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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

19.10.18

É pela própria vida que devemos defender os direitos humanos

Sociedade

Opinião

É pela própria vida que devemos defender os direitos humanos

por Felipe Milanez — publicado 18/10/2018 14h27
Não existe justificativa para a tortura e crueldade
Felipe Milanez
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Homenagem de Waters a Moa do Katendê em show em Salvador

A imagem de Mestre Moa do Katendêocupou a imensa tela do palco de Roger Waters, na noite da quarta-feira 17 em Salvador. E ficou lá acompanhando o silêncio, os gritos do #EleNão, o discurso de Roger Waters, a lua crescente no céu. Braços abertos e o olhar sereno do mestre capoeirista, a paz estampada no rosto do artista. Os braços abertos...

Na imensa tela passaram cenas de desastres no mundo inteiro: a Palestina ocupada, a violência de Israel, o muro norte-americano, Trump e mais Trump, indústrias, poluição, o chamado para o protesto, a resistência, a defesa do planeta terra.

Waters já havia mostrado o "ponto de vista político censurado" para esconder o nome de Bolsonaro como neo-fascista no Brasil, já havíamos gritado em coro #EleNão, respondido ao chamado de Resist ao neo-fascismo, a Zuckerberg, e à tortura. Tortura, talvez, a principal condenação de todo o show.

E a imagem de Moa. Morto ali perto da Fonte Nova, no Engenho Velho, com 12 facadas de puro ódio contra a sua posição política, ódio por defender o PT, a democracia, os direitos humanos. Moa era a gente nesse mundo em destruição, o Brasil visto pelo mundo hoje. E assim vimos que a covardia e a violência daqui chocam o mundo inteiro, mais ainda do que nós nos chocamos com a violência do mundo. Moa, disse Waters, foi brutalmente assassinado e será sentida sua falta na sua comunidade e no mundo inteiro. Foi um grande exemplo, que espalhava a mensagem de amor, humanidade, empatia, coragem.

Waters chorou ao falar de Moa, como eu e muitas outras pessoas, assistindo, também choraram.

Temos dois caminhos para escolher nas eleições, e o "futuro do Brasil deveria ser construído sobre o que ele acreditava", defendeu. "Não sobre o que alguns outros acreditam", em referência ao fascismo bolsonarista (veja aqui). #EleNão.

Leia também:
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Roger Waters e a extrema-direita de ontem e de hoje

Waters pendurou-se em uma corrente em performance para denunciar a tortura, condenou a tortura em diversos momentos, e alunos do Projeto Axé de Salvador entraram no palco vestidos como presos torturados em Guantánamo. Tortura, sabe Waters, é o que resume o pensamento de Bolsonaro.

De todas as falas escandalosas do pensamento perturbado do candidato do PSL à Presidência, talvez a que mais provoque ojeriza seja sua defesa da tortura como método de prática política: "sou favorável à tortura". Nesse mesmo discurso, ele diz: "merecia o pau-de arara, funciona".

Merecia, funciona. Merecia. Funciona. Merecia, ele julga. Funciona, ele justifica. Ele, o monstro, justifica a tortura.

Tortura e crueldade estão relacionadas no artigo 121 do Código Penal como qualificadoras do homicídio que agravam a pena: "tortura ou outro meio insidioso ou cruel". Tortura é crueldade.

Não há justificativa para a crueldade. E é em torno da crueldade que se resume o discurso de ódio que toma conta da atual onda fascista no Brasil.

Crueldade que objetifica, que animaliza o humano; crueldade que desumaniza.

Crueldade que divide aqueles que podem viver, daqueles que devem morrer. Crueldade como exercício da necropolítica, para usar a expressão do filósofo camaronês Achille Mbembe.

A tortura foi o método sistemático pelo qual a ditadura enfrentou as oposições ao regime entre 1964-1985. O candidato do PSL, todos sabemos, defende abertamente a ditadura e justifica a estratégia política da ditadura: a tortura. Foi assim que enalteceu o mais emblemático e covarde dos torturadores, coronel Ustra. Ustra que, nessa quarta-feira, foi inocentado de sua barbárie pelo TJ de São Paulo. A "suposta" barbárie da "suposta" ditadura, definiu o desembargador maltratando de forma cruel a história.

Muito se escreveu sobre a tortura na ditadura. Mas como zumbis, aterrorizados diante do medo, parece tudo deletado da memória coletiva como se fosse apagada uma conversa no whatsapp.

A tortura política, escreveu Leonardo Boff, cinde mente e corpo: "O mais terrível da tortura política é o fato de que ela obriga o torturado a lutar contra si mesmo. A tortura cinde a pessoa ao meio. Coloca a mente contra o corpo.

A mente quer ser fiel à causa dos companheiros, não quer de forma alguma, entrega-los. O corpo, submetido à extrema intimidação e aviltamento, para ver-se livre da tortura, tende a falar e assim a fazer a vontade do torturador. Essa é a cisão."

Boff descreve o efeito da desumanização que ocorre pela perversidade e crueldade de torturadores a partir da cisão entre a mente e o corpo. Nesse caminho, o torturador invade a mais profunda intimidade da vítima, abre uma brecha na alma do torturado, "lá onde moram os segredos mais sagrados e onde a pessoa alimenta seu mistério". Acompanha e perturba a vida da pessoa, de forma a possuir a vítima e fazer dela um outro onde não se reconhece, e que faz perder o sentido de existência.

A crueldade de enaltecer o torturador diante da vítima, e diante de todo o mundo no microfone, como fez o candidato do PSL quando votou o impeachment de Dilma Roussef, provocou ojeriza e náusea na tentativa de atingir a estrutura psíquica da existência de cada pessoa que se reconhecesse naquela posição. Não era apenas para provocar Dilma Rousseff, para trazer a presença do torturador na sua fala — e provocar aquele efeito descrito Frei Betto que abateu Frei Tito, exilado na França, de fazer sentir a todo momento a presença de seu algoz, presença perturbadora que fez Tito tirar sua vida.

Enaltecer o cruel torturador teve o objetivo de criar o terror. Terror que pode ser entendido como aquele sentimento que se propaga quando não sabemos de onde vem o medo. Democracia, definiu o reitor da Universidade Federal da Bahia, João Carlos Salles, é quando toca a campainha as 5 da manhã e pensamos que é o leiteiro.

A mente perturbada e cruel que defende a tortura tem na estrutura fundamental de seu discurso a separação da humanidade. A zona do ser e a zona do não ser, como descreveu Frantz Fanon sobre o sistema colonial.

O fascismo atual no Brasil tem a característica de tentar reproduzir internamente a estrutura de dominação do mundo colonial. Daí os homens brancos ao lado do candidato querem a subordinação ou o extermínio dos negros, negras, indígenas, quilombolas, e o controle primordial sobre a estrutura da "família": como escreveu Maíra Kubík Mano, já em 2016, "o fascismo também tem ideologia de gênero".

São os aspectos "inaceitáveis", descreveu Albert Camus sobre o uso da tortura pela França na guerra de descolonização da Argélia. "Devemos recusar todas as justificações". Sabemos hoje que o exército francês treinou, na Escola das Américas, militares brasileiros para aprimorarem as técnicas da tortura que foram utilizadas na ditadura.

Diante da crueldade do candidato do PSL, a disputa nessa eleição é efetivamente sobre direitos humanos. Direitos humanos não é uma questão apenas do Brasil, mas da humanidade. A violência contra as populações minorizadas que se recusam a se "adequarem", como propõe o discurso fascista do candidato do PSL, é uma violência contra toda a humanidade. E é por direitos humanos para toda a humanidade que precisamos votar.

É por Moa do Katendê, assassinado em Salvador. Por Marielle Franco e Anderson Gomes, assassinados no Rio (cujo crime o candidato do PSL ao governo do Rio não se comprometeu a investigar). Por Davi Mulato Gavião, assassinado em Amarante, no Maranhão. Por Priscila, travesti assassinada a facadas em São Paulo por bolsonaristas, vítima que teve nome e identidade também roubada pela polícia e pela mídia.

É pela vida que devemos defender os direitos humanos e recusar a tortura.


https://www.cartacapital.com.br/sociedade/e-pela-propria-vida-que-devemos-defender-os-direitos-humanos


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz