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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

19.2.15

A campanha da fraternidade de 2015 e o poder-serviço

SUL21
19/fev/2015, 9h08min

A campanha da fraternidade de 2015 e o poder-serviço (por Jacques Távora Alfonsin)

Todos os anos, durante a quaresma, a comunidade cristã de todo o Brasil é convidada pela CNBB a participar de estudos e mobilizações planejadas e executadas, num espírito e fraternidade, para enfrentar problemas que afligem diretamente a vida do povo, especialmente a do mais pobre. Em 2015 o objetivo geral desta campanha é o de "Aprofundar, à luz do evangelho, o diálogo e a colaboração entre a Igreja e a sociedade, propostos pelo Concilio Ecumênico Vaticano II, como serviço ao povo brasileiro, para a edificação do Reino de Deus."

O lema inspirador desse objetivo foi retirado do evangelho de Marcos, quando ele transcreve parte de um pronunciamento de Jesus Cristo: "Eu vim para servir". Isolada do seu contexto, essa expressão pode ser entendida apenas como um ideal de disponibilidade, generosidade, bondade e desprendimento, típicos sinais de espiritualidade e religião.  Acontece que ela está inserida num diálogo mantido por Jesus Cristo com dois dos seus seguidores (Tiago e João) que, por sempre ouvirem Jesus Cristo falar do Reino de Deus, pretendiam se habilitar às vantagens características de todo o exercício próprio do poder de um reino, ficar junto do rei e dominar.

Foram severamente repreendidos na frente de outros apóstolos chamados a ouvir a mesma coisa: "Sabeis que os que parecem dominar as nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Entre vós, porém, não deve ser assim. Ao contrário, quem de vós quiser ser grande seja vosso servidor e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos. Pois também o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos."

Mesmo para quem não tem fé nem religião, o forte componente político desse discurso é suficiente para gerar dois efeitos atuais e revolucionários: o primeiro ataca diretamente, com poucas exceções, o poder da disputa encarniçada dos representantes de partidos políticos – cujos programas nunca esquecem de mencionar seus méritos em servir o povo – por dominar o que puder ser dominado, independentemente de qualquer escrúpulo ético, valendo tudo  para isso, até as alianças mais espúrias, em nome da chamada "governabilidade". O segundo é capaz de mobilizar as vítimas do mau exercício do poder-dominação político, para mudar esse modelo, desvelar a insinceridade dos seus programas, organizar-se em defesa de gente oprimida e reprimida, sem concessões a qualquer sistema sócio econômico e político que mascare sua dominação material com um arsenal de leis formais, sem nenhuma garantia para direitos sociais.

Para ilustrar o texto base da campanha, publicado pela editora Paulinas ele traz na capa uma foto do Papa Francisco lavando e beijando os pés de uma pessoa, como fez Jesus Cristo antes da sua última ceia com as/os suas/seus apóstolas/os. À profunda humildade do gesto corresponde a grandeza da fraternidade reverente dedicada à/o próxima/o necessitada/o e pobre.

Frente a um sistema de convivência como o do capitalismo atual, onde o que mais se entende como virtude é vencer, competir, passar as/os outras/os para trás e, se for preciso, enganar as outras pessoas, explorá-las para acumular dinheiro, esse gesto de Jesus Cristo, de puro poder-serviço, parece insano e humilhante.

Bem examinadas as finalidades do Estado, entretanto, da sua administração, de todas as leis e de todas as sentenças, não será somente para o serviço devido ao povo que tudo isso é montado, dirigido e julgado? Por que, então, esse tipo de poder se perverte em poder político de dominação, opressão e, muito frequentemente, pura repressão?

A campanha da fraternidade procura dar respostas a essas questões em plano prático, mostrando como o exercício da autoridade pública e o do poder econômico privado só podem acentuar as injustiças sociais que afligem o povo na medida em que exercem suas funções a serviço, é verdade, mas a serviço de si próprias, quando a soberba e o gosto da dominação e da exploração das/os outras/os domina todo o pensar, o sentir e o fazer desse delírio megalomaníaco.

A leitura de algumas exigências sociais clamando ontem e hoje por enfrentamento, atendimento e solução, indicadas na campanha, denunciam necessidades sociais há muito carentes de atenção e satisfação prioritária, mas relegadas ao esquecimento pelas pressões de não se abandonar a guarita vigilante sobre os avanços que as/os adversárias/os políticas/os estejam fazendo para conquistar qualquer pedaço do poder:

"A melhoria das condições de vida dos brasileiros ainda não se traduziu em melhorias nas condições estruturais de vida da população, sobretudo dos necessitados. Nesse sentido, é oportuno lembrar: a luta pela reforma agrária e as condições de trabalho no campo; as relações de trabalho que compreendem o salário justo e o emprego decente; o acesso à moradia. No caso dos indígenas, é urgente a demarcação dos territórios e a mediação nos locais onde existem agricultores que possuem título. No caso das comunidades quilombolas e comunidades tradicionais, é urgente que o poder executivo demarque os territórios e os proteja da especulação imobiliária. Outra urgência é estabelecer políticas públicas de inclusão social de milhares de excluídos. Estas situações requerem uma ação mais incisiva, pois envolvem situações estruturantes fundamentais do direito à vida e ao reconhecimento da dignidade humana. Além disso, ferem o bem comum e desestabilizam a justiça social, gerando exclusão e violência."

Com providências reivindicadas com tal urgência, exigindo prontidão de trabalho, prestação de serviço inadiável, satisfação imediata de necessidades vitais do povo, esse não entende como tudo isso é permanentemente prorrogado por força de disputas de poder pelo poder, tão estéreis como a mó do moinho que mói a si mesma.

Embora seja provável que, nos próximos quarenta dias da quaresma, as políticas públicas e privadas de atendimento dessas demandas relembradas pela campanha das fraternidade fiquem todas reféns do que se está apurando na chamada operação lava-jato, uma coisa é certa: sem lavar os pés do povo necessitado e pobre, pelo respeito devido à efetividade dos seus direitos sociais, essa outra higienização poderá até levar muita gente para a cadeia, mas nunca alcançará força para libertá-lo de outra muito mais cruel e permanente, aquela que o mantém preso pela injustiça social contemporânea.

.oOo.

Jacques Távora Alfonsin é Procurador do Estado aposentado, Mestre em Direito pela Unisinos, advogado e assessor jurídico de movimentos populares.



http://www.sul21.com.br/jornal/a-campanha-da-fraternidade-de-2015-e-o-poder-servico-por-jacques-tavora-alfonsin/

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz