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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

28.8.14

Lei da Anistia: uma excrescência que já dura 35 anos

28/ago/2014, 8h27min

Lei da Anistia: uma excrescência que já dura 35 anos

Vlado sob a guarda e responsabilidade do Estado

Vladimir sob a guarda e responsabilidade do Estado

Milton Ribeiro

A Lei da Anistia, que completa 35 anos nesta quinta-feira (28), é um dos passos mais polêmicos e importantes no processo final da ditadura militar no Brasil, que durou de 1964 a 1985. Ela foi aprovada sob grande pressão popular, a qual tinha como finalidade a redemocratização do país. Ao ser sancionada pelo governo militar, a lei permitiu que políticos, artistas e intelectuais exilados ou banidos voltassem ao país. Porém, os presos políticos acusados de atos terroristas, assaltos a banco e sequestros não foram soltos de imediato, pois a lei vetava suas absolvições.

Mas há ainda um segundo porém, muito mais profundo: a Lei da Anistia também servia aos interesses militares, ao impedir que estes fossem levados a julgamento por crimes de tortura e morte. Este último ponto — na época vendido como fundamental para a pacificação do país — é ponto de discórdia até hoje.

A Lei permitiu o retorno de 150 pessoas banidas e 2 mil exiladas, que até então não podiam voltar ao país sob o risco de serem presas.

A Lei diz assim:

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

§ 1º – Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

§ 2º – Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.

§ 3º – Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do art. 3º.

(…)

Art. 3º O retorno ou a reversão ao serviço ativo somente deferido para o mesmo cargo ou emprego, posto ou graduação que o servidor, civil ou militar, ocupava na data de seu afastamento, condicionado, necessariamente, à existência de vaga e ao interesse da Administração.

Resumo do processo que resultou na Lei

Após o período mais duro da repressão, sob a vigência do Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968, o governo militar iniciou uma "abertura política lenta e gradual", expressão da época. Isso não veio de graça: contribuíram para tanto as manifestações populares que tomaram conta do país, bem como a crise interna no regime devido aos assassinatos do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho, ocorridos sob torturas no dentro de sedes do DOI-CODI — órgão de repressão do governo — em 1975 e 76.

Manuel Fiel Filho

Fugindo à censura, pela primeira vez foram veiculadas denúncias de torturas e mortes. Contribuíram para isso a pressão de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Mas a abertura era efetivamente lenta e só em 1978 foi criado no Rio de Janeiro o CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia), que congregava várias entidades da sociedade civil, com sede na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O objetivo era o de forçar o governo a conceder "perdão" às pessoas acusadas de crimes políticos, de modo a permitir que estas fossem soltas e que os exilados voltassem ao país. Entre os exilados estavam políticos como Leonel Brizola, intelectuais como Darcy Ribeiro e Paulo Freire e o sociólogo e ativista político Herbert José de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henfil. Ele é citado nos versos da música "O Bêbado e o Equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc, gravada por Elis Regina em 1979:

Meu Brasil!…
Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora,
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias (referência à Maria da Conceição de Souza, mãe de Henfil e de Herbert de Souza)
E Clarices (referência a Clarice Herzog, mulher do jornalista Vladimir Herzog)
No solo do Brasil…

O surgimento da Lei

Desde o início do regime, em 1964, políticos e intelectuais que se opunham ao golpe militar tiveram seus direitos políticos cassados. Outros militantes viram na clandestinidade e na luta armada a única forma de combater a repressão. No Brasil e no exterior foram formados comitês que reuniam filhos, mães, esposas e amigos de presos políticos para defender uma "anistia ampla, geral e irrestrita" — outra expressão da época –,  a todos os brasileiros envolvidos. Em junho de 1979, o governo João Batista Figueiredo encaminhou ao Congresso Nacional o seu projeto de anistia.

Em 22 de agosto de 1979, em sessão tumultuada, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados. Na época, havia apenas dois partidos legitimados pelo governo: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que apoiava a ditadura e tinha maioria no Legislativo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que lhe fazia oposição. Fora do Congresso, em vários presídios do país, presos políticos faziam greve de fome em protesto pela aprovação da lei. Seis dias depois, a lei foi finalmente sancionada. A maioria comemorou-a como uma importante vitória contra a ditadura.

Brizola voltando do exílio

Brizola voltando do exílio

Deste modo, não apenas os torturados e exilados que não participaram da luta armada podiam circular livremente, mas também os torturadores e assassinos que trabalharam a serviço do regime. A oposição do antigo MDB criticava o fato de que a anistia era estendida aos torturadores, além de não dar garantias de que os servidores públicos prejudicados pelos atos institucionais retornassem normalmente às suas atividades.

Um olhar retrospectivo sobre a Lei da Anistia ajuda a explicar seus paradoxos: ela foi promulgada durante a ditadura, em 1979. Ou seja, ela já existia há quase dois anos quando do frustrado atentado do Riocentro, perpetrado por militares da linha dura do governo. O Congresso estava manietado, com partidos na ilegalidade e a oposição no exílio. A Lei da Anistia faz parte da ditadura e…

Protegido pela Leia da Anistia, o Coronel Ustra comandou Operações Bandeirantes, em São Paulo.

Protegido pela Leia da Anistia, o Coronel Ustra comandou Operações Bandeirantes, em São Paulo.

Hoje

Passados 35 anos, ainda hoje é discutido seu teor. Muitos ex-presos políticos na ditadura, além da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), argumentam que a lei não pode se estender aos crimes comuns praticados por agentes da repressão contra opositores políticos. Já o Ministério da Defesa, a Advocacia Geral da União (AGU) e o Ministério das Relações Exteriores dizem que a anistia não pode ser revogada, porque ela é anterior aos efeitos da Constituição de 1988. A tortura estaria incluída em "conexo" aos crimes políticos.

Com isso, diferentemente de outros países que também viveram sob ditadura e que julgaram seus torturadores, como a Argentina e o Chile,  no Brasil apenas o militar reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra foi processado por crimes de tortura. Ele chefiou o Destacamento de Operações de Informações (DOI) de São Paulo, de 1970 a 1974. Ustra foi declarado culpado pela Justiça comum, mas o processo foi suspenso no STJ há seis dias.

A opinião do coordenador da Comissão Estadual da Verdade do RS

A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela presidente Dilma Rousseff a fim de apurar e revelar as violações a direitos humanos praticadas no período compreendido entre 1946 e 1988.

Carlos Frederico Guazzelli, coordenador da Comissão Estadual da Verdade/RS, fala sobre os "crimes conexos".

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Carlos Frederico Guazzelli | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

"De forma injustificável, concedeu-se anistia aos que praticaram os chamados "crimes conexos", ou seja, os delitos "…de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política…", dentre eles, os praticados pelos agentes do sistema repressivo montado pelos governos ditatoriais, a saber: sequestros, prisões ilegais, torturas, mortes e desaparecimentos forçados de milhares.

"Tratam-se estes de crimes de lesa humanidade, infrações que ofendem diretamente os bens jurídicos de maior hierarquia, ligados que são à própria condição humana, à dignidade da pessoa, violada irremediavelmente por tais condutas – que, não por outra razão, são considerados pelo Direito Penal Internacional, e pelo Direito Humanitário, delitos imprescritíveis e insuscetíveis de anistia, indulto ou qualquer outra forma de perdão.

"Esta é a razão pela qual o dispositivo do artigo 1º, § 1º, da chamada Lei de Anistia, ao excluir da apreciação do Poder Judiciário os mais horrendos crimes perpetrados na história recente do país, continua e continuará sendo impugnado pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelos Procuradores da República, que honram assim seu compromisso com a defesa da ordem jurídica e o Estado Democrático de Direito.

"Por este motivo, igualmente, nosso país foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, uma vez que frente à ordem jurídica internacional disposições legais daquele jaez não podem produzir quaisquer efeitos jurídicos.

"E é também por isso que se espera que, em breve, a consciência jurídica e moral dos brasileiros, tocada pelas revelações que a Comissão Nacional da Verdade apresentará nos próximos meses sobre as gravíssimas violações de direitos praticadas durante a ditadura, desperte para a premente necessidade de afastar os óbices que ainda impedem a responsabilização criminal de seus autores – condição indispensável para a plena e verdadeira reconciliação nacional."

Porém…

No último dia 22 de agosto, o Globo noticiou algo extraordinário. À revelia da Comissão da Verdade, o comandante do Exército, general Enzo Peri, simplesmente proibiu os quartéis de colaborar com as investigações sobre as violências praticadas em suas dependências durante o regime militar. Em ofício datado de 25 de fevereiro, o general determinou que qualquer solicitação sobre o assunto seja respondida exclusivamente por seu gabinete, impondo silêncio às unidades. Por entender que a medida é ilegal, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ) vai pedir à Procuradoria Geral da República que ingresse com representação contra o comandante.

Ou seja, 35 anos depois,o caso Ustra e a ordem do general Peri demonstram que a Lei da Anistia ainda participa de nossas vidas, protegendo a impunidade.


http://www.sul21.com.br/jornal/lei-da-anistia-uma-excrescencia-que-ja-dura-35-anos/


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz