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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

7.6.11

comunicação democrática: o acesso a informação como direito humano


Comunicação: democrática? Pra quem?

Débora Nonemacher

A informação é uma liberdade fundamental e um direito fundamental de todo ser humano. E é tão fundamental (com o perdão da repetição necessária), que é instrumento para as demais liberdades. É assim que ela é vista no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que, por sua vez, não é um mero documento protocolar - é compromisso, ou seja, todas as nações que integram a ONU se comprometem a fazer esta liberdade acontecer. Foi para esclarecer a importância disso na nossa realidade social que Pedrinho Guareschi veio conversar com profissionais, estudantes e comunidade em geral, na sexta-feira 20 de maio, na UCS. O especialista foi trazido pelo CEPDH com apoio dos Cursos de Jornalismo e de Sociologia. Ele é um dos maiores pesquisadores do efeito da mídia nas relações sociais (como sinaliza seu currículo, no final deste texto). Esta matéria traz uma síntese da palestra, acrescida de informações complementares, necessárias à contextualização do tema.

Guareschi trouxe reflexões decisivas a partir do desdobramento de cada termo do título da palestra: "Comunicação democrática: o acesso à informação como direito humano". E explicitou como o eixo que perpassa todos esses conceitos é o da 'relação'.



















Foto: Ezequiel Milicich Seibel

"Humano"

Atualmente predominam três visões da realidade social (ou cosmovisões dentro das forças históricas contemporâneas): a individualista-liberal, a comunitário-solidária e a totalitário-massificadora. Cada uma delas tem conceitos de "ser humano" bem diferentes entre si. Na primeira, ser humano é apenas o indivíduo - ele e mais ninguém. Na segunda, ele é visto como uma pessoa em relação com outras. Assim, cada pessoa é resultado de suas relações com outras - não há como alguém existir ou se conceituar isoladamente. É a visão, entre outros, de (Santo) Agostinho e Marx: "o ser humano é resultado de suas relações", "um feixe de relações". Já conforme a terceira corrente, o ser humano é visto apenas como uma peça da máquina, do sistema.

"Direito"

Direito vem do Latim "Jus", que significa "justiça, justo". Ora, ninguém é justo sozinho. Justiça é ética - só pode se dar numa relação. Logo, para se pensar em Direitos Humanos, só se pensando em relações sociais.

"Comunicação"

O direito à comunicação, como deixa clara a Declaração Universal dos Direitos Humanos, abrange a liberdade de opinião e de expressão: inclui a liberdade de buscar, receber e difundir informação. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, novamente no artigo 19, reafirma e detalha este direito e vai além da Declaração: estabelece verdadeiras obrigações aos Estados signatários.

"Democracia"

"É importante detalhar o que é mesmo democracia, porque em nome dela se fazem absurdos, como os Estados Unidos, que recentemente invadiram determinado país e lá mataram um homem, sem avisar a nenhuma autoridade do tal país", advertiu Guareschi, citando também como vergonhoso o discurso de Barack Obama no dia anterior ao da palestra: "parecia um rei do Universo, dizendo o que cada país deve fazer. Ora, isso não é democracia – democracia não se impõe!". Ao contrário disso, como pontuou o palestrante, a democracia de verdade faz acontecer a igualdade (todos são iguais quanto à dignidade fundamental), a diversidade, a participação (todos têm direito a ter voz e vez) e a solidariedade.

Democracia para a cidadania

A democracia plena implica cidadania. Na experiência grega dos primórdios da democracia, "não era considerado cidadão o cara que apenas ia à praça assistir às reuniões, e sim, apenas os que se levantavam e falavam", esclarece Guareschi. Ou seja, cidadania é participação efetiva. E participação não só no planejamento e execução, mas também nos resultados. Para isso, o segredo é a participação no planejamento, porque é ali que se define a execução e os resultados, ou seja, quem vai fazer o que, e quem vai ficar com qual parte dos resultados. Quando todos efetivamente participam, sempre se encontra uma solução: "Nas tantas reuniões populares de que já participei, sempre que todos e todas falaram – mas todos e todas mesmo - , não houve nenhuma em que não se encontrou solução", testemunha Guareschi.















Foto: Ezequiel Milicich Seibel

Comunicação é serviço

Segundo o pesquisador, há tarefas urgentes da sociedade e dos profissionais em relação à comunicação:

• Resgatar a comunicação como serviço: comunicação não existe pra fazer dinheiro. É claro que ela tem de ser sustentável, precise de patrocinadores, mas eles não devem ser o eixo: comunicação é serviço público.

• Resgatar a comunicação como direito humano e cidadania: A mídia deve fazer a nova ágora (a praça grega onde os cidadãos dialogavam). Deve trazer os temas nacionais ao diálogo e dar espaço a que todos os envolvidos tenham a mesma oportunidade de se manifestar. Ela não tem de dar respostas, muito menos sua opinião. Sequer deve definir os temas a serem debatidos. O povo é quem tem de definir a pauta da mídia, e não o contrário, como acontece.

• Evoluir da democracia representativa para a democracia participativa: aqui, o duplo papel da comunicação: viabilizar a democracia representativa nos diversos temas da sociedade, e também ela própria se colocar em debate. Os Conselhos e Conferências (Municipais, Estaduais e Nacionais) de Comunicação são urgentes, ainda mais se há tanta força contrária.

• Potencializar as novas tecnologias como mídias de novos sujeitos de comunicação

"Precisamos de bons comunicadores. E um bom comunicador não precisa de muita tecnologia.
Precisa sim é de cuca, compromisso, tesão, solidariedade, empatia...
para pensar naqueles que estão tendo seus direitos violados."

Pedrinho Guareschi

97% da população brasileira não sabe que a mídia eletrônica
(tv e rádio) não tem dono - é concessão pública!
E por quê? Porque a mídia não discute a própria mídia!

6 minutos – é a duração média de uma notícia na BBC de Londres.
E não pode terminar fechada, muito menos com a opinião do jornalista

84% de tudo que o gaúcho vê, lê, escuta depende de uma só família

grandes empresas ilegais: contrariando a própria Constituição, há grandes e centenas de empresas de rádio e tv cujos sócios ou dirigentes são políticos ou parentes de políticos


A difícil batalha pela regulamentação

A comunicação no Brasil é regida por apenas 5 artigos na Constituição (220 a 224), que até hoje não foram regulamentados. As tentativas disso têm sido sistematicamente sufocadas no Legislativo e na própria mídia. E por quê? Porque há grandes e centenas de empresas de rádio e tv cujos sócios ou dirigentes são políticos ou parentes de políticos - ilegalmente, porque isso nem é permitido pela Constituição. São centenas de políticos e centenas de emissoras (saiba mais em http://donosdamidia.com.br/inicial). A discussão sequer é trazida à opinião pública pela mídia. A 1ª Conferência Nacional de Comunicação foi realizada apenas em 2010, a muito custo. Nenhuma das grandes empresas participou, e as poucas que deram repercussão ao evento, o desmoralizaram.

Outro dos tantos itens pendentes dessa pauta, que afeta diretamente a valorização cultural do País e o mercado de trabalho do profissional: por que as emissoras de rádio e tv são dominadas por valores culturais internacionais e produções internacionais, em detrimento das nacionais e, mais ainda, das produções regionais e locais? Por que não cumprem a lei. O artigo 221 determina que as emissoras (rádio e tv) priorizem finalidades "educativas, artísticas, culturais e informativas", e que priorizem e incentivem a "produção cultural, artística e jornalística" da sua região, "conforme percentuais estabelecidos em lei". Estes percentuais ainda não foram estabelecidos – apesar de já haver projeto de lei para isso desde 1991 (PL 256, de 1991, da deputada Jandira Feghali).


"Jornalismo é subversão. Se não for, não é decisivo como jornalismo"

Após sua fala, o palestrante exibiu o documentário "Guerrilha midiática", produzido por Wladymir Ungaretti e o Coletivo Catarse - assista você também, aqui. O documentário mostra respiros por onde tenta acontecer a comunicação democrática, e a repressão que ela sofre, inclusive aqui no RS, por exemplo.

O vídeo relata o fenômeno recente (anos 2000) no norte do país – o Tecnobrega, que, "mais do que um estilo musical, é um mercado que criou novas formas de produção e distribuição", através da apropriação dos recursos tecnológicos pela periferia, como descreve um dos autores do livro homônimo.

E denuncia a censura articulada pela RBS ao saite Ponto de Vista, cujo editor paga R$ 150 de multa diária se criticar a Rede. "Não é RBS, é PRBS – Partido da RBS", deflagra o jornalista, cuja ação nada criminosa, mas censurada, é explicitar a subjetividade e a manipulação da notícia. O mau exemplo da RBS foi exemplificado também na plenária realizada logo após a exibição do vídeo: "Envio carta ao Jornal Pioneiro e ele não publica. O que fazer?", pergunta um cidadão. Uma das saídas para isso, como sugeriu o Coordenador do Curso de Jornalismo, é aproveitar e potencializar as tecnologias atuais: "Um celular traz hoje recursos pra você produzir e veicular uma notícia quase que instantaneamente". No entanto, esse acesso aos recursos tecnológicos em si não é a solução, como sublinha Ungaretti, no documentário: "Só haverá significativo avanço se isso estiver conectado aos movimentos sociais. Sem movimento social não criaremos mídia alternativa ou seja lá que nome a gente queira dar."


"Os novos revolucionários são imaginadores – eles produzem e manipulam imagens. (...) São fotógrafos, filmadores, gente de vídeo, gente de software, técnicos, programadores, críticos, teóricos e outros que colaboram com os produtores de imagens. Toda esta gente procura injetar valores, politizar as imagens."

Vilém Flusser, citado no
documentário Guerrilha Midiática  



"A câmera na mão de quem corre e apanha é a arma de defesa. Seu grito ecoa pela rede horas após a repressão.


É a contrainformação do que a mídia corporativa vai mentir sobre o que está acontecendo."


Wladymir Ungaretti,
no documentário Guerrilha Midiática


"Jornalismo é subversão. Se não for subversão, não é decisivo como jornalismo. Jornalismo é a capacidade de distinguir diferenças onde aparentemente só há semelhanças, e semelhanças onde aparentemente só há diferenças. E isso é uma prática subversiva, sempre."

Wladymir Ungaretti, no documentário Guerrilha Midiática

O Movimento pela Democratização
da Comunicação

é hoje um trabalho de diversos coletivos pela efetivação da comunicação como direito humano (e portanto, de todos/as) e como instrumento de democratização da sociedade. "Uma sociedade só pode ser chamada de democrática quando as diversas vozes, opiniões e culturas que a compõem têm espaço para se manifestar" (Intervozes).

A batalha é complexa, mas os principais eixos são:
• Criar um marco regulatório: regulamentação legal e política do setor da comunicação, com participação de todos os setores da sociedade
• Capacitar os cidadãos para a apreensão crítica dos meios de comunicação (compreensão da linguagem e dos artifícios empregados)
• Criar instrumentos de controle social/público sobre os meios de comunicação de massa (processo não censório)
• Estimular a produção e difusão nacional e regional, e de conteúdos plurais e diversos
• Fortalecer a comunicação popular, comunitária, independente, alternativa e livre

Saiba mais:

Guerrilha Midiática - documentário
"Os jornalistas têm uma importância crucial na sociedade. Da comunicação, hoje, depende a democracia. Mas se o jornalista apenas pensar: 'vou ser um bom empregado', ele nunca vai fazer o seu papel."
Alguns livros do Guareschi:
- Mídia e democracia
- Comunicação e controle social
- Comunicação e poder: a presença e o papel dos meios de comunicação de massa estrangeiros na América Latina
- Mídia, educação e cidadania
- Sociologia crítica: alternativas de mudança
- Sociologia da prática social
- Psicologia social crítica como prática de libertação
- A máquina capitalista
Observatório da Imprensa – Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito
Donos da Mídia: o mapa da comunicação social no Brasil
FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Livro do advogado Ronaldo Lemos e da jornalista Oona Castro. Fruto do projeto Modelos de Negócios Abertos – América Latina, coordenado pela Fundação Getúlio Vargas (Centro de Tecnologia e Sociedade) em parceria com o Instituto Overmundo, traz respostas à crise da indústria cultural que respeitam a diversidade e as culturas locais. Coleção Tramas Urbanas, Aeroplano Editora. Patrocinado pela Petrobrás. http://www.cepdh.blogspot.com/, e sobre o Movimento Nacional em http://www.mndh.org.br/.Download livre aqui.

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O palestrante: Pedrinho Guareschi é Graduado em Filosofia, Teologia e Letras, Pós-Graduado em Sociologia, Mestre e Doutor em Psicologia Social. Pós-Doutor em Ciências Sociais em duas universidades (Wisconsin e Cambridge). Professor convidado da UFRGS e da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre) e conferencista internacional. Seus estudos, pesquisas e experiência centram-se na Psicologia Social, com ênfase em mídia, ideologia, representações sociais, ética, comunicação e educação.

A palestra foi promovida pelo CEPDH. Integraram a mesa o Pe. Gilnei Fronza e o Pe. Roque Grazziotin (este, também presidente da FUCS), o professor Winkler, do Curso de Licenciatura em Sociologia, e o professor Álvaro, Coordenador do Curso de Jornalismo, parceiros promotores do evento, além da deputada Marisa Formolo.

O ciclo. A palestra é a segunda de uma série que está sendo promovida pelo Centro ao longo de 2011, abordando vários temas referentes ao Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3). A primeira foi "Direitos Ambientais como Direitos Humanos: o agronegócio e suas consequências para os alimentos e o meio-ambiente", em maio.

O CEPDH tem abrangência regional, é sediado em Caxias do Sul e tem 27 anos. É filiado ao filiado ao MNDH – Movimento Nacional dos Direitos Humanos. O MNDH fundamenta sua ação na Luta pela vida, contra a violência. O CEPDH foi criado a partir da análise do Mundo do Trabalho e suas conseqüências para a realidade regional, para dar suporte à defesa e formação dos trabalhadores, principalmente nas áreas do Direito, Saúde e Assistência Social. Mais sobre o Centro em http://www.cepdh.blogspot.com/ e sobre o Movimento Nacional em http://www.mndh.org.br/

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz