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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

20.10.14

A disputa eleitoral de 2º turno no RS: sobre a falácia de composição de Sartori

A disputa eleitoral de 2º turno no RS: sobre a falácia de composição de Sartori

outubro 20, 2014

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Paulo César Carbonari (*)

O Rio Grande do Sul passa por um revival político-eleitoral. Aquele que se diz o Estado mais politizado corre o risco no segundo turno das eleições de 2014 de tomar decisões políticas na mesma direção que há mais de uma década, em 2002 [não precisa de muita memória para saber a que a decisão da maioria levou naquela ocasião]. Entre os muitos aspectos que poderia comentar, um me interessa refletir, talvez fazendo uso de algumas "manias" aprendidas nos muitos anos que tenho dedicado ao ensino de lógica formal e à atenta observação da vida política: a posição do candidato do "partido do Rio Grande".

Um dos capítulos da lógica formal é o estudo das falácias. Elas eram tidas pelo conhecido fundador da lógica formal no Ocidente, Aristóteles, como de "conhecimento aparente, mas não real" (Metafísica, 1004b, 20). Entre as muitas já classificadas por ele e pelos lógicos ao longo da história está a composição, uma das falácias típicas da transferência de aspectos linguísticos, travestindo-os de roupagem lógica. Ela consiste em tomar o que somente pode ser tido como aceitável a uma parte como sendo válido para o todo [na linguística também se confunde com que os latinos chamavam de pars pro toto – que não é pars in toto]. O lógico alerta que aquele que comete falácias até pode convencer, mas com pseudo-argumentos ou com argumentos que não são rigorosamente argumentos, visto serem apenas "aparentes". O lógico, de modo geral, não tem a força para fazer a correção da realidade, serve-lhe apenas de alerta!

Um dos capítulos mais caros da política se dedica a compreender as bases da democracia, seja ela representativa, participativa, ou de qualquer tipo, sempre democracia, e sua diferença estrutural e fundamental em relação a todos os tipos ou formas de ação que lhe sejam contrários, entre os quais o totalitarismo. Até se poderia dizer que depois das experiências de totalitarismo vividas no século vinte a humanidade passa a ter na democracia um valor universal que leva a quase tê-lo por sinônimo da política [enquanto o totalitarismo viria a ser o seu oposto, sinônimo de anti-política]. No núcleo da ideia de democracia está a diversidade, a pluralidade, a divergência, o conflito, mas também a busca de alternativas comuns mediante acordos fundados no convencimento mútuo [não no pseudo-convencimento falacioso]. Seu avesso, o totalitarismo, consistiria exatamente num certo tipo de crença de que alguém seria capaz de incorporar a vontade comum, a vontade do povo, constituindo-se na expressão máxima do querer deste povo, de modo a prescindir dele, exceto como massa de manobra propagandística. Aqui a "composição" viria no sentido de fazer com que a diversidade dos/as do povo redunde diluída numa "democracia fuzzy".

Bem, com todos os riscos que corro ao resumir assuntos tão complexos nesta brevíssima reflexão, sigo consciente de ter acumulado elementos para a análise de aspectos da disputa eleitoral de segundo turno das eleições majoritárias de 2014 no Rio Grande do Sul. Nelas um dos candidatos, o "gringo" bonachão, o Sartori, aquele cujo "partido é o Rio Grande", apresenta-se como uma "composição", tanto em sentido lógico quanto político. É sobre isto que me interessa lançar o olhar, lógico e político.

O candidato diz que seu partido é o Rio Grande. Ao fazer isso, comete uma falácia lógica chamada "composição" porque toma o que é uma parte como sendo o todo. Ele é de um partido, o PMDB, que de longe não é o todo, o Rio Grande. Aliás, o Rio Grande nunca foi e nunca será somente esta parte que se quer todo. Ao proceder desta forma, confunde a gaúchos e gaúchas como se quem tivesse algum partido diferente deste devesse se retirar da condição de gaúcho ou gaúcha. Em outras palavras, "naturalmente", por ser gaúchos e gaúchas ter-se-ia que ser do "partido do Rio Grande" e quem não é do "partido do Rio Grande" provavelmente não seria gaúcho ou gaúcha. Isso põe a cada gaúcho e a cada gaúcha numa situação logicamente nada confortável e profundamente contraditória: ou é do "partido do Rio Grande" ou não é gaúcho e nem gaúcha. A falácia está em tomar a parte pelo todo: o PMDB é um partido e seu candidato, Sartori, é candidato de um partido, o PMDB, portanto, de uma parte dos gaúchos e gaúchas, aqueles/as que democraticamente comungam das propostas deste partido, de modo que todos/as que delas não comungam têm o direito e até a responsabilidade de seguir a outros partidos. Afinal, simples assim: o Rio Grande é muito mais do que um partido, qualquer que seja ele. Mais do que isso, a grandeza do Rio Grande está exatamente em abrigar democraticamente a diversos partidos; é isto que o faz democrático.

O sentido político já se revela no que se disse no final da análise lógica: o fato de indicar para não precisa de alternativas, o tentar pôr em contradição a quem pensar em assumir alternativa que não seja a de aderir ao "partido do Rio Grande" mostra uma postura pouco, para não dizer, nada, democrática. Em política democrática não existe a possibilidade de partido único e nem mesmo de alternativa única. A democracia é exatamente o reconhecimento da diversidade como princípio, meio e fim. É da democracia a existência de diversos partidos e a necessária e salutar divergência entre eles, além das tão salutares e necessárias dinâmicas políticas para mediar estes conflitos e divergências de modo a, pelo diálogo e pela argumentação consistente e verdadeira, propor-se a chegar a soluções comuns. Em política, em democracia, a "composição" é o fim da política, pois faz das diferenças e das divergências apenas disfarces. Ela faz como que os contornos se tornem difusos, confusos e desfocados, quando não disfarçados, se tornem fuzzy. Democracias precisam de contornos, mesmo que não absolutamente e completamente definidos, mas ao menos identificáveis, focáveis, de modo a saber onde começa e onde termina a posição de cada posição, de cada partido, sob pena de deixar de ser uma posição e querer se tornar a posição dos todos [nunca possível e nem desejável democraticamente].

Por justiça, nem todo revival é ruim. Muitos são memórias do que de melhor vivemos como experiência pessoal e coletiva, como experiência política. Mas, todo revival que remete para um passado para o qual nossos juízos reflexivos cobram a responsabilidade moral e política do que já não queremos reviver, é um revival indesejável. O assombro de Arendt diante de Eishmann é, talvez, salvas as proporções, o mesmo que intriga sobremaneira a todos/as quantos/as desenvolveram juízos morais e políticos que indicam para a superação de todas as disfarçadas de democracia, mesmo aquelas recobertas de ampla e bondosa generosidade. Aqueles/as cujos juízos reflexivos convocam contra práticas não democráticas estão chamados a não deixar o Rio Grande ser transformado numa Piazza ou num Estádio extasiados diante dos "braços abertos" e dos clamores da "união de todos".

Em política, a união se expressa na crença de que todos/as estamos juntos/as na diversidade, na pluralidade, em diferentes posições, em diferentes partidos. Que bom que seja assim, pois, sendo assim, o diálogo franco e aberto será capaz de favorecer à diversidade, às diferenças, na busca do comum como projeto e não como condição. Prefiro o "positivo": ele indica, como aos gladiadores depois da luta, que seguiremos vivos e produzindo mais vida, em luta!

(*) Professor de Filosofia. Passo Fundo, 20 de outubro de 2014.


http://rsurgente.wordpress.com/2014/10/20/a-disputa-eleitoral-de-2o-turno-no-rs-sobre-a-falacia-de-composicao-de-sartori/


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz