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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

14.4.16

A maior de todas as corrupções

11/03/2016 - Copyleft | CARTA MAIOR

A maior de todas as corrupções

O inimigo comum para garantir a identidade e a coesão ideológica de uma posição política hoje é a corrupção. Mas só dos petistas, é claro...

Venício A. de Lima
Paulo Pinto / Fotos Públicas

"Se as palavras servem para confundir as coisas é porque a batalha
a respeito das palavras é indissociável da batalha a respeito das coisas".

Jacques Rancière, O Ódio à Democracia, Boitempo, 2015

A geração do pós Segunda Grande Guerra se lembrará de que, na metade do século passado, crescemos sendo educados sobre a grande ameaça que pairava sobre o mundo ocidental cristão: o comunismo ateu.

Em tempos de Guerra Fria, sob a tutela dos interesses da política externa dos Estados Unidos, o comunismo vermelho transformou-se na encarnação do mal na Terra, o inimigo comum a ser combatido. Era isso o que aprendíamos em casa, na escola, no catecismo da igreja, no rádio, nas revistas infantis, nos jornais e nos filmes "de guerra".

Na minha mineira e barroca Sabará, circundada por dezenas de igrejas Católicas do ciclo do ouro colonial, mais tarde cidade operária de movimento sindical forte, a mera suspeita de que alguém pudesse ser simpatizante comunista bastava para que se criasse um estigma social como se esse alguém fosse portador de doença contagiosa, a ser evitada a qualquer custo.

Com a vitória da Revolução Cubana, o inimigo comum ficou mais próximo e ainda mais perigoso: o comunismo e, claro, seus seguidores, os comunistas subversivos.

A oposição política ao Getulismo herdado pelo presidente João Goulart, democraticamente eleito, materializou o anticomunismo na luta sem tréguas contra a ameaça que seu governo representava de "vir a ser" controlado por comunistas.

A narrativa pública sobre essa ameaça e a necessidade inadiável de defesa da democracia "antes que fosse tarde demais" foi sendo consolidada. Um vocabulário específico foi costurando a nova linguagem que aprisionou o pensamento de vastas camadas da população com o protagonismo ativo da "Rede para a Democracia" que reunia diariamente em todo o país emissoras de rádio e jornais dos principais grupos de mídia da época: Os Diários Associados, O Globo e o Jornal do Brasil.

Não se constituiu exatamente em surpresa, portanto, quando na reta final para o golpe civil-militar de 1964, setores, sobretudo, da classe média urbana, saíram às ruas para defender os valores e tradições cristãs, o mundo livre e a democracia, para combater o inimigo comum, o comunismo e os subversivos comunistas.

A corrupção, sim, a corrupção aparecia apenas como uma coadjuvante do inimigo principal na narrativa publica dominante.

Deu no que deu. Em nome do anticomunismo, da democracia e em defesa dos valores cristãos, o país padeceu 21 longos anos de ditadura.

Mais de meio século depois, um novo inimigo comum

A Guerra Fria acabou (?). O comunismo deixou de ser o inimigo comum do Mundo Livre, do Ocidente Cristão. Lyndon B. Johnson não é mais presidente dos EUA e nem Lincoln Gordon seu embaixador no Brasil. Os militares brasileiros se dedicam às suas missões constitucionais. As Torres Gêmeas foram atacadas em Nova Iorque. O mundo se globalizou.

Muita coisa mudou, mas a exigência de um inimigo comum para garantir a identidade e a coesão ideológica de uma posição política (ou de um grupo) continua mais atual e necessária do que nunca.

O terrorismo e o islamismo – ou o terrorismo islâmico – passaram a ocupar o lugar de inimigo comum que antes pertencia ao comunismo no cenário internacional, a partir do início do novo século.

Entre nós, mais recentemente, o comunismo foi substituído por um velho e conhecido inimigo, coadjuvante nos idos de 1964: a corrupção da coisa pública e, claro, os corruptos.

Hoje, mais do que ontem, os oligopólios privados que controlam o que chega ou não ao conhecimento público – vale dizer, que controlam o espaço onde se forma a opinião dita pública –  detêm o poder de definir a linguagem dentro da qual se enclausura a construção do inimigo comum.

Hoje, mais do que ontem, a definição do significado de cada uma dessas palavras – o que constitui corrupção e quem são os corruptos – faz parte essencial da própria disputa pelo poder.

A novidade entre nós, nos últimos anos, talvez seja a participação militante de setores do Judiciário que, seletivamente, escolhem qual corrupção devem investigar, e quais os corruptos devem ser julgados e condenados. Tudo com a colaboração ativa e decisiva da grande mídia e de seu vocabulário e linguagem uniformes.

O resultado de todo esse processo – que já presenciamos – é um país dividido ao meio, intolerante e cheio de ódio.

A corrupção é hoje o que o comunismo foi nos tempos de Guerra Fria. E os corruptos foram sendo seletivamente definidos como sendo apenas os petistas, filiados, aliados ou apenas simpatizantes do Partido dos Trabalhadores. Combater o petismo e tirar os seus líderes do poder – mesmo que tenham sido democrática e legitimamente eleitos –  ou impedi-los de tentar, democraticamente, voltar ao poder –  foi aos poucos se constituindo na prioridade de vastas parcelas da população.

A memória coletiva, infelizmente, é curta. Muito curta. A maioria dos brasileiros talvez não saiba ou não se aperceba que os anos passam, mas as estratégias e os mecanismos de luta pelo poder se repetem e, muitas vezes, perpetuam os mesmos grupos e os mesmos interesses: a maior e mais antidemocrática de todas as corrupções é a corrupção da opinião pública.

Talvez um dia a História (com H maiúsculo) revele a todos os brasileiros o que de fato está a acontecer no Brasil de 2016.

A ver.

.......................

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da Universidade de Brasília (aposentado) e autor de Cultura do Silêncio e Democracia no Brasil, EdUnB, 2015, dentre outros livros.

Créditos da foto: Paulo Pinto / Fotos Públicas





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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz