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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

22.3.15

João Pedro, o Stédile

22/mar/2015, 9h17min

João Pedro, o Stédile

Por Selvino Heck


Sou do tempo em que João Pedro era apenas João Pedro, sem o Stédile, Olívio sem o Dutra, Miguel sem o Rossetto, Tarso Genro apenas Tarso. Mas isso faz muito tempo.

Conheci João Pedro, ou Stédile, nos idos de 1973. Ele era estudante de Economia da PUCRS em Porto Alegre, à noite, eu de Teologia, de manhã, mesmo prédio. E o conheci de uma maneira hoje inimaginável. Escrevo desde sempre, em especial poesia, e era o responsável pelo mural da Faculdade, onde cada um publicava seus escritos ou expressava suas bobagens (eu tinha feito o mesmo no saudoso O Observador, no Seminário Seráfico de Taquari, RS).

Dia 11 de setembro de 1973 (ou 12, ou 13) publiquei um poema em homenagem a Salvador Allende, 'suicidado' pelo golpe militar. João Pedro leu o poema, gostou, encontramo-nos nos corredores da Universidade, juntamos um grupo de companheiras e companheiros para atuar no movimento estudantil da PUCRS, então altamente conservador. Em 1974, ele terminou o curso de Economia, foi fazer pós-graduação na UNAM, México.

Continuei nas lutas estudantis, tornei-me Representante dos alunos da Teologia junto à direção da Faculdade e Representante Geral dos alunos da PUCRS junto à Reitoria pelo DCE. Resultado: no segundo semestre de 1975, fui suspenso por um mês da Universidade e no início de 1976 foi negada minha matrícula na Teologia e Letras. Era uma forma de expulsão. Não foi preciso usar um Decreto de expulsão sumária da ditadura militar, o 477 (a 'expulsão' custou-me a negação da ordenação para padre no final de 1976, por decisão de D. Vicente Scherer).

No retorno de João Pedro do México, reencontramo-nos, eu, frade franciscano, morador nas vilas populares da Lomba do Pinheiro, e atuando nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), pastorais sociais e movimento comunitário, ele tornando-se assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Mais tarde, fiz parte da direção estadual e nacional da Pastoral Operária (PO), quando se aproximaram as lutas sindicais do campo e da cidade, as mobilizações urbanas e rurais, a construção de movimentos sociais como o MST. Estivemos no Encontro da Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais (ANAMPOS) em Taboão da Serra, SP, no início dos anos 1980, com Lula, Olívio Dutra, Frei Betto e outros, onde assentaram-se as bases da articulação do movimento sindical com os movimentos sociais do campo e da cidade das pastorais populares, futura construção da CUT e da Central de Movimentos Populares (CMP), e na construção e direção do Partido dos Trabalhadores.

Em 1983, com outros companheiros e companheiras, fundamos uma ONG para fazer formação (educação popular), apoiar os movimentos sociais urbanos e rurais e oposições sindicais do Sul do Brasil, chamada CAMP – Centro de Assessoria Multiprofissional -, em atuação ainda hoje. O MST estava surgindo: ocupações, acampamentos (Encruzilhada Natalino), mobilizações, lutas. A Secretaria do MST funcionava dentro da sede do CAMP.

2015. Circula nas redes sociais um anúncio, com foto: "PROCURADO- Líder do MST – Inimigo da Pátria (vivo ou morto). Denuncie – Recompensa: R$ 10 mil."

O 'procurado' é João Pedro Stédile, 'o maldito, o insuflador das massas, o ideólogo dos sem terra e da esquerda, o amigo de Lula e Fidel, o perigo vermelho'.

Joao Pedro é gremista (como eu; frequentemente cita o Grêmio em palestras e discursos), cristão (foi recebido pelo Papa Francisco em encontro com movimentos sociais em Roma), como descendente de italianos gosta de vinho, como gaúcho de churrasco, e de boas piadas e risadas. É comprometido desde sempre com os mais pobres, os lascados da história. Está do lado dos sem-terra, sim, que lutam pela terra, e a conquistam, e a plantam com sabedoria e, com os agricultores familiares, põem 70% dos alimentos na mesa de brasileiras/os, cada vez mais sem venenos e agrotóxicos. Os sem-terra são conscientes. Sabem o que querem, sabem seu projeto de Brasil, que não é o dos poderosos, não é o dos dominadores, não é dos que querem entregar a Petrobrás ao capital privado e/ou estrangeiro.

João Pedro teve, tem voz forte e não tem medo de dizer o que pensa, como líder, como pensador, como grande estrategista e orador. É, sim, recebido e ouvido por presidentes como Lula, Dilma, também por Itamar e Fernando Henrique, e pelo papa Francisco.

Estes são os motivos pelos quais é 'procurado', proclamado 'inimigo da Pátria' e jurado de morte. Porque defende e é líder de pobres e trabalhadores, porque fala a verdade, porque não se curva ao poder, porque luta pela justiça, pela liberdade, pela democracia, pela igualdade. Quem não consegue enfrentá-lo na luta de massas e nas ideias, só tem um jeito: eliminá-lo, imaginando excluí-lo da história.

Não conseguirão, porque atrás e à frente de João Pedro tem milhares, tem milhões: sem terras, agricultoras/es familiares, assentadas/os da reforma agrária, pescadoras/es, catadoras/es, seringueiras/os, metalúrgicas/os, mulheres, jovens, quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco, safristas, pedreiros, lutadoras e lutadores da justiça e da liberdade. 'Procurar' João Pedro é procurar estes milhões que historicamente foram deserdados, mas hoje levantam a cabeça, não mais se curvam dizendo amém, estão sonhando, têm esperança!

Selvino Heck é Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz