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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

20.5.08

Que anos foram aqueles?


O fim de um ciclo expansivo

A década de 60, junto com a de 20, do século XX, apareceram como aquelas em que os grandes projetos anti-sistêmicos pareciam possíveis, porque décadas de crise hegemônica, em que as grandes estruturas de poder mundial mostravam fissuras e projetos alternativos exibiam força e pretensões. Na década de 20, a conseqüências da guerra, a derrota alemã – onde se concentrava a esquerda mais forte da época -, a vitória da revolução bolchevique – produziram um cenário de crise hegemônica.

Grandes transformações poderiam ser previstas naquele momento, de tal forma várias sociedades européias tinham sido profundamente afetadas pela guerra, tivessem ou não triunfador na guerra. Mas as derrotas da esquerda, em particular na Alemanha e na Itália, abriram campo para que as grandes transformações fossem fortemente regressivas, instaurando o fascismo e o nazismo. A década se concluía com a abertura de um período contra-revolucionário de massas.

Para chegar à década de 60, o mundo passou pela Segunda Guerra Mundial – que, com o passar do tempo, se assemelha cada vez mais a um segundo tempo da uma única guerra, de 3 décadas -, que terminou de concretizar aos EUA como nova potência mundial emergente, diante da superada Grã-Bretanha e da derrotada Alemanha. E, terminada esta, pelo mais longo ciclo longo expansivo do capitalismo, que na Europa foram chamados de os “30 gloriosos”, pela expansão econômica e pela afirmação de direitos sociais, incluindo o pleno emprego.

A “era de ouro do capitalismo” – segundo Eric Hobsbawn – viu o crescimento simultâneo das potências centrais do capitalismo – de suas locomotivas nesse ciclo, os EUA, a Alemanha e o Japão -, de núcleos do Terceiro Mundo – como os processos de industrialização no México, na Argentina e no Brasil – e do recém constituído “campo socialista”. Esse ciclo se dá com os EUA funcionando como o grande fator de reativação – com o Plano Marshall promovendo a reconstrução da Europa, em particular dos países derrotados, Alemanha e Itália -, assim como do Japão e da Coréia do Sul, sob ocupação militar dos EUA.

A crise do mundo bipolar

A ascensão dos EUA se institucionalizou com os acordos de Yalta, mas que ao mesmo temo formalizaram a constituição do “campo socialista”, sob a liderança da outra super-potência mundial – a União Sovética. O ciclo de maior expansão econômica capitalista foi, ao mesmo tempo, o da bipolaridade e o de maior extensão dos direitos sociais e políticos. Neste aspecto, coincidiram, não por acaso, anti-liberalismo e o momento menos injusto do capitalismo.

A década de 60 não se explica por fatores meramente econômicos, mas sua explosividade tem, também no plano econômico, condimentos importantes. As maiores mobilizações populares costumam dar-se no final de um grande ciclo expansivo, quando os direitos conquistados passam a ser colocados em jogo e as expectativas de continuidade da extensão dos direitos sofre uma freada. O longo ciclo expansivo, responsável, junto à força reivindicativa dos sindicatos, pelo pleno emprego, refletia uma correlação de forças social e ideológica favorável aos trabalhadores.

Esse ciclo revelava sinais de que terminava na entrada da década de 60, com diminuição do ritmo de crescimento das economias, ao mesmo tempo que as mobilizações populares seguiam lutando pela ampliação dos seus direitos.

Do ponto de vista político, a bipolarização entre as duas super-potências revelava dificuldades para seguir mantendo sob sua direção os processos políticos mundiais. A razão fundamental era o surgimento e o fortalecimento do chamado Terceiro Mundo, a partir da multiplicação acelerada da independência das colônias européias na Ásia e na África, ao lado da ascensão das lutas anti-ditatoriais e de anti-imperialistas na América Latina. Ao lado desse aspecto, as divergências sino-soviéticas projetavam a China como potência autônoma, com capacidade própria de liderança internacional.

A crise cubana foi um momento de intensificação dos conflitos entre as super-potências, que se concluiu com desgaste nas relações entre Cuba e a URSS, pela resolução entre esta e os EUA, sem consulta a Havana. Mas esse não foi o único risco à política de “convivência pacífica”, em que a competição e a colaboração econômica ia afirmando a interdependência entre as duas super-potências.

A vitória da revolução cubana, como resultado de um processo de guerra de guerrilhas, favoreceu a multiplicação dessa forma de luta na América Latina – com guerrilhas no Peru, na Guatemala, na Venezuela, somando-se àquelas da Colômbia e da Nicarágua -, mas também na África (como na Argélia,no Congo, em Angola, em Moçambique, na Guinea-Bissau, no Marrocos, entre outros) e na Ásia. Aqui, a resistência vietnamita lutava contra a ocupação militar norte-americana, depois de haver derrotado as forças japonesas e francesas, luta que se estenderia ao Laos e ao Cambodja, além das lutas na Indonésia – vítima de um dos maiores massacres do século XX, para contê-la.

A extensão das lutas guerrilheiras, incentivadas e apoiadas pela China e por Cuba – as duas maiores lideranças emergentes -, questionavam a política de “coexistência pacífica” entre EUA e URSS. O Movimento de Países Não-Alinhados organizava as forças da periferia, onde disputavam liderança a China e Cuba.

A China, acentuando suas divergências com a URSS, a partir da crítica do modelo de desenvolvimento econômico que, segundo ela reprodução os capitalistas, passou a criticar a política de coexistência pacífica e os acordos de desnuclearização, que mantinham esse poder nas potências que já dispunham dele, bloqueando o acesso de novos países à tecnologia nuclear. A intensificação da polêmica e a posta em prática pela China do processo de “revolução cultural”, radicalizaram as posições defendias por Mao-Tse-Tung, até caracterizar a URSS como “imperialista” ou “social-imperialista” – social nas palavras e imperialista de fato.

A caracterização da URSS como imperialista a igualava aos EUA, definindo os conflitos entre eles como divergências interimperialistas. Trata-se assim de romper com essa bipolaridade entre as duas super-potências, caracterizadas ambas como imperialistas. Porém a análise chinesa se radicalizava ainda mais, ao definir que o imperialismo norte-americano seria decadente – chamado de “tigre de papel” -, enquanto o soviético seria mais perigoso, por ascendente.

Colocavam-se assim as premissas para concentrar a luta contra a URSS como inimigo fundamental, assim como abrir espaço para uma aliança tática com os EUA – o que só começaria a concretizar-se no começo da década seguinte, em 1971, com a visita de Nixon à Pequim.

Cuba buscava espaços para as lutas guerrilheiras nos três continentes, coordenadas na Tricontinental e na Organização Latinoamericana de Solidariedade (Olas), ambas constituídas em reuniões em Havana. Tinha diferenças com a URSS – principalmente na atitude em relação aos EUA – e com a China, porém procurava não aprofundar conflitos com esses países. Na América Latina as diferenças eram mais acentuadas, pela presença dos partidos comunistas, que em quase todos ao países tinham conflitos com os movimentos guerrilheiros, na definição das estratégias nacionais.

A resistência vietnamita

O tema político aglutinador da década de 60 foi a solidariedade com a resistência vietnamita à ocupação militar norte-americana. A luta dos vietnamitas recebia a solidariedade da URSS, da China, de Cuba, dos movimentos de libertação e grande parte dos governos dos três continentes periféricos. Para os EUA pareciam representar simplesmente mais uma incursão militar, entre tantas outras, fácil, por atacar um país atrasado, agrícola, produtor de arroz. Tratava-se de ter sucesso onde o Japão e a França – potências coloniais decadentes – tinham fracassado. Tratava-se de “dar uma lição”, que tivesse eco em outros países em que se desenvolviam lutas guerrilheiras.

A força demonstrada pela resistência vietnamita foi levando os EUA a desenvolver uma escalada militar cada vez maior, chegando a ter 700 mil soldados no país, a minar o porto de Hanoi, a utilizar napalm para atacar zonas de ação da guerrilha. As atrocidades se sucediam, eram exibidas pela imprensa internacional, a quantidade de mortos norte-americanos enfraquecia a coesão interna nos EUA, intensificando-se tanto a solidariedade internacional com o Vietnam, como as lutas internas nos EUA pela retirada das tropas, pela negação de se incorporar às FFAA norte-americanas e pela deserção dos soldados já incorporados.

A coesão interna aos EUA era afetada também por outro movimento, além da luta pacifista. A luta pelos direitos civis, que buscava terminar com as discriminações raciais ainda existentes nos EUA. Sua combinação levará à maior crise de legitimidade do sistema política norte-americano, porque ela se dava no marco de outros acontecimentos, como os assassinatos de John Kennedy, do seu irmão Bob Kennedy, dos lideres negros Malcom X e Martin Luther King. Essa ruptura da unidade interna durante uma guerra externa costuma ser fatal para o sucesso bélico e se desenhava, surpreendentemente, uma grave derrota dos EUA.

A centralidade da luta contra o imperialismo dos EUA favorecia a extensa solidariedade. Pouco antes da sua morte na Bolívia, o Che havia lançado sua Mensagem à Tricontinental, em que, depois de criticar como as divergências entre a China e a URSS enfraqueciam o apoio ao Vietnam, que ficava solitário diante dessas divisões em um campo que deveria estar unificado diante do imperialismo norte-americano. O Che destacava a centralidade da luta dos vietnamitas de resistência à invasão norte-americana e como dela dependia o futuro da luta anti-imperialista. Mas concluía, destacando a melhor forma de solidariedade com os vietnamitas: “Criar dois, três, muitos vietnãs” – que se tornou logo um dos grandes lemas das lutas de 68.

Na Europa ocidental, especialmente na França e na Alemanha, formaram-se grande quantidade de Comitês de Solidariedade ao Vietnam. Foram estes comitês os que congregaram os estudantes e deram inicio às mobilizações que desembocariam nas barricadas de 68. Um deles, o da Universidade de Nanterre, foi o detonante das lutas de maio de 68. Bastaria isso para destacar o papel fundamental que os temas internacionais, em particular a solidariedade com os vietnamitas e contra o imperialismo norte-americano, tiveram em todas as lutas da década de 60.

O internacionalismo, a solidariedade

A imagem do Che foi a principal imagem que marcou a década, especialmente depois da sua morte, em outubro de 1967. Suas citações – além da já mencionada sobre o Vietnã –povoaram as lutas e os imaginários políticos e ideológicos: “O dever de todo revolucionário é fazer a revolução”; “É preciso endurecer, sem perder a ternura, jamais.”; “o verdadeiro revolucionário é feito de grandes sentimentos de amor.”

Sua imagem passou a representar a rebeldia, o compromisso ético da militância revolucionária, a solidariedade internacionalista, expressa da forma mais concreta na sua gesta no Congo, primeiro, na Bolívia em seguida. O movimento dos anos 60 tinha um forte componente internacionalista, solidário. Todas as lutas dos povos do mundo eram reivindicadas pelas mobilizações, pelos movimentos, pelas publicações, pelas palavras-de-ordem.

Em um caso concreto, quando Cohn-Bendit foi proibido de reingressar na França, onde vivia, embora fosse alemão de nascimento, os movimentos cunharam a expressão: “Somos todos judeus alemães”, de forma similar ao que havia feito a Comuna de Paris, quando, em pleno conflito bélico da França com a Alemanha, nomeou como Ministro do Trabalho a um operário alemão, para mostrar que os interesses dos trabalhadores de todos os países eram os mesmos e se situam por cima dos conflitos bélicos entre as burguesias dos vários países.

Postado por Emir Sader, 17/05/2008 às 18:34

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz