Páginas

pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

5.6.15

A incivilidade gourmet

Política

Análise / Luiz Gonzaga Belluzzo

A incivilidade gourmet

por Luiz Gonzaga Belluzzo — publicado 01/06/2015 05h06, última modificação 01/06/2015 16h07
A hostilidade a ex-ministros mostra que a imagem mítica do brasileiro simpático só existe no samba
Luis Costa/SMCS

O ex-ministro da Fazenda Guido Mantegafoi, outra vez, hostilizado. Depois dos hospitais, as grosserias elegeram os restaurantes de São Paulo. Fâmulos da distopia da barbárie chic, os ofensores  atarraxaram a máscara da indignação para simular pertinência à vida civilizada. Em editorial publicado na terça-feira 26, aFolha de S.Paulo lamentou o "exagero" da hostilidade dirigida ao ex-ministro Guido. Ocorreu-me sugerir ao editorialista lamentar os "exageros" antissemitas de Adolph Hitler.

Esses espécimes confirmam diariamente a resposta do Mahatma Gandhi a um desavisado que desfraldou o estandarte da civilização ocidental diante de seus olhos: "A civilização ocidental teria sido uma boa ideia".

A esse episódio de incivilidade gourmet agregam-se outros momentos de extasiada celebração do próprio mau gosto, tal como a manifestação do advogado Danilo Amaral. Arrogando-se o direito de patrulhar consciências, disparou impropérios contra o ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, responsável pela implantação doPrograma Mais Médicos. Suspeito que o senhor Danilo Amaral esteja disposto a patrocinar o programa Menos Médicos.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o sociólogo espanhol Manuel Castells chegou a tempo de enfiar o dedo nas escancaradas escaras da sociedade brasileira. "O Brasil sempre foi agressivo... Nos tempos da ditadura, o debate não só era agressivo, como se torturavam pessoas com impunidade. A imagem mítica do brasileiro simpático só existe no samba. Na relação entre as pessoas, sempre foi violento. A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata."

Para os leitores de Sérgio Buarque de Holanda, o sociólogo espanhol apenas redescobre as raízes da sociedade brasileira plantadas nos terraços da escravidão, entre a casa-grande e suas senzalas. Nesse espaço da sociabilidade à brasileira germinam os grãos que cevam as hipocrisias do "homem cordial", avesso a regras e amigo da informalidade que consagra a lei do mais forte. O brasileiro "cordial" carrega em seu caráter as peculiaridades das relações de dominação que organizam a vida social no país do Carnaval, do futebol (decadente) e da sensualidade por demais exuberante para ser bem resolvida.

Diz Sérgio Buarque nas Raízes do Brasil que o pensamento liberal democrático pode ser resumido na frase de Bentham: "A maior felicidade para o maior número". A isso se opõem os valores cordiais e oligárquicos. Sob a capa do afeto, o cordialismo esconde as crueldades da discriminação e da desigualdade. Rasgado o véu conveniente da benevolência, emerge da mansidão hipócrita a inclemente violência do mandonismo e da submissão: "O senhor sabe com quem está falando?" "Coloque-se no seu lugar."

Os ululantes atacam nas ruas e nos restaurantes com as armas do preconceito, da intolerância e da apologia da brutalidade, sem falar nos atropelos à língua portuguesa. Veja o caro leitor que em restaurante de "uma região nobre de São Paulo", um aspirante à nobreza dos bairros nobres bateu panela ao discutir o valor da conta com o garçom de restaurante: "Você não pode discutir comigo porque não fez faculdade". E completou: "É por causa desses preguiçoso e analfabeto que o Brasil não vai pra frente". Descontado erro grosseiro de concordância – "desses preguiçoso e analfabeto" –, sobrou a grotesca expressão "não fez faculdade", típica do semianalfabeto com diploma de curso superior incapaz de perceber o tamanho de sua ignorância. A valorização do curso superior cumpre, hoje, a função discriminatória da era do bacharelismo: "No vício do bacharelismo", dispara Sérgio Buarque, "ostenta-se também a tendência para exaltar acima de tudo nossa personalidade individual, como valor próprio, superior às contingências."

Nos idos de 2015, os Senhores da Terra Brasilis e seus encapuçados capitães do mato entregam-se, mais uma vez, com o trovejar da fúria, aos trabalhos de revelar suas entranhas ao mundo. Na fétida exibição das tripas, a argumentação razoável cede passagem ao dedo indicador apontado para o adversário ou divergente. A personalidade autoritária que muitos sonhavam exercitar à esquerda encontrou seus espaços nos confortáveis e oportunos palanques da direita brasileira, hoje comandada por figuras de segunda classe. Exageros da cordial alma brasileira. 


http://www.cartacapital.com.br/revista/852/a-incivilidade-gourmet-4758.html


Nenhum comentário:


Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz