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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

6.6.14

Agroecologia, uma utopia real | Envolverde

Agroecologia, uma utopia real


por Selvino Heck*


Quando a multidão chegou na beira do São Francisco e subiu a ponte que une/separa Juazeiro, Bahia, de Petrolina, Pernambuco, e começou a cantar ‘Irá chegar um novo dia/ Um novo céu, uma nova terra, um novo mar./ E nesse dia os oprimidos/ a uma só voz irão cantar’ (Axé – Irá chegar, de Vera Lúcia), as lágrimas começaram a rolar. Era a caminhada dos participantes do III ENA (Encontro Nacional de Agroecologia), promovido pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), de 16 a 19 de maio, em Juazeiro, Bahia. O tema do III ENA não podia ser mais sugestivo: CUIDAR DA TERRA, ALIMENTAR A SAÚDE, CULTIVAR O FUTURO.

Segundo Paulo Petersen e Sílvio Gomes de Almeida, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) dos anos 1970/1980, três princípios de ação podem ser encontrados nas práticas metodológicas que orientam atualmente organizações do campo agroecológico: as CEBs organizavam suas ações a partir das questões colocadas pelas famílias; as iniciativas das famílias e as formas de cooperação local são voltadas para otimizar o uso dos recursos locais para a construção de autonomia material e conhecimento nas comunidades rurais; as CEBs enraizavam suas ações nas práticas de convívio social pré-existentes nas comunidades, com plena participação dos membros das comunidades nos processos de participação de suas próprias realidades.

“Foi exatamente a partir da valorização dos ambientes locais de organização sócio-política criados pelas CEBs que o ‘movimento agroecológico’ no Brasil deu seus primeiros passos. Assim como os principais movimentos do campo, grande parte das ONGs hoje dedicadas à promoção da Agroecologia tiveram suas origens ligadas aos grupos constituídos pelas CEBs, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT)” (Paulo Petersen, Sílvio Gomes de Almeida, Rincões transformadores – Trajetória e desafios do movimento agroecológico brasileiro, março/2006).

Tinha, pois, todo sentido os romeiros cantarem ‘Um novo céu, uma nova terra’. Estavam com um olho no futuro, outro olho no chão da vida e da realidade. Foi assim que começou, cresceu o movimento agroecológico brasileiro, hoje força inovadora e poderosa e um movimento cada vez mais presente no Brasil.

A agroecologia é uma nova utopia real. Estamos em falta. Nas últimas décadas, houve a luta pela Anistia, as Diretas-Já, a Constituinte, o Orçamento Participativo, a campanha de 1989, a eleição de Lula, o Fome Zero. Mobilizaram energias, encantaram a sociedade.

Maria Emília Pacheco, representante da ANA que coordenou a Mesa de abertura e presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), fez a pergunta que orientou os participantes do ENA: ‘Por que interessa à sociedade apoiar a agroecologia?’ Ela própria começou a responder: “Chegamos com as chuvas, os festejos de São João, para falar, mostrar, trocar, cuidar da terra, alimentar a saúde e cultivar o futuro. Somos duas mil pessoas, destas 70% são agricultores e agricultoras e, destes, 50% são mulheres. Somos indígenas, agricultores familiares, lutadores sociais, pescadores, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas, assentados e acampados, convidados, apoiadores, dizendo que é preciso e urgente cuidar da terra, alimentar a saúde, cultivar o futuro.”

As mulheres realizaram plenária debatendo a desigualdade de gênero e o machismo e proclamando: “Sem Feminismo, não há agroecologia”. Aconteceu a Feira de Saberes e Sabores, a troca de sementes e experiências. Nas palavras de Noemi Krefta, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC): “Não são nichos, mas experiências bastante visíveis, trazem o enfrentamento organizado ao modelo tradicional, mas também se expressam nas sementes resgatadas e partilhadas, nas plantas medicinais, nos pequenos animais, nos alimentos saudáveis, na preservação da água, do espaço e ambiente onde vivem, retomam a cultura de povos e etnias, seja na música, na dança. É afirmação das identidades de cada espaço.”

Ao final do ENA, foi lida a Carta Política, entregue ao Ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República. O ministro Gilberto falou: “Vocês são o anúncio de uma nova sociedade, onde o ser vai ser mais importante que o ter. Vocês são a vanguarda e nos mostram o futuro.” Disse que iria entregar a Carta para a presidenta Dilma Rousseff e afirmou que “as propostas são positivas para a sociedade que queremos implantar neste país”.

A agroecologia é um dos elementos fundantes de uma utopia real. Como falei na abertura do Encontro, em nome da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), utopia, porque é sonho de uma sociedade com valores como a cooperação, a solidariedade. Utopia, porque está sempre no horizonte. Quando se chega lá no horizonte, este se alargou e, como diz o escritor uruguaio Eduardo Galeano, continua lá longe à nossa espera, e nós em sua busca. Real, porque está na realidade e no chão da vida. Não é apenas sonho longínquo, inalcançável. Produzem-se, comercializam-se, comem-se alimentos saudáveis, sem veneno, não transgênicos. Utopia real: sua construção está nas mãos dos que plantam e produzem e nas mentes e corações dos lutadores/as, sonhadores/as. Sonho, utopia, realidade, valores, alimentos, vida fundem-se num novo tempo de esperança para a humanidade.

Ao som de Petrolina, Juazeiro de Luiz Gonzaga – Petrolina, Juazeiro, Juazeiro, Petrolina/ Todas as duas eu acho uma coisa linda/ Eu gosto de Juazeiro, e adoro Petrolina -, e animados no forró, na dança e no canto de Sebastião Farinhada, de cantadores/as populares, dos jovens do hip-hop, o III ENA foi troca, foi debate, foi festa, foi celebração. Foi/está sendo utopia real.

* Selvino Heck é assessor especial da Secretaria-Geral da Presidência da República.

** Publicado originalmente no site Adital.

http://envolverde.com.br/ambiente/agricultura-ambiente/agroecologia-uma-utopia-real/

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz