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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

2.4.24

60 anos do Golpe de 1964: ditadura nunca mais

Há 60 anos, no dia primeiro de abril de 1964, começava no Brasil um dos períodos mais tenebrosos de sua História, a Ditadura Militar impetrada após o golpe de Estado que depôs o presidente João Goulart, Jango, e o exilou. O governo militar teve início com eleições indiretas, colocando o general Humberto Castelo Branco como presidente do Brasil


Com a posse de Castelo Branco no dia 15 de abril daquele ano, a ruptura democrática ganhava vestes de patriotismo, uma luta contra o movimento comunista, com apoio de grande parte do empresariado, da imprensa e até mesmo de igrejas. O país, então, mergulhou em duas décadas de repressão violenta, perseguições, censura, torturas, assassinatos e sucessivas escaladas autoritárias.

Apesar do auge da repressão ser comumente associada ao período posterior ao final de 1968, quando foi implementado o Ato Institucional nº 5, o AI-5, pelo ditador Costa e Silva, a política linha dura começou cedo, era o projeto.  O caráter autoritário se manifestava desde o golpe, e teve início imediato no pós-golpe, especialmente a partir do AI-2. 

Em outubro de 1965, o AI-2 implementou eleições indiretas para a presidência, suprimiu partidos políticos, revogou os direitos políticos de opositores do governo e adotou outras medidas. O ato pegou os desavisados de "surpresa", apesar da grande resistência alertar, e lutar, desde o início, para avisar do perigo que se avizinhava. O AI-2 foi o primeiro a acabar com a ilusão da classe média brasileira, de parte do empresariado que apoiou o golpe e acreditou que seria um governo de transição. 

Os militares chegaram para ficar – e ficaram. O objetivo era claro: interromper os avanços sociais, nominar o inimigo com o fantasma do comunismo, como se um dia de fato o Brasil tivesse passado perto de uma revolução aos moldes de Cuba, o grande bode expiatório até hoje. A violência começou pela perseguição política, com a perseguição a opositores.

O AI-5 de Costa e Silva coroa e verbaliza, institucionalizando, a violência praticada pelo Estado militar. Editado em dezembro de 1968, o ato deu ao ditador que ocupasse o cargo de presidente da República o poder de cassar mandatos, suspender direitos políticos de qualquer pessoa, intervir em estados e municípios, suspender Habeas Corpus para crimes políticos, decretar recesso do Congresso e assumir suas funções legislativas, censurar jornais, livros, músicas e outras obras artísticas e intelectuais. Foi o auge da repressão e violência do regime militar.

A tortura e o assassinato sistemático de militantes políticos por órgãos de repressão política, como o DOI-Codi (Departamento de Operações Internas do Exército), o Cisa (Aeronáutica) e o Cenimar (Marinha), além dos DEOPS (Departamentos de Ordem Política e Social dos estados), passaram a ser uma política de Estado.  

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade, instalada pela então presidenta Dilma Rousseff, entregou ao Planalto o relatório final que apontava e registrava o tamanho dos danos ao país, especialmente aos Direitos Humanos. O relatório confirmou 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no país. Entre essas pessoas, 210 são desaparecidas.

No documento, a CNV traz a comprovação da ocorrência de graves violações de direitos humanos. "Essa comprovação decorreu da apuração dos fatos que se encontram detalhadamente descritos no relatório, nos quais está perfeitamente configurada a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e de tortura, assim como o cometimento de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasileiro" diz o texto.

Mais de 300 pessoas, entre militares, agentes do Estado e até mesmo ex-presidentes da República, foram responsabilizadas por essas ações ocorridas no período que compreendeu a investigação. O documento diz ainda que as violações registradas e comprovadas pela CNV foram resultantes "de ação generalizada e sistemática do Estado brasileiro" e que a repressão ocorrida durante a ditadura foi usada como política de Estado "concebida e implementada a partir de decisões emanadas da Presidência da República e dos ministérios militares".

Outro ponto de destaque das conclusões do relatório é que muitas das violações comprovadas durante o período de investigação ainda ocorrem atualmente, apesar da existência de um contexto político diferente. Segundo o texto, "a prática de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e mesmo de ocultação de cadáveres não é estranha à realidade brasileira contemporânea" e crescem os números de denúncias de casos de tortura.

Seis décadas depois, a memória segue viva, tanto em atos de resistência, quanto na prática política diária. Recentemente, o Brasil viveu mergulhado em um governo militar, advindo de um projeto que derrubou a presidenta Dilma Rousseff em 2023, colocou em seu lugar Michel Temer e elegeu Bolsonaro, levando os militares novamente ao Planalto. 

Primeiro presidente a perder uma disputa à reeleição, revela-se, agora, que o Brasil esteve perto de, novamente, de um golpe envolvendo militares, empresários e políticos. Depois dos atentados às sedes dos Três Poderes em Brasília no dia 8 de janeiro, movimento que pedia a deposição do presidente eleito Lula, e os flagrantes episódios de aparelhamento, vigilância clandestina e trama golpistas revelados recentemente pela Polícia Federal nos dão o norte de que o esquecimento e o apagamento só podem condenar o país a repetir a História. 

É preciso estar atento 

Desde o final da ditadura em 1985, não foi realizado um processo definitivo de reconciliação com o passado. Isso implica que não foram adotadas medidas consistentes e eficazes relacionadas à Justiça de Transição para reparar as violações perpetradas pelos militares. Além disso, indica a ausência de uma reflexão ampla sobre o impacto danoso que o regime teve na sociedade.

Na segunda metade dos anos 1970, sob pressão da crise econômica, protestos estudantis em crescimento e greves de trabalhadores na região do ABC paulista, a ditadura revogou o AI-5 e concedeu uma anistia política limitada. Isso resultou na impunidade dos agentes públicos responsáveis por atos de tortura e assassinato. Apesar disso, os membros do "porão" sentiram-se insatisfeitos e passaram a realizar atos terroristas, culminando na frustrada tentativa de explosão do Riocentro em 1981.

Embora a ditadura tenha chegado ao seu fim em 1985, os setores conservadores que a apoiaram, embora enfraquecidos inicialmente, continuaram presentes no cenário político do país. Eles se opuseram aos primeiros governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, que retomaram a agenda reformista iniciada por Jango. 

Esses setores retornaram ao poder em 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro, que tentou minar a democracia em 8 de janeiro de 2023. Graças à mobilização da sociedade civil e dos movimentos populares, essa tentativa fracassou. No entanto, esse episódio evidenciou que as forças reacionárias mantêm uma postura golpista. 


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz