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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

9.2.10

Para Grzybowski, Fórum Social Mundial influenciou debate econômico da Suíça

 

BrasilAlemanha - De Primeiro Mundo por um Brasil de Primeiro Mundo

Para Grzybowski, Fórum Social Mundial influenciou debate econômico da Suíça

O sociólogo Cândido Grzybowski, integrante do núcleo fundador do Fórum Social Mundial (FSM), entrevistado pelo jornalista Guilherme Kolling, avalia que o encontro contribuiu para alterar a agenda da política internacional.

Por Guilherme Kolling*

 

 Gabriela Di Bella/JCFoto: Gabriela Di Bella/JC

 

Cita até mesmo o Fórum Econômico Mundial, de Davos, evento ao qual o FSM surgiu como contraponto e que, depois do encontro de Porto Alegre, passou a incluir na sua pauta temas como pobreza, que antes eram ignorados.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Grzybowski avalia os dez anos do FSM - citando a troca de informações e a criação de redes internacionais de organizações como grandes frutos -, projeta o futuro do Fórum e levanta os desafios do movimento para colocar em prática suas ações.

Jornal do Comércio - Qual sua avaliação do FSM?

Cândido Grzybowski - Surgimos há dez anos contra a arrogância do pensamento único, o Consenso de Washington, a ideia de tudo pelo mercado, de que o pobre, no fundo, é um não bem-sucedido, o responsável pela sua pobreza - ou seja, não é uma questão de injustiça social, mas falta de competência. Imagina o que isso significa em termos de valores e, sobretudo, de não fazer sentido a solidariedade: o que passa a ter sentido é se preparar para a vida. O discurso era de que não existia alternativa ao mercado. Havia certo desânimo e houve uma reação contra isso.

JC - Que levou ao FSM...

Grzybowski - No final de janeiro de 2000, Oded Grajew (do Instituto Ethos) e Francisco Whitaker (da Comissão Brasileira Justiça e Paz) chegaram de Paris, logo depois do Fórum de Davos. E o final de 1999 e o início de 2000 foi um período movimentado, teve manifestações contra a OMC (Organização Mundial do Comércio) em Seattle (EUA), o presidente do FMI (Fundo Monetário Internacional) havia levado uma torta na cara. Daí, ao voltar, Oded e Chico tiveram a ideia: se tem o Fórum Econômico, por que a gente não faz o Fórum Social Mundial? E por que não em Porto Alegre, onde tem Orçamento Participativo. Fizemos a primeira reunião em fevereiro de 2000.

JC - A primeira edição já saiu em janeiro de 2001.

Grzybowski - Aprendi com o Betinho que essas coisas a gente faz no ato. No dia seguinte já me reuni com a Fundação Ford, que se comprometeu com US$ 100 mil, depois, obtivemos US$ 300 mil de uma entidade que também financiava o Ibase.

JC - Mas formou-se um núcleo de orgaizações do FSM.

Grzybowski - Depois de diversas reuniões entre as entidades, formamos um Comitê Organizador do FSM - Abong (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais), ATTAC (Associação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos), CBJP (Comissão Brasileira Justiça e Paz), Cives (Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania), CUT (Central Única dos Trabalhadores), Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Em agosto de 2000, em Genebra (Suíça), houve uma reunião de avaliação da Conferência de Desenvolvimento Social de Copenhague (Dinamarca). E lá, o (então vice-governador do Rio Grande do Sul) Miguel Rossetto (PT) anunciou a ideia do FSM em Porto Alegre. A divulgação era nesses eventos e na internet.

JC - Supreendeu o público da primeira edição?

Grzybowski - Viemos na Pucrs em maio para olhar o Centro de Convenções e achamos o espaço mais que suficiente, esperávamos no máximo 6 mil pessoas. Mas vieram 20 mil. E nem havia projeto de fazer outro Fórum no ano seguinte, a ideia começou no próprio encontro. Entre 2001 e 2002 criamos a Carta de Princípios - sobre quem poderia participar, como seria -, e surge a ideia do Conselho Internacional, com as principais redes de organizações que vieram no primeiro FSM.

JC - Qual a contribuição do Fórum para a agenda global?

Grzybowski - Primeiro, mudou a agenda de Davos, dos ideólogos do mercado neoliberal. Eles têm um poder de irradiação enorme, todos os chefões da mídia que controlam o grosso da comunicação no mundo estão lá. E tem mais de 200 megaempresas, das quais 100 são maiores do que muitos países. Bem, eles queriam mercantilizar tudo - a vida, as relações, não tinha outra saída. O que aconteceu em 2002? Inseriram o debate sobre a pobreza. Começaram a convidar ativistas, celebridades que defendem causas, como o Bono Vox. Chamaram agora o (presidente) Lula para ser homenageado. E até declararam que é incontornável a questão da injustiça social. Esse é o nosso discurso! Antes, eles achavam tudo isso um absurdo.

JC - O Fórum conseguiu materializar a ideia de uma alternativa?

Grzybowski - O slogan Um Outro Mundo é Possível surgiu para dar esperança, fazer sonhar. Isso faz a diferença. Se você não acredita que um outro mundo é possível, não vai a lugar nenhum. Então, o clima que havia antes era de mal-estar em várias organizações e movimentos e muito desencontro. Até a proposta de nos juntarmos para discutir um outro mundo possível no FSM. E isso pegou.

JC - A maior contribuição do Fórum é essa troca de informações e o encontro de ONGs e associações?

Grzybowski - Essa formação de redes em escala mundial para articular decisões talvez seja uma das grandes contribuições do FSM. Mas mais do que isso, é essa inteligência coletiva que se cria. Todos temos uma reflexão sobre esse sistema, e há impasses, porque não é possível dar conta de tudo. Mas acho importante que uma mesa traga opiniões contrárias, porque no conjunto vamos saber mais do que individualmente. O mais importante é o diálogo inter-movimentos.

JC - O senhor discorda da tese do presidente Lula - ele disse que o Fórum deveria definir uma carta com poucas reivindicações para poder avançar?

Grzybowski - Posso dar uma proposta, mas como referendá-la? Teria que sair catando assinaturas, convocar uma reunião. Será que as pessoas gostariam que os dois, três ou quatro que compõem a organização do FSM propusessem e eles fossem lá votar, assim como se faz em um congresso em que, antes de começar, já se prepara a declaração final? O FSM não é isso.

JC - Mas e a definição de ações, como fica?

Grzybowski - Isso não quer dizer que não se façam ações: em 2003, por exemplo, (o dia internacional de mobilização contra a Guerra do Iraque) foi uma ação que surgiu no FSM e envolveu todo o mundo. Agora vou dar outro exemplo: em 2005, teve aquela famosa carta dos 19 (assinada por 19 intelectuais e prêmios Nobel que estiveram no Fórum). Mas que adesão teve aquilo? Isso tem a ver com a tradição política de esquerda, muitos se acham "os iluminados", propõem e acham que isso é suficiente. Talvez até houvesse consenso sobre aqueles pontos, mas teria que consultar mais de 150 mil pessoas que participaram do Fórum e isso exige trabalho. Você vai discutir, ouvir a opinião de outro, que vai dizer que "não é bem assim". Eles estavam dispostos? Não, eles são os iluminados. Falaram da tributação de transações financeiras internacionais. Agora a taxa está sendo implementada, não por estar naquele documento, mas porque houve um movimento internacional chamado ATTAC, de grande impacto, que levantou essa bandeira. Era visto como louco e hoje os governantes estão propondo, questionando os paraísos fiscais.

JC - A guinada à esquerda da América Latina nos anos 2000 teve influência do Fórum Social Mundial?

Grzybowski - São situações que acontecem porque se criou um ambiente. A ideia de que era possível acabou sendo uma bandeira de alguns deles. E foi até do (Barack) Obama (presidente dos Estados Unidos), que usou o Yes, We Can. O Fórum Social "Uma Outra América É Possível" aconteceu um ano antes da eleição, em Atlanta (EUA), terra do Martin Luther King, e o Obama se inspira no trabalho dele. Não conseguíamos montar nada nos EUA até falarmos com um movimento de justiça ambiental - é formado por negros, o pessoal que sofreu com o furacão Katrina. Eles assumiram, e o Fórum saiu. Agora, em 2010, vai ser em Detroit, e grande - numa cidade de 6 milhões da habitantes, coração da indústria automobilística, que perdeu seus empregos.

JC - Como foi essa expansão do Fórum pelo mundo?

Grzybowski - O Fórum policêntrico foi uma invenção em função da dificuldade de montar o FSM de 2006 na África. Como havia três candidaturas, aceitamos todas - então saiu em Caracas (Venezuela), Bamako (Mali) e Karachi (Paquistão). Em 2007 se fez no Quênia, em Nairóbi, e não foi fácil. Mas começou a crescer internamente um debate sobre o futuro do Fórum.

JC - É definitiva essa divisão "ano ímpar centralizado e ano par descentralizado"?

Grzybowski - Entre 2006 e 2007 ficou decidido, a pedido dos movimentos sociais, que fosse um ano centralizado e outro não, para poder enraizar mais o FSM e disseminá-lo. A única coisa que é cobrada ao usar o nome é respeitar a Carta de Princípios. Mas não precisa de autorização para fazer. Esse Fórum metropolitano de Porto Alegre 2010 poderia ser feito todos os anos.

JC - Em 2005, o público em Porto Alegre superou 150 mil e ficou uma dívida no orçamento do FSM. Isso influenciou para sair da cidade?

Grzybowski - A gente desenvolveu critérios sobre onde fazer. O FSM é mundial. Como ser mundial se está em um lugar só? Aí exclui quem não tem dinheiro para participar.

JC - Mas o Econômico é só em Davos, por que não o Fórum de Porto Alegre?

Grzybowski - Em Davos, são empresários, reúnem 2.500 pessoas que representam mais ou menos 85% do PIB mundial. Eles pagam US$ 20 mil de ingresso, nós cobramos R$ 20,00. Lá é excludente. Para nós, é importante mobilizar e incluir. Esse modelo de mundialização vai continuar, mas isso não quer dizer que o FSM não vá voltar a Porto Alegre. O evento pode ser do Estado, da região Sul, do Cone Sul.

JC - A questão política - saída do PT da prefeitura -, teve influência?

Grzybowski - Não, tanto que antes disso, em 2004, fomos a Mumbai (Índia) e depois voltamos para cá em 2005.

JC - Qual a chance de Porto Alegre sediar a edição centralizada de 2013?

Grzybowski - Muito remota, porque depois de 2011 (em Dakar, no Senegal), ainda temos de ir à Ásia, que é metade da humanidade, e fomos só uma vez a Mumbai e outra a Karachi, naquele fórum policêntrico. É muito pouco provável uma edição centralizada em Porto Alegre. Mas podem acontecer inovações na forma.

JC - E o seminário dos dez anos do Fórum?

Grzybowski - Quando foi pensado, era para enfrentar o debate "O FSM não acabou?". Mas depois, em Belém (PA), essa ideia caiu, porque foram mais de 120 mil pessoas (em 2009). Então, o Fórum ressurge e com muitos jovens. O Ibase fez uma pesquisa e aponta que eles são maioria. A gente ainda não soube incorporar a temática dos jovens no FSM. Apenas agora eles entraram no Conselho Internacional. E em Belém houve uma explosão, 72% dos participantes com menos de 34 anos. As crianças e adolescentes da época em que iniciamos o FSM estão tomando o evento para si, então, o Fórum não vai acabar. É uma espécie de universidade de cidadania planetária, criando uma inteligência coletiva sobre os desafios do mundo.

JC - E qual é o papel da imprensa neste aspecto?

Grzybowski - A imprensa hoje é mais importante do que o Parlamento. O poder, a disputa política principal se faz nesse campo, que marca o debate. É onde se reflete o estado de cidadania de uma sociedade. Por exemplo, nenhuma CPI partiu de iniciativa do Parlamento, todas saíram porque a imprensa apontou o problema. Por isso, acho que o principal efeito do FSM é nesse campo do imaginário, que é até mais importante do que decidir uma ação concreta, política. Até porque, onde estão as principais decisões políticas que afetam a nossa vida? No Banco Central. Ninguém lá é eleito. E é assim no mundo inteiro, o poder das corporações levou a uma espécie de privatização do poder. Quem é o Comitê de Política Monetária (Copom)? Todos são banqueiros.

JC - E a cobertura da imprensa sobre o FSM?

Grzybowski - Chegamos de surpresa, o que é bom para a imprensa. Então, no primeiro ano, mesmo criticando, era uma novidade que valia a pena noticiar. Mas na medida em que isso é uma disputa de agenda, de ideias e de imaginário, monta-se um campo social que não é neutro, há uma disputa. Mas aí o Le Monde Diplomatique, o Libératión estavam dando destaque e a imprensa aqui "baixando pau". Em 2003, adotei uma estratégia: convidei gente da grande mídia para mediar os debates. E o El Pais, que nunca tinha vindo, veio, O Globo passou a editar um caderno especial durante o Fórum, veio canal de televisão - eu liguei para o Roberto Marinho e disse que precisava de sua ajuda para mediar um debate em Porto Alegre. A cobertura foi muito diferente, deixou de ser só a curiosidade de alguém que tirou a roupa no Acampamento da Juventude. A evolução foi cada vez maior com a imprensa. Ano passado em Belém, veio até o correspondente da revista The Economist, que escreveu: "Enquanto em Davos é um velório, aqui é a festa da esperança."

JC - Como o senhor analisa a relação dos movimentos sociais com a política-partidária?

Grzybowski - A política existe e contamina tudo. O problema é que no Brasil as opções podem se tornar problema no pós-eleição. Por exemplo, o MST se mostra contra José Serra (PSDB, candidato à presidência da República). Se ele vencer, o MST vai ser marcado por quatro anos. Não temos maturidade política para reconhecer que uma eleição é medir a relação de forças. Quem ganhou não pode excluir ninguém, representa a todos. A democracia brasileira ainda tem muito a aprender. Aqui a luta política deixa sequelas.

*Guilherme Kolling é jornalista, editor de Política do diário Jornal do Comércio, de Porto Alegre.  A convite do Governo alemão, cobriu as  eleições parlamentares na Alemanha em 2009.

Fonte: Jornal do Comércio, Porto Alegre, RS - 01.02.2010
Site: http://jcrs.uol.com.br



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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz