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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

15.10.18

A democracia ainda pode ser salva!

Bolsonaro e o uso da violência política nas eleições

Publicado em: outubro 15, 2018

Erick Kayser (*)

O 2º turno das eleições presidenciais ganhou feições dramáticas ao trazer a tona algo que até então esteve quase que ausente das disputas eleitorais do país nos últimos 30 anos: a violência política. Enquanto escrevia este artigo, já havia mais de 50 casos de agressões registrados pelo Brasil nos últimos dias. Um dos casos mais graves ocorreu em Salvador, logo após a divulgação dos resultados do 1º turno, quando o Mestre capoeirista Moa do Katendê foi assassinado com 12 facadas nas costas por ter declarado seu voto em Haddad. O assassino, apoiador de Bolsonaro, após ser detido, confessou que o crime ocorreu por motivação política.

O exame destas dezenas de casos de violência revelam, ao contrário do que alguns querem fazer crer, que não existem dois lados envolvidos equivalentes, alimentando mutuamente o uso da força e das agressões físicas. Todos os casos respondem uma mesma configuração: o lado agressor é composto de apoiadores de Bolsonaro e as vítimas agredidas são apoiadores de Haddad. Em alguns casos nem mesmo é necessário ser apoiador da candidatura petista, basta "parecer" petista: pertencer a alguma minoria ou usar uma roupa vermelha.

A prática da violência pela extrema-direita não começou propriamente na campanha eleitoral, ela já vinha se insinuando neste último período, mas de forma pouco coordenada. Se o assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, é o caso mais eloquente desta recente onda de violência política, não nos esqueçamos dos tiros contra a caravana de Lula ou ainda as agressões ocorridas contra a Vigília democrática por Lula em Curitiba, entre tantos outros casos. Em comum em todos estes é a ausência de qualquer punição aos responsáveis pelos crimes. A certeza da impunidade é um dos maiores combustíveis para alimentar a chama da violência extremista.

No 1º turno, onde um atendado a faca vitimou Bolsonaro, não teve como resposta por parte de sua campanha um apelo à paz, pelo contrário, alguns casos de agressões praticadas por militantes da extrema-direita se espalharam pelo país. Talvez um dos mais bizarros atos de violência no 1º turno ocorreu na Bahia, em 30/09, quando um cachorro foi morto a tiros durante uma carreata pró-Bolsonaro no centro da cidade de Muniz Ferreira, no Recôncavo Baiano. O cão foi alvejado por balas enfrente aos seus donos e com crianças presentes. A banalização da violência assume as raias do absurdo.

A grande votação de Bolsonaro, ultrapassando a marca de 40% dos eleitores, deu um novo impulso a esta violência. As mensagens protocolares do candidato, justificando que não poderia controlar seus apoiadores, deram uma espécie de carta branca, permitindo que todos os grupos extremistas saíssem das tumbas exibindo a sua gramática da intolerância e ódio. Esta violência, em certa medida, é espontânea, ela ainda não responde a um comando centralizado que ordena como e onde serão feitos os ataques. Estas práticas desordenadas de agressão, no entanto, não significam que não tenham responsabilidade direta da candidatura Bolsonaro. Seu discurso de ódio emulou que esta violência politizada fosse ampliada e direcionada contra os adversários e opositores do "mito".

A ausência de uma condenação veemente da violência de seus apoiadores não ocorre apenas por casuísmo ou fidelidade a sua pregação da intolerância e adoração as armas. Responde também a uma dupla função política que, de forma pragmática, Bolsonaro espera colher dividendos, uma mais imediata e a outra no médio prazo. A primeira é difundir o medo em seus opositores. O fascismo historicamente sempre se valeu de instrumentos de intimidação que buscavam perseguir e agredir fisicamente seus adversários. O padrão é um uso covarde destas ações violentas, os ataques sempre ocorrem havendo uma superioridade numérica dos extremistas ou o uso de armas contra indivíduos desarmados.

O medo da violência política, pela forma unilateral que ocorre, visa intimidar as pessoas a apoiarem publicamente a candidatura Haddad ou a manifestar seu repúdio a candidatura Bolsonaro, como na campanha do #EleNão. Sufocando, na marra, uma onda pró-Haddad nas ruas, eles acreditam garantir uma vitória de seu candidato. Esta estratégia do medo cumpre, neste momento, um papel secundário, não passaria por aí o centro da campanha da extrema-direita. Acreditam que a vantagem obtida no 1º turno é irreversível e que sua vitória estaria virtualmente garantida. No entanto, face um revés nas próximas pesquisas, a tática do medo poderá ganhar centralidade.

A violência política, além de eliminar fisicamente (de forma temporária ou definitiva) seus oponentes, beneficiaria Bolsonaro em uma outra direção, caso a violência se mantenha nestes atuais patamares ou mesmo se agudize. Em médio prazo, esta continuidade da violência traria a difusão do pânico e da sensação de caos social. Cenário ideal para um "líder forte" vender soluções autoritárias que justifiquem toda a sorte de arbítrio em nome da Ordem. Em resumo, Bolsonaro planta as sementes do caos para depois, hipocritamente, se vender como o salvador dos problemas gerados por ele próprio.

Não apenas de socos, chutes e tiros se faz a violência política da campanha Bolsonaro, o campo simbólico é uma das arenas privilegiadas da campanha. Desde elogios a ditadura de 1964 por Bolsonaro e seu vice, passando pela torrente de fake news nas redes, onde o ódio político ultrapassa qualquer dimensão de razoabilidade. A violência no campo da memória tem sido sedimentada com uma forma e escala inéditas, não vistas ao redor do mundo. Um dos símbolos desta violência simbólica foi praticada por Daniel Silveira, eleito deputado federal pelo PSL, e Rodrigo Amorim, deputado estadual mais votado do RJ, também pelo PSL, que publicamente quebraram uma placa de rua com o nome de Marielle Franco.

O filósofo alemão Walter Benjamin, vítima do nazismo, alertava: "Também os mortos não estarão seguros diante do inimigo, se ele for vitorioso." A batalha contra a violência política é importante tanto no campo simbólico e da memória, quanto no repúdio as agressões e na defesa da paz. Derrotar o fascismo passará por uma ação combinada nestes dois terrenos. Não aceitar a intimidação que buscam impor pela violência é a maior resposta a ser dada ao extremismo. O ato político na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, que distribuiu mil placas de rua em homenagem à vereadora assassinada é um exemplo contundente de ação contra a intolerância e as tentativas de intimidação e medo. A democracia ainda pode ser salva!

(*) Historiador

https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2018/10/bolsonaro-e-o-uso-da-violencia-politica-nas-eleicoes-por-erick-kayser/

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz