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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

13.10.08

Por que o Rio Grande do Sul é assim

Revolução, não, guerra civil Farroupilha
. Hoje, dia 20 de setembro, é a data convencionada que marca o início da chamada “revolução” Farroupilha (a rigor, apenas uma guerra civil regional malograda), no distante ano de 1835.
. Para quem não conhece o Rio Grande e Porto Alegre, essas informações soam mais distantes ainda. Mas aqui neste blog, nos próximos dez dias, vamos tentar decifrar esses códigos da cultura gaucheira, esses constructos culturais cuidadosamente recortados da história factual e montados num painel mítico que representa a apropriação do imaginário popular dos indivíduos nascidos no Estado mais meridional do Brasil e , não por acaso, o que apresenta idiossincrasias especiais e um etos social muito particular, rico, variado, objeto da contribuição de inúmeras etnias – autóctones e transplantadas. .
Mirabeau, um dos teóricos da revolução Francesa de 1789, dizia que não bastava mostrar a verdade, é necessário fazer com que o povo a ame, é necessário – dizia o “Orador do Povo” – apoderar-se da imaginação do povo. Não foi de graça, então, que a seção de propaganda do Ministério do Interior, em 1792, em plena ebulição revolucionária, se denominava Escritório do Espírito.
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Pois, essa apropriação da imaginação popular foi – parcialmente – exitosa por parte dos maragatos (ideologia do latifúndio) sul-rio-grandenses, especialmente a partir da segunda metade do século 20. Alguém pode perguntar o motivo de ter passado tanto tempo, de 1835-45 até meados do século passado, por que? Por que o mito levou tanto tempo para “apoderar-se da imaginação do povo”?
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E outras questões: por que no RS se festeja, se comemora uma derrota, sim, porque os farroupilhas de 1835 foram derrotados durante dez longos anos pelas tropas do Império do Brasil, por quê?
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Outra: por que o RS comemora o 20 de setembro e não comemora o 14 de julho? Sabendo-se que foi no 14 de julho de 1891 que a Assembléia Constituinte sul-rio-grandense deu posse a Júlio Prates de Castilhos como primeiro Presidente (hoje é governador) eleito no RS, e pode-se dizer que este é o marco da única revolução burguesa clássica havida no País.
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Nenhum Estado federado e nem o próprio Brasil teve uma revolução modernizante como o Rio Grande do Sul, através dos positivistas chimangos de Castilhos, e depois através de Borges de Medeiros, pelo menos até 1930, quando se encerra o ciclo modernizante inaugural da transição para o capitalismo nesta região meridional. .
Por que a burguesia gaúcha, a direita guasca, comemora uma derrota – a farroupilha – em vez de comemorar uma vitória – a da revolução cruenta de 1893? Intrigante, não? .
E uma última questão, pelo menos por hoje, para iniciar esse tema tão apaixonante e que explica bastante o Rio Grande atual e o Brasil lulista (que quer copiar um pouco o ciclo desenvolvimentista de Vargas, que por sua vez bebia na fonte dos chimangos de Castilhos-Borges), por que aqueles que foram derrotados fragorosamente em 1893, na revolução burguesa gaúcha, hoje, são hegemônicos no plano político-eleitoral do Estado e logram êxito no objetivo original de Mirabeau no sentido de terem se apoderado da imaginação popular através de batalhas de símbolos, batalhas midiáticas, cevadura de ideologias, montagem de mitos, bombachinhas e tradicionalismo galponeiro, por quê? .
O Rio Grande do Sul tem uma história muito expressiva, tão expressiva quanto o “riso” macabro dos degolados de 1893, dos “engravatados” de 1923 (a “gravata” era a língua exposta da vítima, por baixo e através do largo talho horizontal do corte da lâmina branca), e de uma revolução positivista-burguesa que ousou estatizar empresas estrangeiras ainda em 1920, que cobrou impostos de latifúndio em 1895 e que escolarizou todo o Estado, ainda no início do século 20. .
A guerra civil de 1893-95 .
O Rio Grande do Sul entrou na fase do conflito armado a partir de fevereiro de 1893. A guerra civil durou exatos 31 meses, até agosto de 1895. Morreram cerca de 12 mil pessoas, numa população estimada de um milhão de sul-rio-grandenses. .
É considerada a mais bárbara das revoluções americanas, não só pelo número de mortos, mas pela brutalidade e extensão do conflito que incluiu a eliminação quase completa dos prisioneiros, que eram degolados (na foto, o célebre degolador Adão Latorre exibe a sua perícia macabra) impiedosamente pelo adversário, de ambos os lados. Existem relatos de que cerca de trezentos prisioneiros de determinada batalha tenham sido degolados após cessados os combates. Não existiam prisioneiros de guerra, neste sentido. .
A guerra civil de 1893 resultou do conflito de dois setores bem identificados da elite político-econômica sulina. .
De um lado, os federalistas (ou maragatos, ou quero-queros, ou gasparistas), de outro, os republicanos (ou chimangos, ou pica-paus, ou castilhistas). .
De um lado o retórico, vaidoso e tagarela Gaspar da Silveira Martins, que segundo o insuspeito historiador oficialista Darcy Azambuja, não tinha “maiores preocupações doutrinárias” e o máximo de pensamento a que alcançou resume-se numa frase tola: “idéias não são metais que se fundem”. .
De outro, Júlio de Castilhos, um convicto positivista comtiano, liderança forte e com objetivos definidos, marcado por planos universalizantes do papel do Estado e sobretudo pela busca da modernização das relações sociais, tudo isso embalado numa personalidade austera e incorruptível, uma espécie de Robespierre pampeano. .
Todos sabem que venceu o grupo castilhista, representado pelo Partido Republicano Rio-grandense (PRR). Castilhos foi sucedido em 1898 por Borges de Medeiros, da mesma linhagem castilhista-comtiana, que saiu do poder somente em 1928. A revolução de 93 ainda teria recaídas em 1923 e 1924, sempre com os mesmos antagonistas de classe e os mesmos motivos sócioeconômicos e de poder. .
Que rivalidades tão profundas eram essas? .
É o velho e eterno embate entre o moderno e o arcaico. Curiosamente, um líder saído deste “laboratório” meridional da modernidade brasileira, Getúlio Vargas, um militante do PRR, é que vai promover a partir de 1930 um novo Brasil, mais ajustado às exigências do século 20. .
No Rio Grande do Sul, no final do século 19, se gestou, então, com muita dor e sangue, o que viria a ser o País em grande parte do século 20, pelo menos – segundo alguns estudiosos – até o advento de Collor e Fernando Henrique, que cortam em definitivo as amarras sócioinstitucionais criadas e mantidas pela Era Vargas (1930-1954). .
A vanguarda republicano-castilhista-borgista (chimangos) fez a parte da revolução burguesa no País. Florestan Fernandes diz que “a Revolução Burguesa [brasileira] não constitui um episódio histórico” definido singularmente, marcado e datado. O caso brasileiro, segundo Florestan, foi um longo processo de absorção de “um padrão estrutural e dinâmico de organização da economia, da sociedade e da cultura”. .
Já no Rio Grande, a revolução de 1893 é o ponto – sim – inaugural da revolução burguesa e modernizadora na região mais meridional do Brasil. .
A revolução burguesa no Rio Grande do Sul .
Investigar sobre a existência de uma revolução burguesa no limite meridional do Brasil implica em verificar dois fatores preponderantes: 1) a ação de atores das grandes transformações que estejam por trás da desagregação do regime escravocrata-senhorial; 2) a formação de uma sociedade de classes. .
Como afirma Florestan Fernandes, no Brasil “a Revolução Burguesa não constitui um episódio histórico”, foi um desdobramento longo de pequenas e continuadas “rupturas com o imobilismo da ordem tradicionalista e a gradual chegada da modernização como processo social”. .
Entretanto, como já vimos antes, no Rio Grande do Sul aconteceu o episódio histórico, onde preponderou o “espírito revolucionário” de que falava Joaquim Nabuco. Mas para que fosse possível esse momento histórico, que aqui se desdobrou preferencialmente de 1891 (com a Constituição castilhista) a 1895 (com a paz de Pelotas), houve o processo de uma longa e complexa base psicocultural, política e evidentemente econômica, já que o Estado sulino apresentava singularidades em relação à tradicional produção da monocultura de exportação praticada no resto do País. .
Aqui não tivemos um sistema abortado ou interrompido de plantation, como sugerem equivocadamente os estudos do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Tivemos sim uma pluralidade de agentes econômicos (a pecuária exportadora, a charqueada, a pequena agricultura e a artesania das colônias de imigrantes não-ibéricos), ao contrário de São Paulo que foi vítima da monocultura extensiva de exportação, inibidora da divisão social do trabalho e do mercantilismo interno – bases necessárias de uma formação social dinâmica, burguesa, moderna e racional (Weber). .
A guerra civil começa em 2 de fevereiro de 1893, quando o uruguaio Gumercindo Saraiva invade o Rio Grande com 400 rebeldes armados, em sinal de protesto pela reeleição de Julio de Castilhos à presidência do Estado, tendo sua posse ocorrido uma semana antes, em 25 de janeiro. Saraiva, um blanco uruguaio, representava mais do que os fazendeiros maragatos, representava sociologicamente uma reação armada do macro sistema baseado no latifúndio e na pecuária de exportação. Dava-se início ao embate sangrento entre o Rio Grande atávico e conservador e o Rio Grande modernizante e planificador. A guerra civil, também (mal) denominada de revolução Federalista, foi iniciativa cruenta, então, das forças oligárquicas reacionárias à Constituição estadual castilhista de 14 de julho de 1891. Os chimangos apenas reagiram fortemente à revolta armada maragata, e venceram. .
A Constituição castilhista de 1891 foi um marco político da hegemonia republicano-chimanga no Estado. Representa uma ordem legal exemplar, que se poderia classificar com um tipo ideal weberiano – segundo os estudos de Luiz Roberto Targa. .
A construção da hegemonia castilhista .
Para entender a vanguarda positivista-castilhista militante do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), mas sobretudo aquilo que Nabuco (antes mesmo de Lênin) sintetizou como o “espírito revolucionário” de uma dada conjuntura ímpar, original e irrepetível, vamos ver o que Florestan Fernandes considera como elementos que não podem faltar no momento do salto revolucionário (e isto vale tanto para o processo burguês, que estamos comentando, quanto para um processo pós-burguês, do qual estamos muito longe, pelo menos com o lulismo de resultados no poder e a autodesconstituição petista). .
“Em primeiro lugar – anota Florestan –, é preciso que existam certas categorias de homens, capazes de atuar socialmente na mesma direção, com dada intensidade, e com relativa persistência. Em segundo, lugar, é preciso que essas categorias de homens disponham de um mínimo de consciência social, de capacidade de ação conjugada e solidária, e de inconformismo em face do status quo, para poderem lidar, coletivamente, com meios e fins como parte de processos de reconstrução social. Estes impõem, desejem-no ou não os agentes humanos, um complicado amálgama entre interesses sociais imediatos (e por isso mais ou menos claros e impositivos), valores sociais latentes (e por isso imperativos, mas fluídos) e interesses remotos (e por isso essenciais, mas relativamente procrastináveis)” – conclui o sociólogo, na obra “A Revolução Burguesa no Brasil”. .
Sem entrar no mérito do ideário positivista-comtiano, que sempre orientou – qual doutrina – Julio de Castilhos e seus companheiros, há que se concordar que a vontade política daquela vanguarda obedecia às exigências de todo o genuíno processo revolucionário que se preze. .
O Rio Grande do Sul vivia a crise do modelo escravagista agro-exportador, crise de mão-de-obra escrava (os cafeicultores paulistas vinham inflacionando o preço unitário da força-escrava pelo menos desde a proibição do tráfico, na segunda metade do século 19), aumento da divisão social do trabalho, assalariamento progressivo, novos agentes econômicos mais dinâmicos advindos das comunidades imigrantes (onde, por determinação de Pedro II, era proibido trabalho escravo), etc. Ora, se de um lado havia uma crise estrutural do sistema dominante, de outro, florescia uma sociedade baseada em novos valores sociais e culturais. .
O PRR sentiu, então, a janela de tempo que se descortinava no horizonte histórico do Estado, percebeu politicamente a contradição insanável entre uma ruptura da homogeneidade da aristocracia agrária simultaneamente ao aparecimento de novos tipos de atores sociais e econômicos. O processo revolucionário, portanto, era irrenunciável, inadiável. .
Se a conjuntura histórica por si só quase conspirava para o desfecho de síntese, havia ainda três grandes tarefas instrumentais a realizar: .
1) fixar um marco jurídico-constitucional para a nova ordem, depois consubstaciado na Constituição autoritária de 1891; .
2) uma imprensa partidária aberta à população, consubstanciado no combativo jornal republicano “A Federação” e inúmeros outros pequenos órgãos regionais de grande influência política; .
3) uma força militar que sustentasse a nova ordem, consubstanciada na Brigada Militar como força pública estatal e a arregimentação de militantes do PRR como corpos provisórios militarizados para intervenção nos conflitos comuns no período, pelo menos até 1924 (os intendentes municipais funcionavam como chefes políticos e militares). .
Adiante veremos cada uma destas estratégias políticas que garantiram a hegemonia da ordem castilhista por quase 40 anos no Rio Grande do Sul. .
Uma Constituição revolucionária e republicana .
Júlio de Castilhos (imagem) e seus companheiros da vanguarda comtista intuiram que o Rio Grande do Sul estava pronto para se modernizar, mas que essa necessidade histórica não se realizaria por si só. .
O “espírito revolucionário” exige ações revolucionárias estratégicas materializadas em instrumentos institucionais-constitucionais decisivos. .
Neste sentido, em primeiro lugar, era preciso um marco jurídico-constitucional para a nova ordem, em segundo, era preciso uma imprensa partidária combativa, e terceiro, uma força militar estatal auxiliada por corpos provisórios politizados e treinados militarmente, a partir de militantes locais do PRR, com capilaridade em todo o território sulino e mesmo no Exterior (o PRR mantinha agentes de análise política e inteligência em Montevideo, Buenos Aires e Rio). .
A Constituição castilhista de 1891 é um marco legal singular. Trata-se de uma peça jurídica que garante um governo autoritário, cerebralmente autoritário, uma vez que não previa a divisão dos três poderes, segundo o modelo liberal clássico, atribuindo ao Presidente (hoje, governador) o direito de legislar e editar decretos que se referenciavam diretamente na Constituição e não em leis ordinárias escritas por uma Assembléia de Representantes. .
A Constituição sul-rio-grandense e a prática político-administrativa do castilhismo por quase 40 anos, garantiram ao Estado funcionar praticamente como uma República autônoma do resto da Federação brasileira. Desta forma, o PRR cumpria agora o ideário Farroupilha de 1836, quando da decretação da malograda República Rio-grandense em Piratini. .
Como assinala muito bem Luiz Roberto Targa, “essa constituição inédita e original não se baseou na dos Estados Unidos da América, como foi o caso das outras constituições brasileiras, tanto a da União, quanto a dos Estados”. .
Os positivistas tiveram uma administração marcadamente anti-oligárquica e anti-patrimonialista, com ações políticas, segundo Targa, que mostravam concretamente uma ruptura com a ordem latifundiária, tais como: transparência das contas públicas, coincidência entre o orçamento previsto e o realizado, política de proteção ao consumo das classe baixas (pelo contigenciamento de bens de primeira necessidade passíveis de serem exportados), pela estatização não-patrimonialista de dois dos mais importantes portos sulinos (Porto Alegre e Rio Grande) e de toda a rede férrea do Estado (de uma empresa francesa, mas explorada por norte-americanos), a realização de obras essenciais em infra-estrutura somente nas zonas minifundiárias e coloniais, tendo-se negado a privilegiar áreas de interesse da pecuária de exportação, bem como políticas de proteção fiscal e tarifária à indústria nascente das regiões de imigração européia. .
Outro marco importante da gestão castilhista do Estado foi a reforma fiscal, cujo ponto central foi a substituição do imposto de exportação (quase sempre sonegado) pelo imposto territorial. Para tanto, era fundamental discriminar a esfera pública da esfera privada. Na prática, tratava-se de impor medidas efetivas de o Governo retomar as terras públicas ilegalmente apropriadas pela oligarquia rural nas últimas décadas do Império. Retomadas as terras, no período compreendido entre 1895-1906, legitimado pela vitória na guerra civil e com força militar suficiente para garantir o cumprimento da lei e da ordem pública, o Governo castilhista entregou lotes rurais a posseiros, a companhias de loteamento e a novos pequenos proprietários. .
Essas medidas cada vez mais afirmavam a consolidação do Estado burguês moderno, qual seja a de tornar autônoma a esfera estatal da esfera privada das oligarquias rurais tradicionais e atrasadas. .
No Rio Grande do Sul isso foi conquistado a ferro, fogo e vontade revolucionária organizada e materializada em instrumentos concretos de mudança social. .
O castilhismo e a chamada “liberdade de imprensa” .
Se um dos medidores da democracia formal é de fato a liberdade de imprensa, então, Porto Alegre tinha mais democracia no final do século 19 do que na presente conjuntura. .
No final do Império acontecia um vivo e candente debate democrático entre os órgãos de imprensa local, divididos entre publicações religiosas e não-religiosas, e estas subdivididas entre republicanos radicais, liberais monarquistas e liberais republicanos. .
Hoje, este debate está morto. Não temos mais pluralidade nos órgãos de comunicação. Atualmente existe uma única linguagem político-ideológica. A pluralidade é apenas numérica e segundo a modalidade da mídia. De resto, temos uma mídia una e indivisível, a mídia do partido único da mercadoria. Que confunde deliberadamente (ideologicamente) cidadão com consumidor. A democracia que apregoa fica reduzida à miséria espiritual de se escolher entre um celular A, B ou C. Os consumidores são laureados “vencedores”, os não-consumidores são indexados como “perdedores”. A velha bandeira liberal-burguesa da cidadania é substituída pelo audór colorido e iluminado do consumidor unidimensional. A proclamada “liberdade de imprensa” é a liberdade embrutecida do consumidor, não do cidadão esclarecido e autônomo. .
O jornal mais exaltado na propaganda republicana no Rio Grande do Sul sem dúvida foi o diário A Federação. Foi fundado praticamente junto com o Partido Republicano Rio-grandense (PRR) no início da década de 1880. Chama a atenção, pois, o relêvo que era dado pelos positivistas à questão de uma imprensa partidária atuante e combativa. Seu redator, Júlio de Castilhos, compreendia essa importância estratégica desde os tempos de estudante, quando já mantinha uma pequena publicação de divulgação e debate político. Antes disso, ainda, os estudantes Castilhos e Assis Brasil, então aliados e íntimos companheiros de ideais republicanos, haviam fundado o “Clube 20 de Setembro” com a intenção de criarem um círculo de estudos dos ideais Farroupilhas. Destes estudos coletivos resultaram dois trabalhos publicados em 1882: História popular do Rio Grande do Sul, de Alcides Lima (já uma preocupação com a categoria popular), e História da República Rio-Grandense, de Assis Brasil. .
Castilhos se dedicou integralmente ao jornal A Federação, fazendo deste diário um instrumento forte de combate à monarquia. Em janeiro de 1885, ano que seria marcado por “sensacionais combates de Imprensa”, segundo um autor, chegam a Porto Alegre, o Conde D`Eu e a princesa Isabel, sua esposa. Castilhos mostra toda a convicção política e a sua “audácia irreverente em face de membros da família imperial, tanto mais grave por deflagrar num ambiente de província, em meio à aura de bajulação que envolvia o passeio propagandístico dos sucessores do trono” de Pedro 2º. .
Júlio de Castilhos escreveu em A Federação: “O 1º Reinado foi a violência. O 2º é a corrupção. Que será o 3º? O 3º não constituirá mais do que uma esperança dos príncipes que atualmente nos visitam, esperança que há de ser infalivelmente malograda”. .
E prossegue nas suas acertadas previsões: .
“A Monarquia há de baquear. O Brasil pertence à América e a América pertence à República. O sr. Conde D`Eu , em vez de fazer tentativas contra a solução republicana, e a bem do 3º Reinado, devia ter presente sempre ao seu espírito estas palavras que o Rei Luís Felipe, seu avô, disse ao Ministro Guizot: ‘Não consolidaremos jamais a monarquia na França, e um dia virá em que meus filhos não terão pão’. .
Que fecunda lição para um príncipe! Medite sobre ela o sr. Conde D`Eu. A experiência ensina!” – advertiu o jovem e corajoso militante republicano. .
Menos de quatro anos depois suas palavras tornaram-se realidade e abria-se um largo caminho de conquistas para o PRR que, a rigor, permaneceria no poder até a década de 30. .
A Federação não seria um diário singular na luta política do PRR, inúmeros outros jornais e publicações republicano-positivistas foram criadas nos quase setenta municípios do Rio Grande do Sul e se constituíram em instrumentos estratégicos de criação e consolidação do poder castilhista-borgista por quase quatro décadas. De outro lado, os opositores do castilhismo, do Partido Federalista, também tinham suas inúmeras publicações de propaganda política, fazendo do Rio Grande do Sul um território de intenso debate e livre manifestação pela cidadania. .
Já se vê que no quesito “liberdade de imprensa” o Rio Grande do Sul hoje está muito mais atrasado que no fim do século 19. Para não falar na qualidade de sua elite dirigente. . A militarização do castilhismo .
Quando se fala em militarização do castilhismo rio-grandense não deve ser confundido como algo ligado à corporação militar brasileira, recém saída da Guerra do Paraguai (1864-1870). O espírito militarista que predominava no PRR resulta da própria situação meridional de fronteiras rebeldes e instáveis, mas também da arguta visão macropolítica de Júlio de Castilhos. É esta que nos interessa. .
No Segundo Reinado, o Exército foi sempre desprestigiado, as oligarquias nunca precisaram de intervenção armada, a não ser pontualmente em algumas regiões definidas, como foi o caso do Rio Grande do Sul no decênio 1835-1845, para assegurarem-se da hegemonia política. Entretanto, com a guerra no Paraguai, o Exército adquire prestígio e como que representa uma certa presença da classe média emergente no panorama institucional do Império. Tanto assim que, um dos fatores que contribuiram decisivamente para a queda da monarquia foi a chamada “questão militar”. .
Othelo Rosa escreveu, talvez com algum exagero, que “a questão militar, no seu sentido político, que é o seu verdadeiro aspecto histórico, quem criou foi Júlio de Castilhos” nas folhas impressas do diário republicano A Federação. .
A verdade é que a “questão militar”, de um simples incidente entre um alto oficial militar que homenageou quem protegia escravos fugidos e um Ministro civil do gabinete monárquico que o destituiu pelo gesto ousado, se transformou num processo político que precipitou não só a Abolição quanto a própria República. Castilhos alimentou a contradição entre militares e o gabinete monarquista, dando espaços diários aos fardados, já prevendo um desfecho favorável às pretensões republicanas provinciais e nacionais. .
Com o advento da República, Castilhos volta-se aos temas regionais e de reconstrução do Estado em novas bases legais e institucionais. Prepara a revolucionária Constituição de 1891 e, ato contínuo, dá novos contornos ao chamado Corpo Policial do Estado do Rio Grande do Sul que, apesar de ter sido instituído em 1837 ainda não se consolidara como força pública de efetiva valia ao poder civil. .
Em 1892, quando Castilhos firma-se no poder, trata de montar um dispositivo militar engenhoso: consolida o que chama de Brigada Militar estatal e forma nos municípios – cerca de setenta, então – milícias paramilitares de 300 a 500 militantes políticos do PRR. Estas unidades civis, administrativamente, chamavam-se Corpo Auxiliar, mas a população chamava-os de “provisórios”. Os intendentes (prefeitos), não raro, eram ao mesmo tempo chefes políticos locais e chefes militares. Havia plena harmonia entre os chefes militares provisórios (civis) e os comandantes militares profissionais da Brigada Militar, que atuavam sob o comando do Presidente do Estado. .
A partir de 1898, o Presidente passou a ser Borges de Medeiros (foto), que havia sido preparado por Castilhos para ocupar a chefia dos republicanos no Estado. Borges, na sua preparação para o exercício do poder, fôra Chefe de Polícia, que significava a rigor controlar o serviço de informações e espionagem mantido pelo governo do PRR nos municípios, bem como os postos avançados de Montevideo, Buenos Aires e Rio de Janeiro. Tinha também a incumbência de controlar movimentos e recolher informações nos Estados de Santa Catarina, Paraná e nas vias fluviais e ferroviárias da região Sul. .
Os governos castilhistas-borgistas estavam sempre aprimorando suas forças militares, tanto estatal, quanto seus corpos provisórios. Tinham permanentemente contratados instrutores de guerra da França e da Alemanha (duas escolas de guerra distintas) e renovavam seus armamentos, a ponto que, quando ocorre a Revolução de 1923, a Brigada, e mesmo os corpos provisórios, portavam armas que haviam sido lançadas na Primeira Guerra Mundial, em 1914. .
O castilhismo, ao contrário dos Farroupilhas, nunca perderam uma só rebelião armada, e foram apeados do poder pelo voto, já que o cenário de classes também se modificará bastante naqueles quase quarenta anos de exercício do poder. .
No Rio Grande do Sul não houve a crise da tabuleta .
Em 1901, Machado de Assis lança o seu último grande romance, Esaú e Jacó. Como bom monarquista que era, aproveita e critica a República nascente. E enfia uma anedota na história dos gêmeos deputados. A chamada “crise da tabuleta”.
. Um sujeito de nome Custódio tinha um comércio de doces no Catete, a “Confeitaria do Império”. Quando vem a República, dia 15 de novembro, o doceiro, que já havia mandado pintar uma tabuleta nova, escreve um bilhete telegráfico às pressas ao pintor ordenando-lhe de forma categórica: “Pare no D”. Mas este não o atendeu e lascou os dizeres completos “Confeitaria do Império”. Desolado, o confeiteiro foi conversar com o Conselheiro Aires. O ardiloso amigo, considerando que de fato nada estava definido na instável conjuntura nacional sugere o nome “Confeitaria do Governo”, mas acaba ficando “Confeitaria do Custódio” – o nome próprio do doceiro, o que evitaria qualquer transtorno político para o promissor comércio de pastéis de Santa Clara da nova Capital republicana. .
Com essa anedota crítica, Machado, repito, monarquista convicto, faz quase uma sociologia do espírito “ética dupla” (Weber) do Rio de Janeiro – e do País – da época, mais tarde muito bem estudado por Sérgio Buarque em Raízes do Brasil. .
Um episódio como esse seria inconcebível no Rio Grande do Sul de então. Se no resto do Brasil, em todas as Províncias, a passagem do Império para a República foi rigorosamente uma simples troca de tabuleta, na Província meridional houve uma modificação radical e definitiva. .
Nenhum quadro monarquista permaneceu no poder, depois de novembro de 1889. Muito menos os liberais, e menos ainda os vacilantes liberais republicanos. Os piolhos da monarquia deram lugar à novíssima geração do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), liderada pelo jovem Júlio Prates de Castilhos. .
Como se dizia na época, era uma “plêiade de jovens idealistas radicalizados” positivistas anti-liberais, anti-monarquistas, favoráveis a um Estado forte e autoritário, desfavoráveis ao Poder Legislativo (que nunca prosperou com o castilhismo), modernizadores burgueses, politizados e, apesar de militarizados, sempre, radicalmente civilistas. Entretanto, o traço fundamental, não só da doutrina positivista, mas sobretudo da administração concreta dos militantes do PRR, foi o marcado caráter anti-oligárquico e anti-patrimonialista dos seus governos de quase quatro décadas. Tal era o programa do PRR, tal foi o governo do PRR. .
A inexistência de Poder Legislativo, só de uma assembléia de representantes que funcionava sessenta dias ao ano como conselho fiscal das contas do Executivo, e o tratamento convergente com as demandas populares fez do castilhismo-borgismo um regime singular no mundo, naquele final de século 19 e início de século 20. .
Nada do regime monárquico ficou de pé naquele Rio Grande autenticamente heróico e vitorioso, muito mais heróico do que a mitificada (e derrotada) guerra civil Farroupilha – do qual a direita hoje tenta se apropriar de forma oportunista e ideologizada. .
A ditadura esclarecida dos positivistas .
A singularidade da política meridional no início da República não se expressava somente nos quadros novíssimos – inclusive na idade – que governavam o aparelho de Estado, mas sobretudo nas ações políticas, administrativas e institucionais que foram capazes de impor num ambiente de permanente conflito entre frações da classe dominante. .
Resumo rápido: cai do poder a oligarquia patrimonial estancieira, ficando assim alijada – muitas vezes até clandestina – por quase quarenta anos, e ascende ao poder uma classe dirigente nova, burguesa, moderna e que rompe radicalmente com o passado. .
Se instituía no Rio Grande do Sul, não a ditadura do proletariado, mas a ditadura positivista anti-liberal, militarizada, organicamente partidarizada que reconhecia e contemplava as novas pluralidades da formação social meridional, tinha um projeto programático rígido de poder e o implementou com racionalidade cerebral, decisão, firmeza e, quando foi necessário, a ferro e fogo. O castilhismo, já vimos aqui neste espaço, nunca perdeu na guerra cruenta, na guerra institucional e na guerra intelectual – esta travada na politizada imprensa abertamente partidarizada da época. .
Para além das peculiaridades que já vimos, a construção normativa da Constituição positivista de 1891, a organicidade do PRR, a imprensa engajada e forte, a militarização dos quadros, e a consolidação de um exército estadual original que foi a Brigada Militar, o castilhismo-borgismo obteve marcos administrativos exitosos de grande significado para a transição regional ao capitalismo, sempre tratando de descolar o Estado dos interesses menores do patrimonialismo e, ao consolidar os seus fundamentos republicanos, dotá-lo de instrumentos institucionais inspirados numa lógica de racionalidade (conforme Max Weber). .
É curioso que a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, hoje, tenha no ambiente vestibular ao plenário um imenso óleo representando a figura de Júlio de Castilhos, o próprio salão é identificado com o nome deste primeiro governador eleito do Estado, o mesmo dirigente que eliminou o Poder Legislativo meridional, reduzindo-o a uma mera assembléia de representantes, cujo único papel era o de examinar as contas públicas anuais e aprová-las. Sua funcionalidade efetiva não durava sessenta dias ao ano. .
Castilhos sabia que através do Legislativo os inimigos do PRR se rearticulariam ou, pior, empatariam de forma continuada as grandes ações administrativas que planejavam para o Estado, por esse motivo previu mecanismos na Constituição de 1891 de uma espécie de consulta comunitária sobre atos e ações administrativas. Para tanto, havia nos municípios comitês mais ou menos funcionais de encaminhamento de sugestões de governo ao poder Executivo, que legislava baseado na Constituição estadual e no programa do PRR. .
Três ações dos positivistas rio-grandenses constituem marcos definidores dos seus governos, no entender de Targa, quais sejam: .
1) a implantação do imposto territorial, com a forte reação dos proprietários rurais, especialmente os estancieiros da pecuária de exportação, entre 1902 e 1913; .
2) a assimilação do governo positivista à greve geral (nacional) de 1917, um dado novo no cenário social-urbano do País; .
3) a estatização da empresa ferroviária estrangeira que explorava pessimamente os transportes regionais. .
Dessas ações derivam medidas e reações surpreendentes na época.

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz