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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

12.9.16

O custo e o fracasso da aventura golpista

INCAPACIDADE

O custo e o fracasso da aventura golpista

Vitorioso no Congresso e no Judiciário, o golpe, paradoxalmente, fracassou moralmente e também na opinião pública
por Aldo Fornazieri, no GGN publicado 12/09/2016 10:22
BETO BARATA/PR
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Não há nenhuma dignidade na traição de Temer: ela é abjeta e uma atitude típica dos covardes

Economistas sérios, que entendem de política, se é que existem, deveriam fazer o cálculo do custo da aventura golpista que derrubou a presidente Dilma. Antes de tudo, é verdade que existia uma crise econômica em curso desde antes de 2015 e que, em boa dose, os erros do governo, somados a problemas estruturais do país, a agravaram. Mas é inegável que a crise política, estimulada artificialmente pelo inconformismo da derrota por parte do PSDB e do resto da oposição, que se aliaram ao chantagista Eduardo Cunha, potencializaram a crise ao extremo, criando uma situação de ingovernabilidade, de retração ainda maior da economia e de cisão política da sociedade.

Ao dar aval ao impeachment, ao questionar a vitória de Dilma e ao se aliar à irresponsabilidade golpista de Cunha, o PSDB foi o principal avalista do golpe. Com esse aval, abriram-se as portas para as traições de Temer, do PMDB e do condomínio de partidos mercenários que estavam no poder. O quadro de ingovernabilidade foi se deteriorando pelos sucessivos erros do governo e pela paralisia e desmoralização do PT.

Não tivesse o PSDB dado aval ao golpe, as duas crises gêmeas – política e econômica – não teriam se agravado. Com as próprias políticas de Joaquim Levy, a economia poderia estar dando sinais de recuperação no início de 2016 se não tivesse sido golpeada pelo processo de construção do golpe. Assim, a aventura golpista custou bilhões de reais à economia, bilhões ao orçamento público e milhões de empregos. As elites econômicas e a grande mídia, que nunca se importaram de forma sincera e programática com o destino desditoso dos brasileiros, aderiram a essa aventura que continua custando caro ao povo brasileiro.

Vitorioso no Congresso e no Judiciário, o golpe, paradoxalmente, fracassou moralmente e também na opinião pública. Fracassou moralmente porque ele foi produto de uma farsa comandada por políticos cínicos e corruptos. A farsa, convalidada pelo Judiciário e pelo Ministério Público, consistiu em inculpar exclusivamente o PT pela corrupção, na crença de que a opinião pública é manipulável até o fim. Os sintomas do fracasso dessa farsa já se evidenciavam nas grandes manifestações, que eram contra o governo Dilma sim, mas eram também contra a corrupção em geral, incluindo o PMDB e o PSDB. Não por acaso, manifestantes expulsaram Aécio Neves e outros oposicionistas da Avenida Paulista, dizendo que eles também eram corruptos. Nem os partidos de oposição, nem o PMDB foram capazes de convocar qualquer ato pelo impeachment. Esconderam-se, vergonhosamente, por detrás de movimentos que eram epifenômenos de uma indignação justificável e de uma manipulação grotesca. O resultado do golpe político-jurídico foi um governo sem legitimidade das ruas em nome das quais o comitê de corruptos, que comandou o processo de derrubada da presidente, se justificou em seus votos eivados de  traição e de engodo, proferidos na Câmara dos Deputados e no Senado.

Não há nenhuma dignidade na traição: ela é abjeta e uma atitude típica dos covardes. Traidores não podem ser reputados como salvadores da pátria, como heróis, ainda mais se sabendo que os que traíram o fizeram sem nenhuma nobreza de intenções, mas para tentar salvar o pescoço da guilhotina da Lava Jato ou para abocanhar nacos maiores de poder. Como diria o nosso mestre maior, a traição "pode levar a conquista do poder, mas não à glória". Com a consumação do golpe, a própria fúria moralizante dos procuradores e do juiz Moro se afogou no lodo da indisfarçável indignação seletiva e unilateral e que, por isso mesmo, era uma fúria hipócrita e mal cheirosa.

Sem legitimidade, sem respaldo do povo, constituído por um grupo de corruptos, incapaz de sustentar o requisito da idoneidade e da moralidade, o governo Temer nasceu sitiado pela exigência da renúncia que cresce a cada dia que passa. Com o passar dos dias, a sua única saída é produzir a truculência da repressão, comandada pelo Ministério da Justiça. Mas até aqui já encontra resistência: em primeiro lugar, da sociedade democrática que não aceita a volta da violência política. Em segundo lugar, os governos estaduais e as polícias não estão dispostas a pagar o preço da ilegitimidade do governo Temer.

Esse governo nasceu incapaz realizar a missão que se atribuiu e que lhe foi atribuída pela elite liderada pela Fiesp: promover reformas antipopulares. Nesse sentido, o governo já acabou. É um governo que nasceu no ocaso. Temer é um personagem das sombras e não será capaz de reorientar o governo. Carece dos atributos principais da boa liderança política. Despossuído da "precisão do golpe de vista e da vivacidade do espírito" dos líderes ousados e intuitivos, cultiva a conversa de pé de ouvido, típica dos conspiradores. Sem a virtude moral da prudência, esmera-se em exibir sua esposa, Marcela, como um troféu dos incapazes.

Temer será lenta e paulatinamente abandonado pelos que o secundaram na traição e no golpe. Se sobreviver, restar-lhe-á a solidão dos palácios, rodeado de servidores para satisfazer as benesses e os privilégios do comadrio que se refestela com o dinheiro do povo e sente prazer na frivolidade. A conta é simples: Temer não carrega perspectiva de poder futuro e, em sendo o conglomerado que o rodeia movido a interesses eleitorais e verbas públicas, destituído de qualquer moral de fidelidade, no início de 2017 ver-se-á um rearranjo das forças políticas que começarão a gravitar em torno das alternativas viáveis orientadas para 2018.

Diretas Já, em primeiro lugar, porque o que foi tirado do povo – a soberania – precisa ser restituído ao povo. Esse governo é inaceitável porque não é legítimo. Uma crise dessas não terá solução sem um governo legítimo e forte e sem um Congresso movido pela honestidade de propósitos. Quanto mais a crise se prolongar, mais o povo, os trabalhadores e os mais pobres sofrerão as agruras do desemprego e da falta de perspectivas. Desta forma, é um ditame da ética da responsabilidade pugnar pela única saída aceitável, justa e razoável para a presente situação: Diretas Já, com a antecipação das eleições gerais.

Alguns setores de esquerda resistem a esta palavra de ordem, propondo a luta pela recondução de Dilma à presidência. Nem do ponto de vista do Congresso, nem do ponto de vista do Judiciário e nem do ponto de vista da maioria da opinião pública essa é uma saída viável. Nem mesmo a maior parte das forças democráticas e progressistas entende que esse seja o caminho. Propor a volta de Dilma, independentemente das intenções, significa jogar água no moinho do governo ilegítimo de Temer. Ademais, propor a volta de Dilma ou significa acreditar que esse Congresso que a traiu agora lhe garantirá a governabilidade ou significa não se importar com a crise, com a falta de perspectivas e com o sofrimento do povo.

O fato é que o golpe provocou uma divisão insanável e irreconciliável da sociedade nos termos do resultado de um governo ilegítimo. Não será um sistema político decrépito quem promoverá a recondução do convívio democrático e a aceitação do dissenso regulado como a prática capaz de produzir decisões e soluções aceitáveis para todos. Esse governo que está aí não tem condições morais de exigir sacrifícios de ninguém. Qualquer sacrifício imposto aos trabalhadores e aos mais pobres terá que ser repudiado pelas mobilizações nas ruas.

Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz