Páginas

pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

22.3.16

O cerco institucional como arma golpista – Chile e Brasil

Emir Sader
    EMIR SADER

    Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

    O cerco institucional como arma golpista – Chile e Brasil

    22 de Março de 2016:

    Pude ver a cena final do cerco institucional que derrubou Salvador Allende: saí da minha casa naquela manhã da terça 11 de novembro, a duas quadras do Palácio da Moneda, já cercado pelas forças militares do golpe. Havia sido dado o ultimato a Allende, que resistia, da janela do Palácio desde onde costumava fazer seus discursos à Praça da Constituição. Com o capacete que os mineiros lhe haviam dado, mais o fuzil soviético AK que Fidel Castro lhe havia presenteado, disparando, solitário.

    Era a imagem do presidente que havia jurado que só sairia morto do palácio presidencial antes do final do seu mandato e assim cumpria seu juramento. O presidente mais legalista que o Chile havia tido, defendia, com a arma na mão, a legalidade que foi se fechando sobre ele e o asfixiando. Defendia com as armas na mão, uma constitucionalidade que se havia voltado completamente contra ele.

    Desde seu triunfo eleitoral, o cerco foi se estabelecendo. Como não conseguiu mais de 50% dos votos – teve 36% -, dependeu da ratificação do Congresso, para o que a Democracia Cristã lhe impôs, entre outras condições, a obediência à sequencia hierárquica nas promoções dentro das FFAA chilenas. Assim, mesmo diante do atentado premonitor que matou o então comandante em chefe das FFAA, vinculado à DC, que pretendia que fosse atribuído a grupos radicais de esquerda, mas na realidade feito por grupos de extrema direita, permitiu a Allende buscar seus rastros dentro das instituições armadas e descabeçar o complô que recém começava a se desenhar.

    Sabe-se que naquele mesmo momento o proprietário do jornal El Mercurio, Agustin Edwards, se reunia no salão oval da Casa Branca com o presidente dos EUA, Richard Nixon, e com o Secretario de Estado, Henri Kissinger, quando este decretou: "É preciso salvar os chilenos das suas próprias loucuras". A loucura era o projeto do socialismo pela via pacifica de Salvador Allende.

    Assim que se instalou no Palácio da Moneda, Allende começou a sofrer o cerco institucional. A começar pelo do Congresso, onde a aliança da Democracia Cristã, partido de centro, com o Partido Nacional, de direita, deixavam o governo sempre em minoria. Não apenas os projetos ligados ao programa socialista de Allende – que previa a nacionalização dos 150 maiores conglomerados econômicos do pais, entre outras medidas – não tinham nenhuma possibilidade de serem aprovados, como rapidamente o Congresso começou a se valer do seu direito de destituir ministros, o que foi enfraquecendo desde o começo a capacidade de articulação política do governo.

    A oposição contava também com o Judiciário – especialmente com a chamada Contraloria e seu poder de delimitação das ações do governo -, com o qual foi consolidando, junto com o Legislativo, um cerco que castrava a capacidade de ação do governo. A esse cerco se somaram o monopólio privado da mídia – jornais, revistas e, especialmente, rádios e TVs -, e o fator que terminaria sendo o decisivo: as FFAA, plenamente enquadradas na Doutrina de Segurança Nacional da era da Guerra Fria e ancorada no seu sucesso na ditadura militar brasileira.

    Fechado dentro do palácio presidencial, mesmo contando com um grande apoio popular organizado, o governo foi sendo asfixiado e perdendo capacidade de ação. Num penúltimo gesto, Allende incorporou ao governo os próprios comandantes em chefe das FFAA – entre eles o próprio Augusto Pinochet -, tentando comprometê-los com a institucionalidade. Dramaticamente, na última grande mobilização popular, que comemorava os 3 anos da sua vitória eleitoral, onde surgiu o famoso cartaz "É um governo de merda, mas é o meu governo", levado por sindicalistas, Allende sequer discursou. Limitou-se a acenar para a maior multidão que o Chile já havia visto desfilar por suas ruas, sem dirigir-lhes palavra, como que dizendo que já não tinha mais nada a dizer-lhes.

    A derradeira tentativa de manobra politica de Allende foi o projeto de convocar um referendo sobre um tema educacional, que o governo seguramente perderia, o que levaria Allende a renunciar, entregar o governo ao então presidente do Senado, Eduardo Frei. Com isso, pretendia dividir a oposição, salvando a constitucionalidade. Mas confessou seu plano para seu então ministro, Augusto Pinochet, que correu antecipar a deflagração do golpe, antes mesmo da cadeia de rádio e TV em que Allende iria anunciar sua última tentativa de romper o cerco político sobre seu governo. O cerco se completava com o papel ativo dos EUA, seja na articulação das forças internas de desestabilização, como no apoio às FFAA chilenas – militar e ideológico -, para consumar o golpe.

    A cena que eu pude ver era o resultado final, físico, do cerco e da asfixia institucional de que o governo de Allende foi vítima. Dos 36% dos votos de 1970 ele chegou a 41%, em 1973, insuficientes para ter maioria, que serviram também de sinal para a oposição de que tampouco obteria os 2/3 necessários para um golpe branco via Congresso.

    Pouco depois de se negar a abandonar o Palácio da Moneda, xingando os militares golpistas que lhe fizeram chegar a oferta, Allende sofreu os bombardeios de caças ingleses, que destruíam o palácio presidencial e a democracia chilena. Coerente com seu juramento, Allende se suicidou com o fuzil AK e foi retirado do palácio presidencial morto, conforme havia jurado. Assim se concluía, dramaticamente, o cerco institucional do aparelho de Estado chileno, em que Allende se meteu, com a esperança de democratizá-lo por dentro.

    Mas a história nunca se repete. Os tempos são outros: há uma doutrina consensual no continente contra qualquer forma de golpe, branco ou militar, que levou às punições e isolamento dos governos surgidos de golpes brancos em Honduras e no Paraguai. Ao mesmo tempo, o papel e o peso das FFAA foram redimensionados e elas já não assumem doutrinas expressamente golpistas, embora mantenham seu poder material de ação, que em última instância tem um papel decisivo. Por outro lado, o contexto já não é o de ditaduras militares, mas o de democracias e até mesmo de governos progressista na região – o que leva a posições de condenação de qualquer forma de golpe no Brasil pelo Mercosul, pela Unasul e pela Celac. O peso dos EUA na região, por sua vez, diminuiu muito, mais ainda do ponto de vista militar, embora não possa ser subestimado.

    Governos como o brasileiro, por sua vez, embora sem contar com maioria própria no Congresso, conseguiram se apoiar em alianças que viabilizaram o projeto de mais profunda democratização social do país mais desigual do continente mais desigual, permitindo que o povo conhecesse os efeitos concretos dos programas de esquerda. A própria liderança do Lula, mesmo fora do governo, é resultado do sucesso dos governos de esquerda.

    Mas a questão do cerco institucional permanece como elemento de asfixia da capacidade dos governos que destoam dos interesses conservadores que marcam os aparelhos de Estado e suas estruturas legislativas e judiciárias, assim como as policias, bem como o peso dos meios de comunicação, menor que anteriormente, mas que atua ainda fortemente, tanto dentro como no plano internacional.

    Programas de profunda democratização econômica, social, política e cultural que os nossos países requerem, demandam processos de democratização do Estado, em todas suas instâncias, assim como a democratização do processo de formação da opinião pública, quebrando o peso dos monopólios privados dos meios de comunicação. Mas, mesmo antes disso, políticas de aliança no Congresso com outros setores, ampliando a base de apoio do governo, neutralizando setores e isolando a direita, são essenciais. Da mesma forma que políticas de renovação da composição do Judiciário com juízes com consciência democrática e sensibilidade social. E o enfraquecimento do poder de ação dos meios de comunicação golpistas, ao lado do fortalecimento da ampla gama de meios alternativos.

    Mas, ao mesmo tempo, é indispensável e urgente um programa econômico que recupere a capacidade de crescimento da economia, acompanhado de medidas de proteção do salário e do emprego da grande massa trabalhadora do pais. Para o que se requer a convocação de setores do empresariado e dos movimentos sindicais, para reconstituir um bloco social e político que possa dar novo impulso ao governo e neutralizar o cerco institucional que pretende asfixiá-lo, desembocando em alguma forma de golpe branco.

    Para que efetivamente, como se grita em todo os cantos do país, se realize o "Não vai ter golpe, vai ter luta".

    http://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/222177/O-cerco-institucional-como-arma-golpista-%E2%80%93-Chile-e-Brasil.htm


    Nenhum comentário:


    Cancion con todos

    Salgo a caminar
    Por la cintura cosmica del sur
    Piso en la region
    Mas vegetal del viento y de la luz
    Siento al caminar
    Toda la piel de america en mi piel
    Y anda en mi sangre un rio
    Que libera en mi voz su caudal.

    Sol de alto peru
    Rostro bolivia estaño y soledad
    Un verde brasil
    Besa mi chile cobre y mineral
    Subo desde el sur
    Hacia la entraña america y total
    Pura raiz de un grito
    Destinado a crecer y a estallar.

    Todas las voces todas
    Todas las manos todas
    Toda la sangre puede
    Ser cancion en el viento
    Canta conmigo canta
    Hermano americano
    Libera tu esperanza
    Con un grito en la voz