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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

28.8.17

Fux e a inconstitucionalidade flutuante: o financiamento de campanhas políticas

Fux e a inconstitucionalidade flutuante: o financiamento de campanhas políticas
Sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Fux e a inconstitucionalidade flutuante: o financiamento de campanhas políticas

Foto: Carolos Humberto/STF

Em entrevista concedida ao jornalista Roberto D'Avila em agosto de 2017, o Ministro Luiz Fux afirmou que, não obstante ter sido o relator do caso sobre financiamento de campanha no Supremo Tribunal Federal, agora entende ser possível a doação por pessoa jurídica de direito privado. Uma única condição foi levantada: "desde que ela o faça por sua própria ideologia."

Segundo o ministro, o que o STF buscou coibir com o julgamento da ADIn n. 4.650 era a prática reiterada de doações por empresas a diversos candidatos que concorriam no pleito eleitoral. Ressalta que era comum que uma mesma pessoa jurídica financiasse diversos candidatos, ainda que estes fossem filiados a partidos políticos antagônicos: faltava ideologia, sobrava troca de favores.

Durante a tramitação da ação proposta pelo Conselho Federal da OAB, o ministro, em sua condição de relator, convocou uma audiência pública para tratar do assunto. Naquela oportunidade diversas autoridades na matéria, incluindo a autora que assina o presente artigo, alertaram para a falta de substrato constitucional no pedido formulado.

Embora o princípio da máxima igualdade na disputa eleitoral seja um elemento estruturante do quadro constitucional, o então sistema misto de financiamento de campanhas não contrariava a Constituição. Nada em seu texto e em suas normas permite reconhecer a incompatibilidade material da doação por empresas para campanhas e partidos. As pessoas jurídicas, ao contrário, são titulares de interesses legítimos que não se confundem com os de seus sócios e podem, dentro dos limites da legalidade, influenciar a promoção de políticas públicas que as beneficiem – bem como, em sentido oposto, se posicionar contra aquelas que as desfavoreçam.

O que existia, e ainda existe, é uma falha administrativa do Estado em não controlar as transferências de valores entre atores privados e atores públicos e os contratos administrativos. A solução adequada seria promover um sistema de prestação de contas mais eficiente e fazer cumprir as normas de licitações e contratos públicos. A implementação dessa solução, entretanto, passa ao largo da jurisdição constitucional do STF; a promoção de mudanças político-jurídicas dentro da seara eleitoral está para além de suas competências.

E nem se alegue uma potencial legitimação democrática dos ministros em razão da judicialização da política. Discutir qual é o melhor modelo de financiamento de campanha ou buscar aperfeiçoar as regras do jogo democrático em sede judiciária é ir muito além da judicialização. O STF não pode decidir sobre como tornar a política "melhor" de acordo com seus próprios critérios de moralidade. O fórum eleito pela Constituição para esse debate é o parlamento.

Em que pese todos os argumentos contrários levantados pelos estudiosos do direito e da política – e a ausência de modelo constitucional de financiamento da política –, os ministros resolveram deixar o pragmatismo falar mais alto. As teses jurídicas foram diminuídas e as consequências políticas prevaleceram: o STF construiu, vacilante, uma "inconstitucionalidade" por imoralidade.

Um dos principais pontos levantados pelo Ministro Fux durante o julgamento da ADIn n. 4.650 foi sobre a possibilidade das pessoas jurídicas influírem no processo eleitoral enquanto participantes da cidadania. Para o ministro, ao menos naquela época, as empresas tão somente distorciam o processo eleitoral, fazendo com que aqueles que concentram mais recursos gozem de maior probabilidade de êxito nas eleições. Assim, o STF disse, sem maiores fundamentos constitucionais, que as pessoas jurídicas não possuem um interesse legítimo em participar do processo eleitoral.

Cabe lembrar ao leitor que a Constituição utilizada pelo STF como parâmetro para o julgamento daquela ação é a mesma que agora parece autorizar o financiamento por empresas, ao menos para o ministro relator, e respeitando, é claro, a condição da "ideologia" política da pessoa jurídica, o que quer que isso possa significar (talvez tenhamos que esperar nova manifestação constituinte da Corte). O texto constitucional não mudou, nem se passou tanto tempo. O controle de constitucionalidade, para o Supremo (ou, ao menos, para alguns de seus membros), tornou-se um instrumento com reflexos flutuantes e instáveis, algo móbile e fluido, adaptável para qualquer argumento pragmático, ainda que pouco adequado para fundamentação jurídica.

O que mudou, então, para justificar a nova leitura do Ministro Fux? A questão parece estar nos efeitos colaterais da decisão. A reforma política bateu à porta, mais uma vez. O Brasil já se acostumou, as regras do jogo estão sempre mudando. É mais fácil alterar a legislação do que enfrentar o problema. É mais fácil julgar a doação por empresas inconstitucional do que levar a sério a prestação de contas. Tudo continua igual. A tônica sempre foi a instabilidade e o eterno retorno à mudança legislativa.

O Ministro Fux, que também atua no TSE, parece ter percebido o que deveria ter levado em conta anos antes. O diálogo institucional falhou. Quando o diálogo entre o Supremo e a sociedade deixa a desejar, sobra espaço para os poderes individuais dos ministros. E agora, valendo-se dessa prerrogativa nada democrática nem republicana, reconhece o erro e pede para ser provocado a corrigi-lo.

O ministro subestimou as necessidades partidárias. A frase de Oliver Wendell Holmes é exemplar: "A mente do homem, uma vez ampliada por uma nova ideia, jamais retorna à sua dimensão original." Tal como a mente do homem, o caixa dos partidos políticos, uma vez ampliado por maiores quantias de dinheiro, jamais retorna à sua dimensão original. A classe política, inevitavelmente, iria achar outro meio de suprir suas necessidades, era apenas uma questão de tempo e oportunidade. Achou, segundo o substitutivo da PEC 77 aprovado na Comissão de Reforma Política da Câmara dos Deputados, no orçamento público.

Falar em "revisão" da decisão do Supremo é um acinte. A Constituição já não importa para o seu auto-denominado protetor máximo. A irrelevância das decisões constituintes é reafirmada a cada decisão, a cada entrevista. Em face da nova "interpretação", e retomando o argumento do voto do Ministro Fux na ADIn quanto ao princípio da isonomia entre empresas e demais pessoas jurídicas, talvez passe a ser considerada inconstitucional a vedação de doações por sindicatos e entidades religiosas (ou essas pessoas jurídicas não possuem "ideologia"?), mas nunca se sabe. Em relação ao Supremo Tribunal Federal, até o passado é incerto.

Eneida Desiree Salgado é Professora de Direito Constitucional e Eleitoral na Faculdade de Direito da UFPR.

João Victor Archegas é Graduando da Faculdade de Direito da UFPR. Bolsista de Iniciação Científica.

http://justificando.cartacapital.com.br/2017/08/25/fux-e-inconstitucionalidade-flutuante-questao-do-financiamento-de-campanhas-politicas/

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz