata. Então, fiquei no PMDB. Mas o PMDB aqui em São Paulo se corrompeu, e a principal razão foi o Orestes Quércia. Então nós saímos e fomos para o PSDB. Aí surgiu a discussão sobre o que o partido devia ser, se ele devia ser um partido social-democrata. Franco Montoro era contra, mas ele foi derrotado. Só que o PT se transformou num partido socialista e nos empurrou para a direita. Aconteceu já na campanha do Fernando Henrique em 1994 quando, contra a minha vontade, fez o acordo com o PFL. Ele não precisava ter feito aquele acordo. No governo o PSDB se revelou um partido liberal-conservador. A questão do interesse nacional, isso o PSDB não tem a menor ideia do que seja.

 

E o governo Temer? Quando assumiu, houve promessas de cortes de gastos e privatizações. Depois aumentaram a meta do déficit para R$ 170 bilhões. Várias coisas anunciadas não foram implementadas, e foram concedidos reajustes salariais ao funcionalismo. O governo assumiu com uma retórica neoliberal, mas na prática não tem cumprido o que prometeu.

 

Pense assim: Dilma foi eleita em 2014 com o apoio dos pobres, mas sem nenhum apoio na sociedade civil: os ricos e bem educados votaram em massa no Aécio e na Marina, e depois no Aécio, que perdeu. Ele é a representação das nossas elites liberais-dependentes. E autoritárias. Foi Aécio quem propôs o impeachment de cara. E aí surgiu um segundo grupo, que demorou a se formar, que foi o grupo dos oportunistas, que agora tem o nome de centrão. É liderado pelo Eduardo Cunha, que se associou ao Temer, e perceberam que essa era a oportunidade deles. Mas para isso era preciso que tivessem um discurso tão liberal e dependente quanto aquele discurso que as elites e seus ideólogos estavam fazendo. Foi a forma de obterem o apoio daquelas elites. Agora, o governo Temer vai fazer aquelas políticas que ele prometeu? Não vai. Não vai porque não tem apoio suficiente, ele já disse que não governa sozinho, que o Parlamento faz parte do governo. Mas também não vai fazer porque não está convicto das maravilhas de uma política estritamente liberal. Temer é um constitucionalista, um homem do meio termo, equilibrado. Não é um típico liberal.

 

A coalizão que se formou contra o PT já começou a se fragmentar?

 

Não, só depois do impeachment é que isso vai se desmontar. Ela vai desmontar porque temos logo em seguida as eleições municipais. Aí o quadro político vai ficar mais claro. Para mim, Temer quer ficar na história como o presidente que superou uma crise brasileira. Ele não quer ficar como um golpista. Agora, ele só vai contar com o apoio do centrão, que é essa coisa meio informe. O centrão só vai assumir uma posição nas eleições presidenciais muito perto delas. Temer precisa administrar o centrão. A economia está começando a ter uma recuperação, mas é lenta.

 

Por quê?

 

Três problemas estão atrasando fortemente a nossa recuperação. Primeiro, a taxa de câmbio voltou a se apreciar, como prevê a minha teoria. Segundo, o forte endividamento das empresas. Isso exigiria que o Estado ampliasse fortemente o crédito para eles, para superar esse problema. Mas o Estado está imobilizado, eles não fazem nada. O Nelson Barbosa estava tentando encontrar soluções para o endividamento das empresas. Estava absolutamente certo. E o terceiro problema são os juros escandalosamente altos, que o Banco Central ainda não se dignou a baixar. Então esses três problemas estão sendo mal resolvidos. Mas vai haver uma modesta recuperação. Tenho uma tese cultural sobre a crise brasileira: uma alta preferência pelo consumo imediato da sociedade como um todo, do povo às elites, e a perda da ideia de nação, que começou a ocorrer nos anos 1980 e se acelerou na década seguinte. Essas duas coisas se somam. Vamos pensar a partir de 1994. Dada a alta preferência pelo consumo imediato, você quer câmbio apreciado, porque aumenta o consumo no curto prazo. No plano fiscal, o grande problema do investimento é estimular os empresários a investir. E precisamos que o Estado invista pelo menos 20% do total de investimentos. O Estado tem investido menos da metade disso. Por quê? Porque nem a direita nem a esquerda querem que o Estado invista. A direita não quer porque acha que o setor privado resolverá tudo. A infraestrutura foi abandonada no governo Fernando Collor e continuou abandonada no governo Fernando Henrique Cardoso.

 


E a esquerda?

 

A esquerda quer aumentar a receita tributária, sim, mas quer gastar tudo no social. Não quer gastar em outra coisa que não no social, porque quer distribuir renda. A diferença no orçamento público é que a direita não quer gastar dinheiro: quer cortar o orçamento público e continuar não investindo nada. E quer diminuir imposto. A esquerda não: quer manter e até elevar os impostos. Mas o que vier ela quer gastar no social. Não vai para investimento. E aí vem a perda da ideia de nação. A quem interessa o câmbio apreciado? Aos interesses estrangeiros, fundamentalmente. Eles ficam felicíssimos com a nossa preferência pelo consumo imediato. Isso atende plenamente à vontade deles de ocupar o nosso mercado. Essa preferência pelo consumo imediato significa populismo fiscal e populismo cambial: o Estado gastar mais do que arrecada irresponsavelmente e a nação gastar mais do que arrecada irresponsavelmente. E a perda da ideia de nação é fundamentalmente o populismo cambial. O populismo venceu amplamente no Brasil, tanto pela esquerda como pela direita. A diferença é que a esquerda gosta dos dois populismos, fiscal e cambial, e a direita não gosta do populismo fiscal.

 

O senhor vê uma esperança?

 

Se elegermos um líder competente, pode ser que ele consiga isso. Porque a sociedade está desesperada por alguma coisa. Está claro que o País está sem rumo. Vejo uma esperança em Ciro Gomes. Ele fez uma conferência duas semanas atrás e fiquei impressionado. Ele amadureceu muito. Sabe tudo sobre o Brasil, conhece muito economia, tem posições equilibradas. Pode ser um líder desse tipo. Vamos ver se ele consegue apoio para isso. Já na esquerda o candidato vai ser Lula. Só que Lula está sem discurso, seu discurso se esvaziou.

 

Cada governante cumpriu um papel histórico: FHC, inflação; e Lula, distribuição de renda?

 

Não, a inflação foi controlada pelo mais importante presidente que o País teve após a redemocratização: Itamar Franco, um homem modesto, não era uma sumidade jurídica nem econômica. Mas foi um político muito competente, sério, e tinha uma qualidade invejável: era um republicano. Ele estava atrás do que acreditava. Isso é importante porque o político precisa fazer concessões, mas precisa ter uma noção clara do que quer. Ele não entendia nada de economia, mas trocou quatro ministros até acertar.

 

Dilma é criticada por ter características semelhantes.

 

Não, mas o Itamar era um bom político. Ele sabia fazer compromissos. Ele tinha espírito republicano, mas era capaz de negociar. É uma arte muito difícil. Dilma infelizmente não estava à altura do cargo em que foi colocada. É uma mulher republicana, mas não é tão hábil como Itamar. E não é tão humilde, porque Itamar sabia que não sabia economia. E, se você não sabe, precisa confiar em quem sabe. Dilma não, ela ditava a política econômica.


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Os policiais do Carandiru não defendiam a sociedade, e sim seu direito de matar. Por José Nabuco

Os policiais do Carandiru não defendiam a sociedade, e sim seu direito de matar. Por José Nabuco



Carandiru

Carandiru

Este artigo está sendo republicado à luz da anulação do julgamento dos policiais envolvidos no Massacre do Carandiru.

 

A tropa entra em um pavilhão onde presos brigam entre si e onde não existe refém. Ao invés do batalhão de choque, normalmente usado nesses casos, na frente vai uma tropa de elite especializada em matar, a Rota. Os presos não reagem e se escondem em suas celas. Centenas de tiros são ouvidos e os policiais de fora comemoram.

90% dos disparos ocorrem para dentro das celas, pela abertura da porta. Uma cascata vermelha de água e sangue desce pelas escadas do pavilhão. 111 detentos são mortos e nenhum policial é ferido. O comandante da operação elege-se, anos depois, duas vezes deputado estadual, usando o 111 como número de sua candidatura. O então governador afirma que a ação foi legítima.

Não são raras as pessoas que afirmam que os policiais cumpriram o dever ao eliminar a vida dos presos que, afinal, "não eram santos". Eis a maior tragédia desse episódio: a complacência da sociedade.

No Judiciário e no Ministério Público, é possível encontrar quem defenda o massacre. A incrível demora do julgamento desse caso é algo que causa perplexidade. Uma certa aceitação do massacre pesou para isso. Não foi dada a prioridade que merecia um caso de tamanha magnitude. Não é possível, à luz do direito e dos valores elementares da democracia, justificar aquelas mortes. E os representantes do povo, reunidos na sala secreta, assim entenderam.

A única justificativa legal para um policial matar alguém é a legítima defesa, sua ou de outra pessoa. Fora dessa situação, estará configurado crime de homicídio. A alegação de que presos possuíam armas de fogo é uma farsa que subestima a inteligência de qualquer um. A briga se dava, como é comum nos presídios brasileiros, com o uso de facas e estiletes feitos por eles mesmos. E nenhum detido, por mais desvairado que fosse, enfrentaria a Rota, com policiais armados com metralhadora, esgrimindo estiletes artesanais.

Os relatos contam que as metralhadoras eram colocadas na janelinha da porta da cela e a rajada era disparada para dentro. Os peritos não encontraram sinais de tiros de dentro para fora. Os policiais, antes de deixarem o prédio, desfizeram o cenário, para atrapalhar a perícia e apresentaram fraudulentamente, como é usual nesses casos, velhos revólveres, na tentativa de atribuir aos presos a iniciativa do tiroteio. Há relatos de que detentos nus foram obrigados a amontoar cadáveres e, quando não restavam mais corpos, foram assassinados friamente.

Dentre os que tentaram justificar essa ação está o então governador Luiz Antônio Fleury Filho, que disse, em testemunho no júri, que a ordem seria legítima, pois "existiam pessoas que estavam matando umas as outras. A polícia não pode se omitir". Dos 111 mortos, apenas 9 foram assassinados com arma branca (facas ou estiletes), ou seja, por outros presos. Segundo a lógica fleuryana, 9 presos foram mortos por detentos e a PM matou mais 102 para que os outros não matassem. Talvez Fleury estivesse defendendo o monopólio da matança.

Não existe democracia que tenha alcançado a paz social através da violência policial. Um regime democrático pressupõe, sobretudo, a limitação do poder, por isso o policial tem limites em sua atuação. Não lhe cabe o papel de justiçar criminosos, a pretexto de defender a sociedade.

A expectativa, agora, é saber sobre a apelação interposta pelos condenados. Nesse caso, as possibilidades são duas: uma é a anulação do julgamento se houver vícios processuais, ou seja, se a forma do julgamento não tiver sido respeitada. A outra é a análise de provas pelo Tribunal de Justiça.

Os acusados, como já disse, não podem ser absolvidos, mas a lei permite eles sejam julgados novamente, se entender que a condenação foi "manifestamente contrária à prova dos autos". Isso só vale quando a decisão é despropositada, completamente absurda, o que não é o caso.

Do ponto de vista histórico, o ex-governador Fleury terá em sua biografia a marca indelével de ter sido o governador do massacre do Carandiru. Mas a verdade é que uma sociedade que justifica o massacre de mais de 100 pessoas pela polícia está clamando por atos de opressão do estado. Ao condenar os 23 policiais da Rota, os jurados estão fazendo uma reconciliação do país com os valores essenciais da democracia.

 http://www.diariodocentrodomundo.com.br/os-policiais-do-carandiru-nao-defendiam-a-sociedade-e-sim-seu-direito-de-matar-por-jose-nabuco/

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Sobre o Autor
José Nabuco Filho é mestre em Direito Penal pela Unimep, professor de Direito Penal da Universidade São Judas Tadeu e quarto-zagueiro clássico. Seu email: j.nabucofilho@gmail.com

Rio Grande do Sul lidera ranking de políticos investigados na Lava-Jato

 6/mar/2015, 22h44min

Rio Grande do Sul lidera ranking de políticos investigados na Lava-Jato

Luiz Carlos Heinze foi o deputado federal mais votado pelo eleitorado gaúcho, recebendo mais de 160 mil votos. (Foto: Agência Câmara)

Luiz Carlos Heinze, um dos políticos investigados na Operação Lava-Jato, foi o deputado federal mais votado pelo eleitorado gaúcho em 2014, recebendo mais de 160 mil votos. (Foto: Agência Câmara)

Marco Weissheimer

O Rio Grande do Sul lidera o ranking de políticos citados na Operação Lava-Jato, conforme lista divulgada na noite desta sexta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ao todo, seis políticos gaúchos foram citados, todos eles deputados federais do Partido Progressista (PP). Entre eles, Luiz Carlos Heinze, que foi o deputado federal mais votado no Estado nas eleições de 2014, recebendo mais de 160 mil votos. Heinze ficou notícia nacional ao aparecer em um vídeo de uma audiência pública no interior do Rio Grande do Sul dizendo que quilombolas, índios, gays e lésbicas são "tudo que não presta".

Os parlamentares gaúchos que colocaram o RS no topo do ranking da Lava Jato são:

José Otávio Germano
Luiz Carlos Heinze
Jerônimo Goergen
José Afonso Hamm
Renato Mölling
Vilson Covatti

O ranking de políticos investigados, por Estado, é o seguinte:

Rio Grande do Sul – 6
Alagoas, São Paulo e Pernambuco – 4 (cada)
Rio de Janeiro, Paraná e Maranhão – 3 (cada)
Minas Gerais, Goiás, Rondônia e Ceará – 2 (cada)
Paraíba, Piauí, Acre, Tocantins, Santa Catarina, Mato Grosso, Roraima, Mato Grosso do Sul – 1 (cada)

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz