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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

31.12.15

Dez coisas que ajudariam o Brasil em 2016

31/dez/2015, 12h44min

Dez coisas que ajudariam o Brasil em 2016


Flavio Aguiar

1. Um certo ex-presidente fazer um curso de História do Brasil, e chegar à conclusão que quem nasceu pra fazer ponta em filme alheio jamais chegará a Pedro II, Getulio Vargas, muito menos a Luis Inacio Lula da Silva. Poderia dizer depois, "como é para a felicidade de todos e o bem estar geral da nação, digam ao povo que fico onde estou, na galeria dos personagens à espera de um Oscar de coadjuvante. Ah sim, e que desisto do golpe".

2. O senador Aécio Neves fazer um curso supletivo de humildade, talvez de humanidade, com a Miss Colômbia, que admitiu a derrota depois de ter sido anunciada vencedora, e sair para o abraço – de vencedora, claro, a presidenta Dilma. Mas enfim, isto é difícil. Afinal, quem nasceu pra Aécio Neves nunca chega a Miss Colômbia.

3. O governador Geraldo Alckmin se matricular numa escola pública, das que quis fechar, em qualquer grau, e conviver com os estudantes que mandou reprimir. Sem medo de ser feliz.

4. A presidenta Dilma Rousseff fazer um curso rápido de comunicação na ECA/USP e se convencer que sim, ela tem um projeto próprio, que é dotar o país de uma infra condizente com seu papel mundial e regional, e se dispor a explicar isto pra população, sobrevoando sobre os panelaços que, aliás, não têm o menor sentido. E também a falta de comunicação dela e de sua equipe. Que também não tem o menor sentido.

5. O deputado Cunha, mais as bancadas da bala, da Bíblia e a rural, tomarem uma caravela e partirem com passagem só de ida para algum outro mundo. O universo é vasto e acolhedor. Para todos, um outro mundo é possível. Até pra eles.

6. O vice-presidente Michel Temer ler alguma biografia do outro vice, Café Filho, que, aliás, entrou na chapa com Getulio em 1950 pela esquerda, traiu o titular, foi pra direita e entrou para a história como um zero à esquerda. Um? Talvez dois. Se continuar a escrever cartas lamuriosas, Temer arrisca três.

7. O senador José Serra viajar para Brno, na Transilvânia, fechar-se no castelo do Drácula, e permanecer lá num sarcófago cinco estrelas, patrocinado por quem o patrocinou. A abrir em um século e ver o que resta. Chevron na veia.

8. O senador Álvaro Dias desistir de se candidatar à presidência pelo PV, PSB, ou outra sigla, e se candidatar a lider do coro gregoriano do Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Voz ele tem. O canto pode lhe dar conteúdo.

9. A velha mídia brasileira quebrar. Quero dizer, financeiramente. A espinha ela já quebrou. A sua e a dos seus arautos. Bom, quebrada já está. Depende dos favores governamentais e das suas próprias pedaladas nas manchetes.

10. O PSTU se converter ao Hare Krishna, deixar sua pregação a favor do fora Dilma, FHC, FMI, PT, PCO, PCdoB, Evo Morales, Rafael Correa, etc., etc., o que seria um bom exemplo pra toda a extrema-esquerda, além de ser uma garantia de bom posicionamento na próxima encarnação.


http://www.sul21.com.br/jornal/dez-coisas-que-ajudariam-o-brasil-em-2016/

26.12.15

'A Globo é o principal agente da imbecilização da sociedade'

23/07/2015 - Copyleft

'A Globo é o principal agente da imbecilização da sociedade'

A Rede Globo é o aparelho ideológico mais eficiente que as classes dominantes já construíram no Brasil desde o início do século XX.


Igor Fuser, Diário Liberdade (via Revista Fórum)
reprodução

A Globo esteve ao lado de todos os governos de direita, desde o regime militar – no qual se transformou no gigante que é hoje – até Fernando Henrique Cardoso. Serviu caninamente à ditadura, demonizando as forças de esquerda e endossando o discurso ufanista do tipo "Brasil Ame-o ou Deixe-o" e as versões sabidamente falsas sobre a morte de combatentes da resistência assassinados na tortura e apresentados como caídos em tiroteios. Mais tarde, após o fim da ditadura, alinhou-se no apoio à implantação do neoliberalismo, apresentado como a única forma possível de organizar a economia e a sociedade.
 
No plano cultural, é impossível medir o imenso prejuízo causado pela Rede Globo, que opera como o principal agente da imbecilização da sociedade brasileira. Começando pelas novelas, seguindo pelos reality shows, pelos programas de auditório, o papel da Globo é sempre o de anestesiar as consciências, bloquear qualquer tipo de reflexão crítica.
 
A Globo impôs um português brasileiro "standard", que anula o que as culturas regionais têm de mais importante – o sotaque local, a maneira específica de falar de cada região. Pratica ativamente o racismo, ao destinar aos personagens da raça negra papéis secundários e subalternos nas novelas em que os heróis e heroínas são sempre brancos. Os personagens brancos são os únicos que têm personalidade própria, psicologia complexa, os únicos capazes de despertar empatia dos telespectadores, enquanto os negros se limitam a funções de apoio. Aliás, são os únicos que aparecem em cena trabalhando, em qualquer novela, os únicos que se dedicam a labores manuais.
 
A postura racista da Globo não poupa nem sequer as crianças, induzidas, há várias gerações, a valorizar a pele branca e os cabelos loiros como o padrão superior de beleza, a partir de programas como o da Xuxa.
 
O jornalismo da Globo contraria os padrões básicos da ética, ao negar o direito ao contraditório. Só a versão ou ponto de vista do interesse da empresa é que é veiculado. Ocorre nos programas jornalísticos da Globo a manipulação constante dos fatos. As greves, por exemplo, são apresentadas sempre do ponto de vista dos patrões, ou seja, como transtorno ou bagunça, sem que os trabalhadores tenham direito à voz. Os movimentos sociais são caluniados e a violência policial raramente aparece. Ao contrário, procura-se sempre disseminar na sociedade um clima de medo, com uma abordagem exagerada e sensacionalista das questões de segurança pública, a fim de favorecer as falsas soluções de caráter violento e os atores políticos que as defendem.
 
No plano da política, a Rede Globo tem adotado perante os governos petistas uma conduta de sabotagem permanente, omitindo todos os fatos que possam apresentar uma visão positiva da administração federal, ao mesmo tempo em que as notícias de corrupção são apresentadas, muitas vezes sem a sustentação em provas e evidências, de forma escandalosa, em uma postura de constante denuncismo.
 
A Globo pratica o monopólio dos meios de comunicação, ao controlar simultaneamente as principais emissoras de TV e rádio em todos os Estados brasileiros juntamente com uma rede de jornais, revistas, emissoras de TV a cabo e portais na internet.
 
Uma verdadeira democratização das comunicações no Brasil passa, necessariamente, pela adoção de medidas contra a Rede Globo, para que o monopólio seja desmontado e que a sua programação tenha de se submeter a critérios pautados pela ética jornalística, pelo respeito aos direitos humanos e pelo interesse público.
 
*Igor Fuser é jornalista e professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC)

http://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FMidia%2F-A-Globo-e-o-principal-agente-da-imbecilizacao-da-sociedade-%2F12%2F34059



Natal: suas muitas versões e corruptelas mercantis

 26/dez/2015, 7h10min

Natal: suas muitas versões e corruptelas mercantis (por Jacques Távora Alfonsin)

Ele tem sido interpretado completamente fora do seu contexto histórico, cercado de afetação sentimental, fazendo passar o presépio –  para não dizer cocheira ou estrebaria –  como um lugar confortável e não um  refúgio precário de acampamento, onde o burro, o boi e as ovelhas parecem estar fornecendo ar condicionado para o recém nascido. Maria e José colocados como atores de uma peça previamente manipulada para esconder o medíocre disfarce da extrema pobreza do lugar. Até o cocho onde a criança foi deitada após o parto, por ausência de berço (!), mudou de nome para não escandalizar. Passou a se chamar manjedoura.

Se a bíblia for lida com um mínimo de senso crítico, a história do acontecido é bem diferente, fazendo prova disso o que aconteceu na vizinhança. Alguns pastores, tão pobres quanto José e Maria, vigiando ovelhas nas proximidades, foram chamados por uma espécie de mídia também muito diferente da de hoje, representada por alguém proclamando a seguinte mensagem: "Estou aqui para trazer uma boa notícia para vocês, e ela será também motivo de muita alegria para todo o povo! Hoje mesmo, na cidade de Davi, nasceu o Salvador de vocês –  Messias, o Senhor! Esta será a prova: vocês encontrarão uma criancinha enroladas em panos deitada numa manjedoura {…} Glória a Deus nas maiores alturas do céu e paz na terra às pessoas a quem Ele quer bem."

Aqui não cabe serem lembradas as muitas e divergentes interpretações que até hoje procuram extrair sentido e referência desta notícia, desde a atribuição de uma pura invencionice criada por um pensamento mágico, crente em anjos e deuses, até a da fé numa intervenção divina bastante para confirmar tudo quanto tinha sido previsto pelos profetas séculos antes. Mesmo adotado um raciocínio descomprometido com qualquer desses modos de ver –  coisa difícil, dada a forte influência ideológica inerente a toda interpretação histórica –  a fonte da notícia, o seu conteúdo e as/os suas/seus primeiras/os destinatárias/os, se forem comparadas com os seus efeitos futuros, dão muito o que pensar, seja para quem crê, seja para quem não crê.

Se a origem for reconhecida como divina, a lógica determina existirem verdades não científicas, de pura fé e essas com uma força de potência inigualável, provada na história, entre outros sinais, pelos milhares de mártires que preferiram sacrificar a própria vida para não trair a fidelidade do seu pensar, sentir e agir de acordo com o seguimento de Jesus.  Se o conteúdo da "boa nova" for reconhecido como modelo de vida, a prevalente nas festas natalinas de agora está muito distante daquele "programa", a começar pelo sentido e a referência da "salvação". Como a alegria e a paz foram indicadas como duas de suas características, a salvação não pode ser um estado etéreo, abstrato, reservado somente para santas/os após a morte. Alegria e paz são efeitos inseparáveis de justiça e essa é incapaz de "salvar" qualquer convivência humana que descarte uma relação interpessoal de respeito e amor à/ao outra/o, como um ser digno do bem viver em comunhão fraterna, valendo isso para todo o grupo humano, até para as relações internacionais entre países ricos e pobres.

Se a alegria natalina de hoje é imposta mais pelo costume e a moda do que pelo autêntico entusiasmo de lembrança do aniversariante, a paz está quase sem vez e sem voz. No lugar de ambas se implantou um sistema que só atribui salvação ao dinheiro, um deus também muito diferente do Filho de Maria. Para esse outro deus toda a boa nova fica dependente da sôfrega conferência, feita diariamente no computador, sobre o movimento financeiro da bolsa de valores, tão surdo à notícia ouvida pelos pastores e tão distante do estábulo, onde chora mal acomodado o Recém Nascido, quanto a terra fica da última galáxia.

Assim, a boa nova só pode mesmo ser considerada boa se forem consideradas/os as/os suas/seus destinatárias/os. Aí ela ganha, talvez, a sua maior significação. Gente muito pobre –  como era e ainda hoje é a das/os sem-terra e sem-teto, quilombolas, índias/os e catadoras/es de material –  foi a primeira a saber do fato, tudo indicando ter havido uma preferência clara sobre a quem, de fato, ela era endereçada.  Se a "salvação" fosse só imaterial, exclusivamente espiritual, reservada apenas para as almas na eternidade, a justiça como condição de alegria e paz, refletida em convivência de bem viver, não teria sido boa notícia para quem justamente sofria, e até hoje sofre dos seus contrários, no seu próprio corpo. Injustiça, opressão, desprezo, discriminação, despiste, engano e indiferença, por exemplo, são tratamentos comuns, considerados preconceituosamente normais, dados a pobres e miseráveis, mas inaceitáveis e intoleráveis para a Criança, posteriormente assassinada na cruz, por força, inclusive, do cumprimento fiel da salvação prometida às/aos pastoras/es. Excluído esse povo do convívio justo, a aplicação da lei, com força bem inferior a das imposições do nosso sistema socioeconômico, ontem como hoje, se encarregam de fornecer legitimidade para a sua segregação.

Bernard Haring mencionando Deus, mas em linguagem capaz, talvez, de ser aceita até por ateus, ensina sobre a lei e o acúmulo de dinheiro: "Um dos pontos fulcrais da teologia cristã é o de que não podemos tornar-nos justos aos olhos de Deus através das obras da lei. {…} O ricaço que não se preocupa com o pobre Lazaro, que não se digna a olhar para ele nem lhe dar uma migalha de pão, exclui-se automaticamente a si mesmo do reino da solidariedade salvífica da justiça permanente." (Em "Vida em Cristo plenificada", Aparecida: Editora Santuário, 1998, p. 37).

Quem pensa em atitude solidária e fraterna com as/os pobres, portanto, como esmola ou favor, assistencialismo barato e compensatório, está muitíssimo enganado. A justiça permanente é própria da necessária solidariedade salvífica. Ela não decorre de uma simples prova de gentileza, a ser praticada exclusivamente no natal, para amortecer pruridos de consciência. Reduzida a tanto, até contraria a Vontade e o Desejo da Criança aniversariante. Daí a exigência de partilha do pão aparecer no modelo de oração transmitido por Jesus Cristo às/aos suas/seus seguidoras/es. O "Pai nosso" somente pode nos ouvir se fizermos todo o pão também nosso, comum, e a fome saciada da/o nossa/o próxima/o constituir responsabilidade de todas/os, condição de justiça permanente, assim caracterizada por Ele em mais de uma oportunidade. A primeira, reconhecendo como iguais a fome de pão e a fome de justiça; a segunda, como verdadeiro pressuposto de salvação: "Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados" (Evangelho de São Mateus, capítulo 5, versículo 6); "Eu estava com fome e vocês me deram comida; estava com sede e me deram água." (Idem, capítulo 25, versículo 35).

Entre o consumismo rasteiro e insaciável do nosso sistema socioeconômico capitalista, aguçado no natal, e a Boa Nova trazida pelo Menino Jesus, a diferença maior parece estar nos seus efeitos: o sistema fundamental do primeiro está baseado na liberdade para as mercadorias, a segunda na libertação das pessoas pobres. Se a preocupação do primeiro é produzir e lucrar sempre mais, a da segunda quer produzir o necessário e o suficiente para garantir dignidade pessoal e cidadania, sem discriminação em desfavor de ninguém. Se a concentração do dinheiro e da riqueza impulsiona toda a ação do primeiro, a partilha equitativa e justa de ambos, como forma de satisfazer as necessidades vitais de todas/os, estimula e modela a segunda.  Sobre a profunda e injusta desigualdade social gerada pelo primeiro, Ladislau Dowbor disse-o bem: "Quando uma centena de pessoas são donas de mais riqueza do que a metade da população mundial, enquanto um bilhão de pessoas passa fome, francamente, achar que o sistema está dando certo é prova de cegueira mental avançada.Um sistema que sabe produzir, mas não sabe distribuir, é tão funcional quanto a metade de uma roda."(disponível no site Café Brasil).

O natal é bem mais do que troca de presentes, como se vê. Que a alegria e a paz partilhadas nesta feliz recordação sejam revividas, por  todas/os as/os nossas/os leitoras/es,  durante todo o ano de 2016!

.oOo.

Jacques Távora Alfonsin é Procurador do Estado aposentado, Mestre em Direito pela Unisinos, advogado e assessor jurídico de movimentos populares.


Teologia da Libertação e as perspectivas para uma teoria ainda incompreendida

ENTREVISTAS
11.09.2015
Mundo ]

[ENTREVISTA ESPECIAL] Teologia da Libertação e as perspectivas para uma teoria ainda incompreendida


Cristina Fontenele
Adital

Desde que surgiu, na América Latina, na década de 1960, a Teologia da Libertação (TdL) tem promovido o debate sobre os pobres e oprimidos e sua importância principalmente para a Igreja Católica. Para os críticos, a corrente significa uma politização indevida da fé, para os defensores o modelo, representa, além de uma revolução espiritual e cultural, a reapropriação da Palavra de Deus pelos pobres.

Apesar das reflexões consideradas "revolucionárias" e "comunistas", a TdL sempre provocou a oposição da ala mais conservadora da Igreja, desde a sua origem, com o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez. Um dos expoentes da TdL no Brasil, Leonardo Boff, por exemplo, já foi condenado pelo Vaticano a um ano de "silencio obsequioso".

Com mais de 50 anos de existência, a corrente já passou por algumas gerações de teólogos e teólogas, que seguem renovando a "opção pelos pobres". Após os anos de 1990, no entanto, a TdL atravessou um período de declínio e o envelhecimento de suas lideranças. Porém, com o Papa Francisco redirecionando o foco cristão para os pobres e oprimidos, a corrente retorna aos debates envolvendo a Igreja.

franciscanos
Sob a perspectiva da TdL, os pobres já não são vistos como meros objetos de caridade, mas como sujeitos de sua história e de sua emancipação.

Um exemplo das atuais discussões é o II Congresso Continental de Teologia, organizado pela rede católica Amerindia, a ser realizado em Belo Horizonte (Estado de Minas Gerais - Brasil), de 26 a 30 de outubro de 2015. Com o tema a "Igreja que caminha com Espírito e a partir dos pobres", o encontro deve reunir teólogos/as e comunidades cristãs das Américas para aprofundar as reflexões sobre a reforma da Igreja, estruturando propostas para um "fazer cristão em comunidade", e com a opção pelos pobres.

Para comentar sobre as principais contribuições e o futuro da Teologia da Libertação, a Adital entrevistou o teólogo e sociólogo Dirceu Benincá, que explica por que a corrente ainda é incompreendida por alguns setores e como pode ser identificada nas ações do Papa Francisco. Segundo o teológo, a TdL tem, em seu DNA, a perspectiva "profética" e a compreensão de que a fé tem, necessariamente, uma dimensão política. Benincá comenta ainda como a fé cristã fortalece a consciência crítica e fomenta uma espiritualidade de luta coletiva por melhores condições de vida.


Adital: O que significa a opção preferencial pelos pobres, ponto central da Teologia da Libertação?

Dirceu Benincá: Representa uma revolução teológica e eclesial, bem como uma oposição frontal ao sistema capitalista. A evangélica opção preferencial pelos pobres, assumida pela Teologia da Libertação (TdL), vem acompanhada de um posicionamento claro contrário a todas as injustiças sociais, desigualdades econômicas, autoritarismos políticos e colonialismos culturais, causas de pobreza e miséria. Essa opção decorre de uma decisão consciente da Igreja libertadora, inspirada no projeto de Jesus de Nazaré.

Não podemos esquecer que a TdL surgiu, na América Latina, nos anos 1960, como reação a um sistema marcado por ditaduras militares, exploração, dependência externa e muito sofrimento humano. Logo, se propagou também pela África, Ásia e até para alguns ambientes do Primeiro Mundo. Inspira-se nos documentos produzidos pelo Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), evento histórico que promoveu a abertura da Igreja Católica para o diálogo e a interação com o mundo moderno.

A TdL teve significativo impulso com a Conferência do Episcopado Latino-Americano, em Medellín (1968). Nela, os bispos analisaram, com séria preocupação, a "violência institucionalizada" e as "estruturas injustas", que pesavam sobre os povos. Estabeleceram como grande diretriz da Igreja a opção preferencial pelos pobres, o que ficou mais explícito na Conferência de Puebla [México] (1979). Em 1992, na Conferência de Santo Domingo [República Dominicana], os bispos afirmaram: "O crescente empobrecimento a que estão submetidos milhões de irmãos nossos, que chega a intoleráveis extremos de miséria, é o mais devastador e humilhante flagelo que vive a América Latina e Caribe" (nº 179). Em Aparecida [Brasil] (2007), houve uma revalidação da importância da TdL diante dos desafios do terceiro milênio.

A opção preferencial pelos pobres é, pois, a tomada de consciência do verdadeiro compromisso da Igreja na sociedade dividida em classes. Compromisso que se traduz na luta incessante pela garantia do direito fundamental de vida digna para todos. Daí, a centralidade nos pobres, que têm sua vida mais ameaçada e atribulada. Com a Teologia da Libertação, a Igreja faz o que não poderia deixar de fazer para ser autenticamente cristã.


Adital: Quais são hoje os rostos desses pobres e oprimidos?

DB: Na sociedade atual, os pobres e oprimidos têm múltiplos rostos. Eles transcendem fronteiras geográficas, históricas, étnicas, de gênero, culturais ou religiosas. O empobrecimento, a exclusão social, a violação de direitos e da dignidade humana são consequências diretas dos processos neocoloniais e neoliberais, que ganham amplitude e profundidade com o avanço da globalização. Trata-se de um fenômeno que se reproduz, se expande e tende a ser naturalizado pelo sistema hegemônico.

A pobreza e a miséria não são questões meramente matemáticas e econômicas. Elas perpassam as diversas dimensões da vida pessoal e social. Entre os pobres e oprimidos, não podem ser esquecidos os migrantes, os catadores de materiais recicláveis, os moradores de rua, as mulheres, os jovens, os idosos, as vítimas da droga e do tráfico humano, os desempregados, os trabalhadores escravizados e tantos outros, conforme referido no nº 402, do Documento de Aparecida. Nesta lista, inclui-se também a nossa "Casa Comum", como afirma o Papa Francisco logo no início da encíclica Laudato Si': "Entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada..." (nº 2). 

arquivopessoal
Para o sociólogo Dirceu Benincá, a Teologia da Libertação gerou muitas práticas inovadoras e um "novo jeito de ser Igreja". A opção preferencial pelos pobres seria a tomada de consciência do verdadeiro compromisso da Igreja. Os pobres e oprimidos transcendem fronteiras geográficas, históricas, étnicas, de gênero, culturais ou religiosas.


Adital: Em termos práticos, como se dá a Teologia da Libertação nas ações do dia a dia? De que modo a fé cristã ajuda na libertação da miséria e da pobreza?

DB: A fé cristã pode receber diferentes orientações práticas, quer numa perspectiva intimista, fundamentalista, individualista, mercadológica ou, diferentemente, numa direção comunitária, solidária, profética, libertadora. No dia a dia, ela contribui para a libertação da miséria e da pobreza, na medida em que aproxima pessoas, fortalece a consciência crítica e criativa, estimula o diálogo, a participação e a solidariedade, fomenta uma espiritualidade, que move para a luta coletiva pela melhoria das condições de vida.

A TdL gerou muitas práticas inovadoras e um novo jeito de ser Igreja, identificado com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), com a leitura contextualizada da Bíblia e com o protagonismo dos leigos. Inspiradas nas primeiras comunidades cristãs, provocaram novas reflexões teológicas e novas discussões sobre o papel da Igreja na sociedade. Constituíram-se em espaços privilegiados para viver a fé, combater o individualismo e exercitar a vida comunitária. As CEBs e a TdL criaram uma dialética efetiva e eficaz entre fé e vida.

Assim pensadas e vividas, a fé e a espiritualidade ajudam na libertação, enquanto superam uma visão mágica de Deus e um modelo meramente dogmático e ritualístico de religião. Ao apontar para as mudanças sociais e pessoais possíveis e necessárias, a fé cristã incorpora um compromisso libertador e se constitui em combustível capaz de sustentar a reação diante das mais diversas formas de opressão. Para a TdL não basta a busca da libertação de alguma angústia existencial; o que lhe vale é a libertação integral.


Adital: Por que a Teologia da Libertação é uma corrente considerada incompreendida, difamada e até perseguida?

DB: Creio que haja duas razões básicas para isso. A primeira diz respeito à denúncia que a TdL faz das causas da pobreza e da miséria de milhões de pessoas pelo mundo afora. Os teólogos e teólogas da libertação se recusam a ver esse fenômeno como geração espontânea, consequência sem causa ou fato, diante do qual cabem apenas ações assistenciais ou invocações à piedade divina. Antes, ao contrário, tomam tais realidades como produtos históricos de um sistema social abominável, que gera desigualdades, enriquecimento de alguns à custa de muitos. Esse sistema, consubstanciado no capitalismo, se reconfigura continuamente, mas mantém inalterada a lógica do imperialismo, do acúmulo e da exclusão social.

A outra razão refere-se ao "que fazer" diante dessa realidade, depois de denunciá-la. A TdL aponta a conscientização, a organização e a busca da transformação das estruturas injustas. Quando os pobres se organizam e emergem como sujeitos de direitos, a começar pelo "direito a ter direitos" (Hannah Arendt), acabam mexendo com vários interesses de segmentos da sociedade e da própria Igreja. Daí decorre, naturalmente, reações adversas, acusações, incompreensões e tentativas de censura. Mas, a TdL não produz adeptos do medo e sim da coragem, da luta e da esperança à toda prova.


Adital: A Teologia da Libertação é acusada de ser uma politização da fé ou uma teoria comunista, por quê?

DB: A TdL nasce num contexto social e histórico marcado por profundos processos de opressão e exclusão. Entretanto, isto não seria o bastante para que ela fosse identificada com uma teoria marxista/comunista, pois poderia ter assumido uma orientação político-religiosa de legitimação do poder dominante, como, em outros tempos, outros modelos teológicos o fizeram. Porém, no DNA da TdL está a perspectiva profética e a compreensão de que a fé tem, necessariamente, uma dimensão política. Dimensão esta demonstrada por Jesus ao assumir a causa da libertação dos pobres, o que resultou na sua morte de cruz.

Para ler, interpretar e buscar a transformação da realidade, com suas múltiplas contradições, os teólogos da libertação se utilizam de teorias críticas, entre as quais podem estar abordagens marxistas. Na base da acusação de que a TdL derrapou para o "nefasto" comunismo está a intenção de seus opositores em desqualificarem esse pensamento teológico. Nenhum eventual ou pontual reducionismo teórico da TdL pode ser razão suficiente para considerá-la inadequada. A análise contextualizada e crítica da realidade, associada à evocação de um Cristianismo pragmático e libertador, torna a TdL uma proposta incômoda para muitos. Daí a razão de muitas acusações indevidas. 

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Entre as principais contribuições da TdL, Benincá destaca a consolidação de um novo paradigma teológico e de uma nova metodologia pastoral, baseada no tripé "ver-julgar-agir", do qual emergiram múltiplos movimentos populares, pastorais e sociais.


Adital: Que contribuições a Teologia da Libertação trouxe para a América Latina?

DB: Uma das principais contribuições foi a consolidação de um novo paradigma teológico e de uma nova metodologia pastoral, baseada no tripé ver-julgar-agir. A TdL fez ver que as estruturas sociais e o funcionamento da sociedade são produções humanas, que podem e, em muitos casos, devem ser transformados. E mais do que isso, que essa tarefa decorre imediatamente da fé cristã e requer o protagonismo dos pobres. Eles já não são vistos como meros objetos de caridade, mas como sujeitos de sua história e de sua emancipação.

Articulada com a Pedagogia, a Filosofia e outras ciências com um viés libertador, a TdL contribuiu para criar um lastro de consciência crítica. Entre seus legados está uma forte cultura política e cidadã, de onde emergiram múltiplos movimentos populares, pastorais sociais, organizações não governamentais, instituições, grupos de base, movimentos políticos, sindicais, culturais, em defesa da justiça, dos direitos, da dignidade, enfim da vida dos marginalizados, oprimidos e excluídos. Destaca-se também a formação de um incontável número de lideranças sociais e eclesiais, bem como o testemunho de muitos mártires da fé cristã e da luta pela libertação.


Adital: Muitos afirmam que a Teologia da Libertação é uma corrente que já perdeu atualidade e relevância. Como avalia essa concepção?

DB: É verdade que hoje a TdL não tem tanta visibilidade, ou talvez, seja melhor dizer, não é mais tão combatida abertamente, como anos 1980 e 1990. Os tempos são outros. Muitas coisas mudaram no interior da Igreja e da sociedade, inclusive, com uma grande contribuição dada pela própria TdL. Na minha avaliação, ela não perdeu a atualidade e a relevância. Enquanto houver situações de pobreza e de exclusão, sua contribuição será relevante. E atual também sempre será, uma vez que está enraizada no projeto libertador de Jesus Cristo. Não se trata de um modelo teológico acabado, mas em permanente processo de construção. E nisso reside sua grande capacidade de se atualizar continuamente.

A atualidade da TdL pode ser percebida, com clareza, na figura do Papa Francisco, que, com simplicidade, alegria e ternura evangélica; sabedoria e coragem profética; linguagem e metodologia popular, está causando grandes impactos positivos na Igreja Católica e no mundo inteiro. Esse jeito de fazer Teologia, de conduzir e animar a Igreja é altamente profícuo porque integra a fé à vida concreta. Diante do atual sistema neoliberal, que transforma tudo e todos em mercadoria, a TdL não é apenas útil e necessária. É também indispensável.


Adital: Quais são, hoje, as novas lideranças da Teologia da Libertação, além dos dois principais teólogos brasileiros Leonardo Boff e Frei Betto? Existe um trabalho de renovação?

DB: Existem diversos outros teólogos e teólogas brasileiros com expressivas contribuições no âmbito da Teologia da Libertação. Não vou acrescentar nomes. O fato de suas produções não serem, talvez, tão conhecidas como as dos dois teólogos citados, não significa que não tenhamos mais ninguém fazendo, refletindo e escrevendo nessa direção. Por outro lado, deve-se considerar, sim, o avanço de tendências mais carismáticas e conservadoras no interior das Igrejas, em geral. Acredito que o intenso e exitoso trabalho que o Papa Francisco está realizando contribui, de forma direta, para a renovação da Igreja e o fortalecimento da TdL. Acrescente-se a isso os muitos encontros, congressos, seminários, publicações, centros teológicos e projetos de formação de leigos que, certamente, favorecem o revigoramento dessa perspectiva teológica.


Adital: Quais as convergências e divergências entre os mais antigos e os jovens na Teologia da Libertação? Que ações precisam ser feitas para a construção de um diálogo e de uma continuidade?

DB: De maneira genérica, penso que as convergências estão relacionadas ao referencial bíblico e teológico em defesa da libertação integral da pessoa humana, da justiça social e da vida digna para todos. Se há divergências, talvez sejam em questão de método e pontos de vista sobre temas específicos. Entretanto, a TdL não foge das divergências, pois elas também ajudam a gerar o debate, tão necessário para dar consistência à própria Teologia.

A discussão de temas emergentes, como a ecologia, novas modalidades de ministérios (ordenação de mulheres, ordenação de homens casados, celibato opcional), novas constituições familiares e outros ligados às novas realidades políticas, culturais e religiosas estão no horizonte da TdL. Para tanto, penso ser fundamental a coragem profética de membros da hierarquia para romper certos tabus e fomentar a mudança desde dentro da Igreja. Estes são também desafios para os teólogos e teólogas de todas as gerações.

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Para Benincá, a TdL continua atual e relevante, sendo um modelo teológico em permanente construção. No futuro da TdL estão a defesa incondicional dos direitos e da vida dos pobres, o cuidado com a "Casa Comum" e uma "urgente" democratização do poder na Igreja, com a participação das mulheres em condições de igualdade de direitos aos homens.


Adital: Qual o futuro da Teologia da Libertação?

DB: É difícil prever o futuro da Teologia da Libertação, mesmo porque tem se tornado cada vez mais difícil fazer qualquer tipo de previsão sobre o futuro. Há uma instabilidade e uma volatilidade muito grande na sociedade dita de alta modernidade, modernidade líquida (Bauman) ou pós-modernidade. Embora prevaleça tal cenário, aposto na necessidade imprescindível de fortalecer a TdL, dada sua importância para a vida das Igrejas e para a sociedade como um todo. Creio que ela dá a razão fundamental da fé e da esperança cristã.

Creio ainda que o futuro da TdL passa, inevitavelmente, por três pontos: defesa incondicional dos direitos e da vida dos pobres; fortalecimento da cultura do cuidado com a "Casa Comum"; empenho decidido e urgente pela democratização do poder na Igreja, com a participação das mulheres em condições de igualdade de direitos com os homens.


Adital: Como avalia a relação do Papa Francisco com a Teologia da Libertação? Que contribuições o Sumo Pontífice tem trazido sobre o tema?

DB: O Papa Francisco é a expressão mais autêntica de quem compreendeu a autenticidade, a vitalidade e atualidade da TdL. Suas contribuições são inúmeras e, por certo, muitas delas serão percebidas com o passar dos tempos. Porém, vale registrar seu destemido empenho para promover mudanças internas na vida da Igreja, a começar pelo Vaticano; sua abertura ecumênica, juntamente com a linguagem e o jeito popular de ser que o caracteriza. Isso não o impede de fazer profundas e corajosas denúncias proféticas diante de situações e estruturas que ferem a dignidade humana. Sua postura em defesa dos pobres e de suas organizações é inconfundível. O diálogo com os movimentos populares é outra atitude inédita e de grande significado social, eclesial e teológico.

Há uma nítida intencionalidade, com ações concretas, para garantir um papel mais central das mulheres na vida da Igreja, além de uma sensibilidade diante das novas constituições familiares. A convocação ao cuidado com o meio ambiente, expresso de forma emblemática na encíclica Laudato Si'; seu testemunho de pastor com "cheiro das ovelhas", destituído de pompas principescas; sua insistência namissão de uma Igreja "em saída", comprometida com as causas da justiça e não autorreferenciada... Tudo retrata a compreensão e a contribuição do Papa Francisco com a Teologia da Libertação!

Cristina Fontenele

Repórter.
Fonte:

Natal: sempre que nasce uma criança é sinal de que Deus ainda acredita no ser humano

OPINIÃO
23.12.2015
Mundo ]

Natal: sempre que nasce uma criança é sinal de que Deus ainda acredita no ser humano



Leonardo Boff
Adital

Estamos na época de Natal, mas a aura não é natalina, é antes de sexta-feira santa. Tantas são as crises, os atentados terroristas, as guerras que, juntas, as potências belicistas e militaristas (USA, França, Inglaterra, Russa e Alemanha) conduzem contra o Estado Islâmico, destruindo praticamente a Síria com uma espantosa mortandade de civis e de crianças como a própria imprensa tem mostrado, a atmosfera contaminada por rancores e espírito de vindita na política brasileira, sem falar dos níveis astronômicos de corrupção: tudo isso apaga as luzes natalinas e amortecem os pinheirinhos que deveriam criar uma atmosfera de alegria e de inocência infantil que ainda persiste em cada pessoa humana.


O Papa visita Lampedusa. Foto: Reprodução

Quem pôde assistir ao filme Crianças Invisíveis, em sete cenas diferentes, dirigido por diretores renomados como Spike Lee, Katia Lund, John Woo entre outros, pode se dar conta da vida destruída de crianças, de várias partes do mundo, condenadas a viver do lixo e no lixo; e ainda assim há cenas comovedoras de camaradagem, de pequenas alegrias nos olhos tristes e de solidariedade entre elas.

E pensar que são milhões hoje no mundo e que o próprio menino Jesus, segundo os textos bíblicos, nasceu fora de casa, numa mangedoura de animais porque não havia lugar para Maria, em serviço de parto, em nenhuma estalagem de Belém. Ele se misturou com o destino de todas estas crianças maltratadas pela nossa insensibilidade.

Mais tarde esse mesmo Jesus, já adulto, dirá: "quem receber esses meus irmãos e irmãs menores é a mim que recebe".

O Natal se realiza quando ocorre esse acolhimento, como aquele que o Padre Lancelotti organiza em São Paulo para centenas de crianças de rua sob um viaduto e que contou, por anos, com a presença do Presidente Lula.

No meio desta desgraceira toda, no mundo e no Brasil, me vem à mente o pedaço de madeira com uma inscrição em pirografia que um internado num hospital psiquiátrico em Minas Gerais me entregou por ocasião de uma visita que fiz por lá para animar os atendentes. Lá estava escrito:"Sempre que nasce uma criança é sinal de que Deus ainda acredita no ser humano".

Poderá haver ato de fé e de esperança maior que este? Em algumas culturas da África se diz que Deus está de uma forma toda especial presente nos assim chamados por nós de "loucos". Por isso eles são adotados por todos e todos cuidam deles como se fossem um irmão ou uma irmã. Por isso são integrados e vivem pacificamente. Nossa cultura os isola e não se reconhece neles.

O Natal deste ano nos remete a essa humanidade ofendida e a todas as crianças invisíveis cujos padecimentos são como os do menino Jesus que, certamente, no severo inverno dos campos de Belém, tiritava na mangedoura. Segundo lenda antiga, foi aquecido pelo bafo de dois velhos cavalos que como prêmio ganharam, depois, plena vitalidade.

Vale lembrar o significado religioso do Natal: Deus não é um velho barbudo, de olhos penetrantes e juiz implacável de todos os nossos atos. É uma criança. E como criança não julga ninguém. Quer apenas conviver e ser acarinhado. Da mangedoura nos vem esta voz: "Oh, criatura humana, não tenhas medo de Deus. Não vês que sua mãe enfaixou seus bracinhos? Ele não ameaça ninguém. Mais que ajudar, ele precisa ser ajudado e carregado no colo".

Ninguém melhor que Fernando Pessoa entendeu o significado humano e verdadeiro do menino Jesus:

"Ele é a Eterna Criança, o Deus que faltava. Ele é humano que é natural. Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda certeza que ele é o Menino Jesus verdadeiro. É a criança tão humana que é divina. Damo-nos tão bem um com o outro, na companhia de tudo, que nunca pensamos um no outro… Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno. Pega-me tu ao colo e leva-me para dentro de tua casa. Despe o meu ser cansado e humano. E deita-me na cama. E conta-me histórias, caso eu acorde, para eu tornar a adormecer. E dá-me sonhos teus para eu brincar até que nasça qualquer dia que tu sabes qual é".

Dá para conter a emoção diante de tanta beleza? Por causa disso, vale ainda, apesar dos pesares, celebrar discretamente o Natal.

Por fim tem alto significado esta última mensagem singela e encantadora: "Todo menino quer ser homem. Todo homem quer ser rei. Todo rei quer ser "deus". Só Deus quis ser menino".

Abracemo-nos mutuamente, como quem abraça a Criança divina (o puer aeternus) que se esconde em nós e que nunca nos abandonou.

E que o Natal seja ainda uma festa discretamente feliz.


Leonardo Boff escreveu O Natal, a bondade e a jovialidade de nosso Deus,Vozes,Petrópolis 2003.

Fonte: Blog do autor

Leonardo Boff

Doutorou-se em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Conta-se entre um dos iniciadores da teologia da libertação. É assessor de movimentos populares. Conhecido como professor e conferencista no país e no estrangeiro nas áreas de teologia, filosofia, ética, espiritualidade e ecologia. Em 1985 foi condenado a um ano de silêncio obsequioso pelo ex-Santo Ofício, por suas teses no livro Igreja: carisma e poder (Record).

A partir dos anos 80 começou a aprofundar a questão ecológica como prolongamento da teologia da libertação, pois não somente se deve ouvir o grito do oprimido, mas também o grito da Terra porque ambos devem ser libertados. Em razão deste compromisso participou da redação da Carta da Terra junto com M. Gorbachev, S. Rockfeller e outros. Escreveu vários livros e foi agraciado com vários prêmios.

Twitter @LeonardoBoff



Natal sem hipocrisia

Guilherme Boulos: Natal sem hipocrisia

Publicado em 24/12/2015 

guilherme boulos

[Guilherme Boulos, na platéia do Seminário Internacional Cidades Rebeldes, 10/06/2015. Foto: Yumi Kajiki]

Por Guilherme Boulos.

Hoje é Natal. Quase um terço da população mundial celebra o nascimento de Jesus Cristo. Só no Brasil são mais de 160 milhões de cristãos. A data, é verdade, se tornou mais que tudo um grande evento comercial, mas vale a pena aproveitarmos a ocasião natalina para uma breve reflexão.

Jesus Cristo, do modo como nos apresenta a Bíblia, não era um apologeta da ordem e da tradição. Enfrentou os poderosos de seu tempo e defendeu ideias que a consciência dominante não podia admitir.

Não por acaso morreu na cruz, depois de perseguido, preso e torturado. Como gosta de lembrar Frei Beto, Jesus não morreu de hepatite na cama nem atropelado por um camelo em alguma esquina de Jerusalém. Morreu como preso político nas mãos do prefeito Pôncio Pilatos e dos sacerdotes judeus. Isso, as escrituras nos dizem.

Nos falam também sobre as razões que fizeram de Jesus tão odiado pelos poderosos. Defendeu a igualdade e os mais pobres, condenando aqueles que se apegavam demais às riquezas: "É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus" (Mateus 19-24).

Defendeu a divisão dos bens, como signo da igualdade social: "Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos" (Lucas 1, 53). E assim o fez, partilhou o pão e os peixes entre todos (Marcos 6,41).

Jesus enfrentou também decididamente os preconceitos, como mostra o caso bíblico da mulher samaritana (João 4, 1-42). Acolheu os marginalizados (Marcos 7, 31) e foi misericordioso com as prostitutas (Lucas 7, 36-50). Combateu o ódio e intolerância.

Hoje, mais de dois milênios depois, nosso mundo permanece profundamente desigual. Os 2% mais ricos da população mundial detêm mais da metade de todas as riquezas, enquanto os 50% mais pobres detêm apenas 1%. Os donos do poder, via de rega, continuam atuando para manter esta estrutura de privilégios e reprimir o povo quando ousa enfrentá-la.

Muitos dos que hoje se dizem cristãos consideram a desigualdade como fato imutável e a legitimam pelo discurso hipócrita da meritocracia. Sem falar no ódio e na intolerância. Defendem o linchamento público de "marginais", silenciam como cumplicidade ante a chacina da juventude negra nas periferias, ofendem homossexuais e toleram a agressão à mulheres.

Jesus dedicou sua vida à igualdade, justiça e paz entre os povos. Se reaparecesse em 2014, no Brasil, ficaria espantado com o que dizem e fazem muitos dos cristãos. Seria achincalhado com palavras inomináveis nas seções de comentários da internet. Seria chamado de bolivariano na avenida Paulista. Certa comentarista de telejornal o mandaria levar para casa a mulher adúltera que ele salvou do apedrejamento. E alguém, de dentro de algum carro no Leblon, gritaria a ele:"Vai pra Cuba, Jesus!"

Um coisa é certa. O Jesus de que a Bíblia nos conta, se vivesse hoje, estaria ao lado dos direitos sociais e humanos. Estaria com os sem-teto e os sem-terra, com os negros, as mulheres violentadas e os homossexuais vítimas de preconceito. Estaria com os imigrantes haitianos e defendendo – como o papa Francisco – o fim do vergonhoso embargo à Cuba.

Talvez fosse preso e torturado, do mesmo modo que milhares de brasileiros que não há muito lutavam por igualdade e justiça. Seria sem dúvida crucificado, desta vez não pelas autoridades romanas e os sacerdotes judeus, mas crucificado moralmente por muitos dos cristãos que, em seu nome insistem em combater tudo aquilo que ele defendeu.

Dizem que o Natal e a passagem de ano são momentos para reflexões e mudanças. Assim seja. Espero que muitos dos que partilham da fé cristã possam aproveitar a oportunidade natalina para inspirarem-se mais no exemplo de seu mestre.

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Este artigo integra o livro de ensaios de Guilherme Boulos intitulada De que lado você está? Reflexões sobre a conjuntura política e urbana no Brasil, publicada pela Boitempo em 2015. Dividido em três partes: "Barril de pólvora", com textos sobre questões urbanas, "Estopins", sobre questões políticas, e "Artilharia", centrada na crítica de expoentes da conjuntura brasileira atual, o livro conta tanto com intervenções publicadas na Folha de São Paulo, quanto textos inéditos escritos especialmente para a publicação, além de um ensaio de apresentação do autor e um posfácio escrito pelo cientista político André Singer. Leia o texto de orelha do livro, assinado por Leonardo Sakamoto, no Blog da Boitempo aqui.

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Guilherme Boulos é formado em filosofia pela USP, professor de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). Colunista da Folha de S.Paulo, também atua na Frente de Resistência Urbana. Em 2015 publicou pela Boitempo o livro de intervenção De que lado você está: reflexões sobre a conjuntura política e urbana no Brasil

25.12.15

A NOSTALGIA DO NATAL

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A NOSTALGIA DO NATAL 

Por Jose Antonio Pagola




O Natal é uma festa cheia de nostalgia. 
Canta-se a paz, mas não sabemos construí-la. 
Desejamo-nos felicidade, mas cada vez parece mais difícil ser feliz.

Compramos presentes, mas o que precisamos é ternura e afeto. 
Cantamos a um menino Deus, mas em nossos corações se apaga a fé. 

A vida não é como gostaríamos que fosse, mas não sabemos torna-la melhor. Não é só um sentimento de Natal. A vida inteira está imbuída de nostalgia. 

Nada preenche inteiramente nossos desejos. Não há riqueza que possa proporcionar paz total. Não há amor que responda plenamente aos desejos mais profundos. Não há profissão que possa satisfazer totalmente nossas aspirações.

 Não é possível ser amados por todos. A nostalgia pode ter efeitos positivos. Permite-nos descobrir que nossos desejos vão além daquilo que hoje podemos possuir e desfrutar. 

 Ajuda-nos manter aberto o horizonte de nossa existência para algo pleno e maior do que já conhecemos. Ao mesmo tempo, nos ensina não pedir da vida o que ela não possa nos dar, não esperar das relações o que elas não nos podem proporcionar. 

A nostalgia não nos deixa viver acorrentados unicamente a este mundo. É fácil viver abafando o desejo de infinito que lateja no nosso ser. Encerramo-nos em uma casca que nos torna insensíveis àquilo que possa haver além do que vemos e tocamos. 

A festa de Natal, vivenciada desde a nostalgia, cria um clima diferente: nestes dias se percebe melhor a necessidade de lar e segurança. Entrando um pouco em contato com seu coração, intui que o mistério de Deus é nosso destino último. 

 Se formos crentes, a fé nos convida nestes dias a descobrir esse mistério, não num país estranho e inacessível, mas em uma criança recém-nascida. Simples e incrível. Temos de aproximar-nos de Deus como nos aproximamos de uma criança: de forma suave e sem barulho; sem discursos solenes, com palavras simples nascidas do coração. 

Encontrarmo-nos com Deus quando abrimos lhe o melhor que há em nós. Apesar do tom volúvel e superficial que se cria em nossa sociedade, o Natal pode nos aproximar de Deus. Só, se o vivemos com uma fé simples e coração limpo.

 Tradução: Katiuska Serafin

http://cajueirocerrado.blogspot.com.br/2015/12/a-nostalgia-do-natal-por-jose-antonio.html






22.12.15

Venezuela responde a Macri y le recuerda que es una nación líder en DD.HH.

Rechaza Venezuela injerencia de Argentina durante cumbre del MERCOSUR

https://www.youtube.com/watch?time_continue=520&v=UzS47XZ5HBs 
Publicado em 21 de dez de 2015

Asunción acoge este lunes la Cumbre de Jefes de Estado del Mercado Común del Sur (Mercosur), en la que los países integrantes del bloque discuten, entre diversos puntos, la ampliación de las relaciones económicas con Rusia, China y la Unión Europea (UE). El presidente anfitrión del evento, Horacio Cartes, fue el encargado de recibir a sus homólogos de Brasil, Dilma Rousseff; Uruguay; Tabaré Vázquez; Argentina, Mauricio Macri y Bolivia (país en proceso de adhesión), Evo Morales. Por su parte, la canciller de Venezuela, Delcy Rodríguez, rechazó las declaraciones injerencistas del presidente de Argentina, Mauricio Macri, quien abogó por la liberación de los responsables de los actos violentos que se registraron en Venezuela durante 2014 y que dejaron un saldo de 43 fallecidos. teleSUR.


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Venezuela responde a Macri y le recuerda que es una nación líder en DD.HH.

La canciller Delcy Rodríguez ratificó que en su nación existen poderes públicos que deben ser respetados por la comunidad internacional. 

  La canciller venezolana, Delcy Rodríguez rechazó las declaraciones injerencistas del presidente de Argentina, Mauricio Macri, quien abogó por la liberación de los responsables de los actos violentos que se registraron en Venezuela durante 2014 y que dejaron un saldo de 43 fallecidos.    "Usted está haciendo injerencismo sobre los asuntos de Venezuela", aseveró Rodríguez durante la XLIX Cumbre del Mercado Común del Sur (Mercosur) que se desarrolla en Paraguay.  

La ministra de Relaciones Exteriores explicó ante los presentes que entre las personas a las que Macri defiende se en encuentra Leopoldo López, y un grupo de personas que organizaron las conocidas guarimbas en las que se que se usaron bazucas, incendiaron sedes de instituciones gubernamentales y centros de servicios públicos y atentaron contra el acceso de los venezolanos al servicio de alimentación y educación.

Con relación a esto y a las pretensiones de injerencia de Macri, la representante de Venezuela destacó que en su país existen poderes públicos que deben ser respetados por la comunidad internacional, las cuales actuaron dentro del marco de la ley a la hora de juzgar a los que hoy se encuentran en prisión.

La funcionaria venezolana resaltó que existe el derecho a la autodeterminación de los pueblos y que en su nación prevalece el respeto a los derechos humanos.     Asimismo, expresó su sorpresa por la reciente imputación de la presidenta de Madres de Plaza de Mayo, Hebe de Bonafini, por llamar a la manifestación pacífica en contra del gobierno de Macri.    Recordó además los crímenes que han quedado sin resolver desde la dictadura argentina. 


"Si nosotros vamos a hablar de derechos humanos de forma franca como lo pidió el presidente Macri, tenemos que hacerlo sin doble estándar y sin doble moral, tenemos que hacerlo con sinceridad. No podemos hablar de derechos humanos para defender a los violentos causantes de hechos de naturaleza terrorista, y para criminalizar o penalizar las protestas sociales", sentenció la canciller.


eguidamente, añadió que desde su nación han propuesto que se acepte el acceso gratuito a la educación, a la salud y vivienda como un derecho humano fundamental.    Aseguró también que en materia de derechos humanos "Venezuela es modelo hoy en el mundo, no existe país que tenga programas sociales como los que tiene Venezuela, por encima de las agresiones mediáticas", concluyó.    Crecimiento de la economía regional

Durante su alocución, Rodríguez instó a las naciones del Mercosur a fortalecer la economía suramericana y la moneda local, más allá de apoyar las medidas extranjeras que perjudican a los países emergentes.    La canciller venezolana invitó a los presentes a cuestionarse "¿por qué no hemos fortalecido el Banco del Sur pero estamos fortaleciendo organismos internacionales financieros que atentan directamente contra nuestros pueblos"?.    Ante este escenario, invitó a los países miembros del Mercosur a complementar sus potencialidades económicas, comerciales y financieras en beneficio de los pueblos y no de las transnacionales.    "Se trata de empoderar al pueblo. El poder político en manos del pueblo ejerciendo directamente el poder (...) La complementariedad de nuestras potencialidades económicas, comerciales, financieras en beneficio de nuestros pueblos, no de transnacionales. Dos modelos están presentes acá", expuso.

Indicó que la debacle de los precios petroleros, entre otros aspectos de la economía nacional e internacional, no debe ser utilizado como excusa para recurrir a los modelos neoliberales, que han hecho daño a los pueblos.

En contexto
  La capital de Paraguay, Asunción, acoge este lunes la Cumbre de Jefes de Estado del Mercado Común del Sur (Mercosur), en la que los países integrantes del bloque discutirán la ampliación de las relaciones económicas con Rusia, China y la Unión Europea (UE).

http://www.telesurtv.net/news/Venezuela-rechaza-declaraciones-injerencistas-de-Macri-en-Mercosur-20151221-0014.html

Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz