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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

16.9.09

texto de Pedro Casaldáliga

14.09.09 - AMÉRICA LATINA E CARIBE
 
Agenda Latinoamericana: Salvemo-nos com o Planeta

Dom Pedro Casaldáliga *

À maneira de introdução fraterna

Vinte anos atrás tratavam de ecologia umas poucas pessoas, tachadas inclusive de bucólicas ou de derrotistas. Não era um tema sério nem para a política nem para a educação nem para a religião. Podia-se venerar a Francisco de Assis como santo das flores e dos pássaros, mas sem maior compromisso.

Agora, e quem sabe se tarde demais, o mundo inteiro está-se sensibilizando, atordoado pelas notícias e pelas imagens de cataclismos atuais e de previsões pessimistas que enchem os nossos telediários. E já são muitos os congressos e os programas que ventilam como um tema vital a ecologia, desnudando as causas e urgindo propostas concretas acerca do meio ambiente. Até as crianças sabem agora de ecologia...

O tema é novo, então, e desesperadamente urgente. Acabamos por descobrir a Terra, nosso Planeta, como a casa comum, a única que temos, e estamos descobrindo que somos uma unidade indissolúvel de relações e de futuro.

Frente aos gastos astronômicos nos espaços siderais, frente ao assassino negócio do armamentismo, frente ao consumismo e luxo de uma privilegiada parcela da Humanidade, agora vamos sabendo que o desafio é cuidar deste Planeta. A última grande crise, filha do capitalismo neoliberal, embrutecido na usura e o esbanjamento, que vem ignorando cinicamente tanto o sofrimento dos pobres como as limitações reais da Terra, está-nos ajudando a abrir os olhos e esperamos que também o coração. Leonardo Boff define O grito da Terra como o grito dos pobres e James Lovelock nos avisa acerca da 'A vingança da Terra', -a teoria de Gaia e o futuro da Humanidade-. "Durante milhares de anos, diz Lovelock, a Humanidade vem abusando da Terra sem ter em conta as consequências. Agora, que o aquecimento global e o cambio climático são evidentes para qualquer observador imparcial, a Terra começa a se vingar". Estamos tratando a Terra como um assunto apenas econômico e exigimos da Terra muitos deveres, mas ignoramos os direitos da Terra.

Certos especialistas e certas instituições internacionais nos vêm mentindo. A mão invisível do Mercado não resolvia o desastre mundial. Quanto mais livre era o comercio mais real era a fome. Segundo a FAO, em 2007 havia 860 milhões de famintos; em janeiro de 2009 cento nove milhões mais. A metade da população africana subsahariana, por citar um exemplo dessa África crucificada, mal vive na extrema pobreza. A ladainha de violência e desgraças provocadas é interminável. No Congo há 30.000 meninos soldados dispostos a matar e a morrer a troco de comida; 17% da floresta amazônica foram destruídos em cinco anos, entre 2000 e 2005; o gasto da América Latina e do Caribe em defesa cresceu um 91%, entre 2003 e 2008; uma dezena de empresas multinacionais controla o mercado de semente em todo o mundo. Os Objetivos do Milênio se evaporaram na retórica e em suas reuniões elitistas os países mais ricos dizem covardemente que não podem fazer mais para reverter o quadro.

É tradição da nossa Agenda enfrentar a cada ano um tema maior, de atualidade quente. Não podíamos, logicamente, deixar de lado este tema vulcânico.

O tema é amplo e complexo. Somos nós ou é o Planeta quem está em crise mortal? Baralhamos três títulos para esta Agenda 2010 que apontam para possíveis focos. "Salvar o Planeta", "Salvaremos o Planeta?", "Salvemo-nos com o Planeta". Optamos pelo último título, porque técnicos e profetas nos vêm recordando que nós somos o Planeta também; somos Gaia, estamos despertando para uma visão mais holística, mais integral; estamos descobrindo, finalmente, que o Planeta Terra é também o Planeta Água. Um recente livro infantil intitula-se precisamente Ajudo ao meu Planeta. A salvação do Planeta é a nossa salvação, e não faltam especialistas que afirmem que o Planeta vai-se salvar seguindo o curso do Universo e, entretanto, a vida humana e todas as vidas do Planeta serão um sombrio passado.

A Agenda não quer ser pessimista, não pode sê-lo. Quer ser realista, se comprometer com a realidade e abraçar vitalmente as causas que promovem uma ecologia esperançada e esperançadora.

Essa ecologia profunda, integral, deve incluir todos os aspectos da nossa vida pessoal, familiar, social, política, cultural, religiosa... E todas as instituições políticas e sociais, em nível local, nacional e internacional, têm de fazer programa seu fundamental "a salvação do Planeta". É imprescindível uma globalização de signo positivo, trabalhando pela mundialização da ecologia. Rechaçando e superando a atual democracia de baixa intensidade urge implantar uma democracia de intensidade máxima e, mais explicitamente, uma "biocracia cósmica". Urge criar, estimular, potenciar, em todas as religiões e em todos os humanismos uma espiritualidade "profunda e total" de signo positivo, de atitude profética na libertação de todo tipo de escravidão; vivendo e militando por uma nova valoração de toda vida, da matéria, do corpo, do eros. O ecofeminismo sai ao encontro de um desafio fundamental, Gaia é feminina. Impõe-se uma nova relação com a natureza, naturalizando-nos como natureza que somos e humanizando a natureza na qual vivemos e da qual dependemos. Eu sou eu, diria o filósofo, e a natureza que me circunda.

O melhor que tem a Terra é a Humanidade, apesar de todas as loucuras que temos cometido e seguimos cometendo, verdadeiros genocídios e verdadeiros suicídios coletivos.

Propiciando essa mudança radical que se postula e proclamando que é possível outra ecologia em outra sociedade humana, fazemos nossos estes dois pontos do Manifesto da Ecologia Profunda: "A mudança ideológica consiste principalmente em valorizar a qualidade da vida -de viver em situações de valor intrínsecas- mais do que tratar incessantemente de conseguir um nível de vida mais elevado. Terá que se produzir uma tomada de consciência profunda da diferença que há entre crescimento material e o crescimento pessoal independente da acumulação de bens tangíveis". E acrescenta o Manifesto: "Quem subscreve os pontos que se enunciam no Manifesto tem a obrigação direta ou indireta de agir para que se produzam estas mudanças, necessárias para a sobrevivência de todas as espécies do Planeta", incluindo «a santa e pecadora» espécie humana.

Militantes e intelectuais comprometidos com as grandes causas estão preparando uma Declaração Universal do Bem Comum Planetário que se expressa através de quatro pactos: 1) O Pacto ecológico natural, responsável de proteger a Terra. 2) O Pacto ecológico social, responsável de unir todas as esperanças e vontades. 3) O Pacto ecológico cultural, que deve estar baseado na promoção do pluralismo, da tolerância e do encontro da Humanidade com os ecossistemas, os biomas, a vida do Planeta. 4) O Pacto ecológico ético espiritual, fundado na dimensão do cuidado, a compaixão, a corresponsabilidade de todos com tudo.

Devemos escutar o que nos dizem simultaneamente as novas ciências e as novas teologias. Queremos viver este kairós ecológico de militância e de mística com o Deus de todos os nomes e de todas as utopias.

Com Jesus de Nazaré muitos libertários, profetas e mártires em Nossa América nos precedem e nos acompanham nesta marcha pelo deserto para "a Terra sem Males".

É uma utopia absurda? Só utopicamente nos salvaremos. A arrogância dos poderes, o lucro desenfreado, a prepotência, as claudicações, vêm a nos desanimar; mas nós nos negamos ao desânimo, à corrupção, à resignação. A Pacha Mama e Gaia estão vivas, são vivificadoras. Nenhuma estrutura de morte terá mais poder que a Vida.

Pedro CASALDÁLIGA


* Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz