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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

4.10.19

Legalidade em Bacurau

Colunistas BdF | "Os dois filmes são o Brasil e sua História. As elites, rasgando a Constituição, rompem com a Legalidade, em 1961, como fizeram recentemente, mais uma vez, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e o golpe de 2016. As elites, através do prefeito de Bacurau, aliam-se aos poderes estrangeiros para amedrontar e até eliminar os habitantes". Confira a análise de Selvino Heck.  


COLUNA

Legalidade em Bacurau

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Selvino Heck04 de Outubro de 2019 às 16:12
Legalidade retrata o Brasil acontecido. Bacurau, o Brasil de hoje, vivido e acontecido em 2019, em forma de alegoria e ficção - Créditos: Foto: Divulgação BacurauLegalidade retrata o Brasil acontecido. Bacurau, o Brasil de hoje, vivido e acontecido em 2019, em forma de alegoria e ficção / Foto: Divulgação Bacurau
Os dois filmes são o Brasil e sua História

Dois filmes estão agitando 2019. Um, Legalidade, retrata o Brasil acontecido, com imagens da época, História vivida há meio século, 1961, em Porto Alegre e Rio Grande do Sul, com reflexos e repercussão em todo país. Outro, Bacurau, retrata o Brasil de hoje, vivido e acontecido em 2019, em forma de alegoria e ficção.

Legalidade conta a Campanha acontecida nos anos 1960. O vice-presidente, João Goulart, conhecido como Jango, foi eleito em 1960 com mais votos que o presidente eleito, Jânio Quadros, segundo as regras eleitorais da época. Jânio renunciou ao mandato. Jango, de acordo com a lei e a Constituição, deveria, naturalmente, tomar posse como presidente da República. As forças conservadoras e as forças militares não queriam permitir a posse do vice-presidente. Jango é trabalhista, propõe as Reformas de Base, é tido e acusado como 'comunista'. Estava, inclusive, na China quando Jânio renunciou.

O governador Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, mobiliza o povo gaúcho e brasileiro no episódio conhecido como Campanha da Legalidade, verdadeiro levante popular, exigindo a posse de João Goulart. Brizola convoca as massas populares para irem à rua. Coloca e mobiliza a Brigada Militar, a Polícia Militar gaúcha, para ir à rua também e apoiar o cumprimento da lei. E consegue o apoio do III Exército na defesa da Legalidade. Une o Poder Executivo, as forças militares e o povo na rua: defesa da lei e da Constituição, com posse de Jango como Presidente da República.

Bacurau é um pequeno povoado no sertão pernambucano, que some do mapa de repente, não tem mais sinal de internet, um disco voador começa a voar sobre o povoado. Pessoas estranhas começam a aparecer não se sabe de onde, e começam a matar habitantes de Bacurau e arredores. É o retrato do Brasil invadido hoje e desde sempre a partir de uma pequena comunidade do sertão pernambucano, seu povo e habitantes ameaçados em sua liberdade e sobrevivência. Bacurau e seus moradores reagem, organizam-se, chamam de volta para casa quem está longe, distante, defendem-se. Acabam vencendo a opressão estrangeira e o isolamento.

Os dois filmes são o Brasil e sua História. As elites, rasgando a Constituição, rompem com a Legalidade, em 1961, como fizeram recentemente, mais uma vez, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e o golpe de 2016. As elites, através do prefeito de Bacurau, aliam-se aos poderes estrangeiros para amedrontar e até eliminar os habitantes. As forças invasoras e dominadoras primeiro retiram o povoado de qualquer registro no mapa e na internet – isto é, Bacurau não existe mais, é seu fim -, e depois o fazem fisicamente, matando habitantes sem dó nem piedade.

O Hino da Legalidade de 1961 - de alguma forma gravei a letra na memória, mesmo com apenas dez anos de idade, e morando no interior do interior do Rio Grande do Sul, Linha Santa Emília, Venâncio Aires; ainda o sei cantar de cor, de tanto ouvi-lo nas ondas poderosas da Rádio Guaíba, cujos transmissores, em ideia genial e de coragem, foram requisitados pelo governador Brizola, e instalados nos porões do Palácio Piratini - é altamente significativo. Sua letra é a síntese da Campanha da Legalidade, e permanece altamente sugestivo nos tempos atuais, 2019.

Diz o Hino da Legalidade, de cinquenta anos atrás: "Avante brasileiros de pé,/ unidos pela liberdade,/ marchemos todos juntos com a bandeira/ que prega a lealdade./ Protesta contra o tirano,/ recusa a traição,/ que um povo só é bem grande,/ se for livre sua nação."

Jango, como tantas outras vezes aconteceu na história brasileira, fez um acordo com as elites de então, para não derramar sangue, segundo ele. O acordo, a conciliação permitiu a implantação do parlamentarismo. Jango não tomou posse como presidente legítimo e presidente de fato, segundo aquele ditado popular 'reina, mas não governa'. Num plebiscito realizado em 1963, o parlamentarismo foi amplamente derrotado. Jango torna-se presidente de fato, e defende as Reformas de Base, entre as quais a agrária. O que se torna senha e mote para o golpe militar de primeiro abril de 1964, derrubando Jango, e mergulhando o país numa ditadura militar de 21 anos de duração: fim da liberdade de expressão e organização, perseguição, prisões, mortes, assassinatos, tortura, exílio, inclusive de Jango e de Brizola.

Imperativo registrar que o 'costurador' do acordo de conciliação em 1961 foi o mineiro Tancredo Neves, nomeado primeiro ministro. Depois, no fim da ditadura, em novo acordo e conciliação, e derrotadas as Diretas-Já em 1985, Tancredo torna-se presidente eleito pelo Congresso. Mas adoece e morre, assumindo a presidência o vice-presidente José Sarney, apoiador da ditadura. Importante não esquecer que Tancredo Neves é avô de Aécio Neves, principal patrocinador do impeachment e do golpe de 2016.

Em Bacurau, o povo resiste. A ferro e fogo, armas na mão, os filhos que tinham fugido ou se exilado voltam à terra para defendê-la. A população de Bacurau não deixa o repressor, o opressor e forças estrangeiras dominarem o pequeno povoado e seus habitantes.

Lições da História, segundo Legalidade e Bacurau:

1. Defender a Legalidade nada resolve, quando e se for rompida por acordos por cima, à revelia do povo e da comunidade. Mas em determinados momentos históricos, defender a lei e a Constituição é, ou pode ser, subversivo, revolucionário.

2. O povo, quando organizado e determinado, é mais forte, e vence, como em Bacurau. A unidade popular é fundamental em qualquer quadra da história, quando se trata de defender a lei, a Constituição, os direitos, a democracia, a liberdade. Um povo unido, consciente e organizado tem força política real. Sem unidade popular, não há vitória.

3. Nem sempre a Legalidade sozinha resolve os problemas e os conflitos. A desobediência civil e a revolução fazem parte da história de muitos povos, assim é em Bacurau.

4. Líderes são fundamentais em todos os momentos históricos decisivos. Na Campanha da Legalidade, foi Leonel de Moura Brizola. Em Bacurau, os líderes são vários, mas o principal ator é o povo unido.

5. Brizola requisitou os transmissores da Rádio Guaíba, não permitindo que as fake news de então e seus porta-vozes – a grande imprensa – propagassem a verdade e as mentiras das elites conservadoras e dos EUA, bem retratadas no filme através de uma espiã infiltrada pelo império americano, e inundassem a consciência popular. Em Bacurau, os invasores cortam o sinal da internet, tentando isolar o povo do mundo. Comunicação e informação são sempre fundamentais.

6. A conciliação por cima, sem povo, ou à revelia do povo, só interessa às elites e ao poder dominante.

Muitos espectadores choraram ao assistirem Legalidade. Seja por poderem rever a história da qual participaram, seja por poderem conhecê-la, e saber que um dia o povo gaúcho resistiu. Muitos o aplaudiram no final, e gritaram Lula Livre!

Muitos espectadores sentiram como que um soco no estômago em Bacurau. E o, aplaudiram no final, e gritando Lula Livre!

Bacurau é retrato do Brasil de hoje, e do que se pode e precisa fazer. Legalidade é alento de uma história que fato aconteceu e precisa ser conhecida, em especial pela juventude, e revivida. Legalidade e Bacurau são exemplo de futuro e de esperança na força do povo.

Edição: Marcelo Ferreira


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz