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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

29.6.17

“Não existiria Bolsonaro como opção viável sem a Globo”, diz o sociólogo Jessé Souza

"Não existiria Bolsonaro como opção viável sem a Globo", diz o sociólogo Jessé Souza

 

"O público não é imbecil, ele é tornado imbecil pela mídia comprada, direta ou indiretamente, para fazer este papel". A sentença é do sociólogo Jessé Souza, ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).

Autor de "A tolice da inteligência brasileira" e "A radiografia do golpe", Jessé explica na entrevista a seguir, concedida ao jornalista Paulo Henrique Arantes, como e por quê pregadores do ódio ganham espaço no mundo, o papel da Globo no fenômeno Bolsonaro e a maneira como o capital financeiro se apossa do estado.

Por que a extrema-direita ganha espaço no mundo?

Eu acho que o avanço da direita tem a ver com uma relação de forças que é internacional. O capitalismo financeiro cria uma nova relação com a política que é desvalorizada para ser capturada. A política sempre foi influenciada pelo dinheiro, obviamente, mas você tinha contrapesos antes, os quais você não tem mais. O capital financeiro age globalmente, planetariamente, e a reação a ele é nacional, local, fragmentada, frágil.

O golpe no Brasil teve uma articulação internacional, foi o interesse do capital financeiro em se apropriar de tudo que possa rapinar: pré-sal, Petrobrás, destruir o capital tecnológico de empreiteiras, orçamento público, etc. Tudo com ajuda nacional da mídia e dos seus sócios internos. Dentre eles o aparelho jurídico do Estado que funcionou e funciona, com ou em consciência disso, como "advogados do capital financeiro" internacional.  O capital financeiro quer uma captura direta da política e do Estado.

O primeiro motivo é que a própria realização de lucro do capital financeiro exige e vai exigir cada vez mais desigualdade. Isso reflete numa nova forma de expropriação do trabalho coletivo que é via orçamento – aliás pago pelos pobres e apropriado pelos rentistas -, e é precisamente o que acontece no Brasil, o golpe foi feito para isso. Agora, inclusive, a ação do capital financeiro ficou mais nítida no Brasil do que em qualquer outro lugar.

Como o capital financeiro se apodera da política?

Quando ele desvaloriza a política, as instituições políticas, usando a mídia e a balela da "corrupção seletiva", só dos políticos, escondendo a corrupção legal e ilegal do mercado que compra direta ou indiretamente a mídia e a própria política. Nesta quadra histórica, o dinheiro está se apropriando da política completamente.

A própria linguagem do dinheiro criminalizou a política. O Dória no Brasil é o melhor exemplo disso, e o Trump nos EUA, quando diz: "você deve me eleger porque eu não sou político". Você só pode dizer isso porque a "corrupção real", que é a do mercado, por meios legais e ilegais, é tornada invisível pela mídia.

A base de tudo tem a ver com isso: você tem que imbecilizar o público. O público não é imbecil, ele é tornado imbecil pela mídia comprada direta ou indiretamente para fazer este papel.

O populismo de direita que vemos hoje crescer no mundo todo carrega o risco de um novo fascismo?

O fascismo assumiu a forma que assumiu nos anos 30 pelas circunstâncias históricas. Eu acho que o que está acontecendo agora é sim uma forma de fascismo. Ele não precisa assumir a forma que assumiu na década de 30. Hoje ele exerce mais uma violência simbólica, "imbecilizando" o público, por exemplo, ao invés de usar  majoritariamente a violência física, como o antigo fascismo, embora a violência física seja utilizada hoje em dia também.

Esses novos líderes, todos eles, têm a ver com a reação dos perdedores do capital financeiro que são a imensa maioria. O Bernie Sanders foi uma reação racional, que conseguiu forte penetração na juventude intelectualizada. O Trump é a resposta menos inteligente, emotiva, que pede um "bode expiatório", lá os mexicanos e aqui os pobres beneficiados pelo PT, o ódio, é a linguagem fascista sobre o medo. É a versão que está ganhando aqui.

Por que o discurso populista de direita, que prega o ódio, alcance tanta receptividade?

A base do fascismo no Brasil é a classe média. A mídia manipula o falso moralismo dessa classe para que sirva de "tropa de choque" dos interesses inconfessos das elites. O grande elemento aí, que é sempre esquecido, é a mídia. A mídia é o partido da elite que rapina o país.

A mídia representa, antes de tudo, interesses, mas "tira onda" de neutra. Como esses interesses elitistas são difusos, a mídia concentra e sistematiza esses interesses e dá boca para eles. O capitalismo, o dinheiro, não tem boca – a mídia é a boca do dinheiro, então ela vai manipular o povo a partir disso.

Não há um papel positivo na atuação da mídia?

Não sei se concordo contigo. De que papel e de que mídia você se refere? Não existiria Bolsonaro como opção viável sem a Rede Globo. Você tem que lembrar, apenas para ficar num único exemplo que pode ser multiplicado milhares de vezes, como eu me lembro, do jornalista Merval Pereira, no jornal da "Globo News", falando que vazamento ilegal não é nenhum problema real, que isso é "normal" e acontece sempre – imagine coisas assim ditas 500 vezes ao dia.

Como não existe contraposição de opiniões, você vai criando um terreno favorável a preconceitos contra os direitos individuais e, portanto, contra a própria democracia. Quando você cria o terreno, fica fácil para um cara como o Bolsonaro entrar, pois ele vai ocupar um espaço que foi "construído" para ele.

É a mesma coisa do Trump. Você criou esse discurso virulento com a criminalização da esquerda. Você criminaliza e torna suspeito todo discurso que tenta proteger os mais frágeis. E quando você criminaliza esse discurso, você abre espaço para a violência explícita. E quem fez isso foi a imprensa, não o Bolsonaro.

Dias atrás, outro exemplo entre milhares, eu vi, também na "Globo News" – que a classe média feita de tola assiste massivamente – a turma de "analistas"  dizendo no Jornal das Dez que foi Cabral quem quebrou o Rio. É uma deslavada mentira. Quem quebrou o Rio foi a mídia, comandada pela Globo, associada à Lava Jato, que destruiu os empregos da Petrobrás e de toda sua cadeia produtiva que é vital ao Rio.

Foram bilhões de reais e milhões de empregos perdidos. Depois você diz que foi a propina do Cabral. É claro que Cabral perdeu a noção das coisas. Mas o que ele roubou é uma gota nesse oceano. É assim que você produz uma fábrica de mentira cotidiana. O público não tem defesa contra isso.

Alguns políticos evangélicos não se enquadrariam entre os populistas de direita?

É claro que sim, mas eu acho que temos de separar muito bem essas coisas. O fato de esses indivíduos serem demagogos de direita não significa que toda a clientela evangélica o seja. Ela está sendo obviamente cooptada, de novo pelo trabalho da imprensa.

Como esses evangélicos são de classes populares, isso vira mais um preconceito da classe média contra as classes populares, contra a "burrice" das classes populares etc. Isso é uma coisa ruim, e falsa: em termos de inteligência, a mais burra, melhor, a mais feita de tola de todas as classes foi a classe média, que a partir de agora vai ter obrigatoriamente de pagar muito mais que pagava antes por tudo. Já está acontecendo.

Para você apoiar a destruição do Estado via captura do orçamento para o rentismo e a privatização, agora muito mais cara, dos serviços que o Estado presta, você tem que ser uma entre duas coisas: rico ou otário. É essa a questão que as pessoas que têm que responder sem medo e com sinceridade.

Mais uma vez: as pessoas não nascem tolas, elas são feitas de tolas. E para mim a fábrica da tolice no Brasil é uma mídia que se apresenta como neutra e "serviço público" para, sorrateiramente, destilar seu veneno todo dia. Ela ganha dinheiro e poder com isso e representa os interesses de uma elite predatória.

Jessé Souza
Jessé Souza
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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz