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"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

9.9.14

O que está por trás de Marina Silva: candidatura e programa de governo

O que está por trás de Marina Silva: candidatura e programa de governo

Publicado em 05/09/2014 |

14.09.05_Carlos Eduardo Martins_Marina SilvaPor Carlos Eduardo Martins.

A candidatura de Marina Silva representa a proposta de uma nova versão do neoliberalismo em nosso país, com aparência de "politicamente correto", popular e ecológico, que não apenas retoma a sua ofensiva sobre nossa economia, relações internacionais e legislação trabalhista, mas pretende se desdobrar ao plano político e social, propondo a construção de uma cultura popular neoliberal. Este projeto de neoliberalismo reformulado se descola parcialmente das oligarquias tradicionais, profundamente desmoralizadas desde a crise do consenso de Washington na América Latina – o que no Brasil se manifesta pelo alto nível de rejeição ao PSDB e ao DEM – para assumir nova aparência com a janela de oportunidade aberta pelos protestos de junho de 2013, que manifestaram descontentamento com a exclusão e limites de classe da política brasileira, em parte debitados à extrema moderação e centrismo dos governos petistas, de quem se nutria expectativas de mudanças mais radicais.

Este novo neoliberalismo busca sua representação máxima numa ex-seringueira, dissidente do Partido dos Trabalhadores, para se apropriar de um signo que lhe dê credibilidade junto à opinião pública. Para se reivindicar como novo, necessita romper com o moralismo decadente das velhas oligarquias, amplamente desvinculado do sentido concreto de liberdade individual para a juventude, introduzindo alguns de seus temas como o direito ao aborto, a criminalização da homofobia e a defesa da ecologia. A apologia ao novo se articula com a ideologia do empreendedorismo que perpassa seu programa, tão valorizado pelas igrejas evangélicas, e permite à candidata dizer com naturalidade que o problema do Brasil não é a existência de elites, mas a falta delas. Trata-se de constituí-las, com fé, dedicação e trabalho, num ambiente competitivo, sem discriminações étnicas ou sexuais, independente das diferenças de propriedade ou poder econômico.

Pouco importa a coerência deste discurso renovador e que Marina tenha defendido há meses a permanência do misógino e homofóbico Marco Feliciano na Presidência da Comissão de Direitos Humanos, sob o pretexto de perseguição aos evangélicos. O discurso foi cuidadosamente articulado para ir ao encontro das aspirações de junho de 2013.

Por trás da aparência renovadora que se tenta imprimir à candidatura de Marina* ergue-se um brutal ataque à soberania nacional que propõe o alinhamento de nossa política externa aos interesses estadunidenses, a desindustrialização de nossa economia, a independência do Banco Central, o fim do regime de partilha nas parcerias público-privadas, a redução do Estado, o realinhamento dos preços públicos, a flexibilização da legislação trabalhista, a privatização da vida pública com o enfraquecimento dos partidos políticos brasileiros, a transferência do controle dos serviços públicos para agências reguladoras independentes, e um modelo fundiário que limita a reforma agrária a minifúndios complementares ao agronegócio. Trata-se de um programa extremamente ambicioso que propõe uma nova geração de reformas neoliberais e que tem entre seus redatores membros da equipe de governo de Fernando Henrique Cardoso, como André Lara Resende, ex-Presidente do BNDES, demitido a partir da revelação de grampos telefônicos que o flagravam manipulando os leilões de privatização.

Política Externa

No tocante à nossa política externa, o programa da candidata propõe desmontar o enfoque sul-sul e latino-americanista em favor de uma política de aprofundamento da dependência e alinhamento radical aos interesses dos Estados Unidos e União Europeia. No seu eixo 1, afirma de forma surpreendente que a decadência do Ocidente e a propalada ascensão das potencias emergentes não se configurou. Atribui aos Estados Unidos e a União Europeia o poder de estabelecer balizamentos incontornáveis para os fluxos mundiais de comércio e capitais, sobretudo, com a criação da Parceria Transatlântica em Comércio e Investimento.

Neste contexto propõe nos inscrever no âmbito da Aliança do Pacífico, rebaixar o estatuto do Mercosul para que o Brasil estabeleça tratados de forma bilateral, rompendo com a atuação em bloco que tanto fortaleceu nossa política externa, impulsionando uma atuação avulsa, muito mais débil do ponto de vista da defesa de nossa soberania e vulnerável ante as pressões internacionais das velhas potências atlantistas.

Não deixa de impressionar que, neste capítulo, ao mencionar a questão da violação dos direitos humanos, o programa da candidata refira-se apenas aos casos de Síria e Criméia, silenciando-se sobre: o massacre perpetrado por Israel ao povo palestino, alvo da nossa diplomacia, sobre o golpe de Estado neofascista na Ucrânia e o referendo popular que ratificou a separação da Criméia da Ucrânia.

Política Industrial

No tocante ao tema da política industrial o programa de Marina da Silva é claro. Trata-se de subordinar a política industrial à de comércio exterior. Postula-se o fim do dirigismo estatal, isto é, do financiamento via BNDES a setores estratégicos para adensar o valor agregado de nossa indústria e a implementação de outro enfoque, onde a elevação da produtividade seja o simples resultado do aumento da exposição à concorrência internacional via mercado mundial.

Neste contexto, a reedição da ALCA ou, mais do que isso, a assinatura simultânea de tratados de livre-comércio do Brasil com União Européia, Estados Unidos ou Japão seriam recebidos com naturalidade por um governo Marina. O programa reconhece o efeito destrutivo que isto traria para países como o nosso com indústria mais diversificada, citando especificamente os BRICS, já que exigiria especialização em alguma etapa da cadeia produtiva, mas seria o preço necessário para nos inserir de forma subordinada no que se reputa cadeias de valor internacionais mais inovadoras. O pior dos mundos seria estar marginalizado delas. Neste sentido o programa qualifica as reformas introduzidas pelo governo Peña Nieto como necessárias para permitir a simbiose do México com os Estados Unidos.

Não toma conhecimento porém que, desde o estabelecimento do NAFTA, o México é um dos países de pior desempenho econômico na América Latina, sendo um dos poucos que elevou a pobreza, contrapartida de sua vinculação cada vez mais central à economia dos Estados Unidos e suas cadeias de produção, onde as maquilas cumprem um papel de grande importância. Tampouco o programa toma conhecimento que na década de 2000-10, o crescimento anual do PIB per capita dos Estados Unidos foi de 0,6%, o da União Européia 0,8%, contra uma expansão anual do PIB per capita da economia mundial de 2,6% e 8,5% da China. O PIB per capita da América Latina (Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, México Peru, Uruguai e Venezuela) cresceu 2,0% ao ano no período e se consideramos o período de 2003-10, a expansão ao ano foi de 2,8%, superando inclusive o da economia mundial de 2,7%. Justamente quando estivemos subordinados ao consenso de Washington registramos disparado o pior desempenho, crescendo o PIB per capita da América Latina 0,8% ao ano entre 1993-2002. O México teve desempenho pífio e seu PIB per capita cresceu anualmente 0,5% entre 2000-2010 e 0,8% entre 2003-2010, ao desempenho próximo ao dos Estados Unidos, a quem se alinhou e que alcançou expansão anual de 0,7% entre 2003-10.

Não há, portanto, nenhum fundamento empírico para se considerar que os fluxos mais dinâmicos e inovadores de comércio e investimento da economia têm sua origem nos Estados Unidos ou na União Europeia, a não ser velho complexo de vira-latas e os interesses particulares de nossas velhas oligarquias, cuja mentalidade segue sendo de natureza colonial e dependente. A aproximação com a versão entreguista da teoria da dependência, cuja maior expressão é Fernando Henrique Cardoso, é a clara inspiração da política industrial e externa de Marina Silva.

Independência do Banco Central, Política Macroeconômica e Pré-Sal

A ofensiva neoliberal se manifesta também na defesa da independência do Banco Central que aliena a política monetária à tecnocracia do setor financeiro para controle das metas de inflação. A alienação tecnocrática reaparece na defesa da independência das agências reguladoras para controle dos serviços públicos, cuja falta de controle democrático nos governos FHC favoreceu às práticas monopolistas, privatistas e ao patrimonialismo.

O programa propõe a redução do Estado na economia, sem qualquer menção ao peso dos juros no orçamento público, propondo-se a enxugar os gastos públicos reduzindo o custeio da máquina administrativa, já extremamente deprimido a partir dos governos FHC e petistas. Em relação à política cambial e de preços propõe o mercado auto-regulado: limpar o câmbio da flutuação suja, o que nos exporia à alta volatilidade dos fluxos internacionais de capital, e realinhar os preços públicos, em particular o do petróleo, com impactos regressivos sobre o nível de consumo interno, cujos impactos inflacionários seriam contidos com a combinação de abertura comercial, políticas monetárias e fiscais restritivas, já implementada no governo FHC.

O programa valoriza as parcerias público-privadas, referindo-se a concessões e licitações, mas excluindo qualquer menção ao modelo de partilha. Talvez por isso secundarize o Pré-Sal que não merece maior atenção. No tema "energia" se concentra na busca de novas fontes de energia e afirma surpreendentemente que os Estados Unidos reorientaram sua matriz energética em busca de fontes alternativas e renováveis. Nenhuma palavra sobre o uso que faz da tecnologia defracking para exploração de gás de xisto, a que se atribui o aumento dos abalos sísmicos, estando proibida em diversos países, entre eles a França. A defesa da ecologia parece se concentrar nas emissões de CO2 e na proteção contra o desflorestamento, esquecendo outras formas dramáticas de violação do meio-ambiente.

Legislação trabalhista e reforma agrária

No que se refere à legislação trabalhista, o programa propõe a flexibilização da CLT para estabelecer o contrato de trabalho por tempo determinado e a flexibilizar a jornada de trabalho. A inspiração para isso provavelmente vem de um dos principais financiadores da candidatura de Marina, Guilherme Leal, acionista da NATURA, empresa que segundo Sem maquiagem: um milhão de revendedoras de cosméticos (Boitempo, 2015) utiliza o trabalho informal de 1,1 milhão revendedoras. A exploração deste tipo de trabalho é ocultada pelo fato de que a revenda é apresentada não como um trabalho, mas como uma oportunidade de empreendedorismo, que entretanto é vital para as vendas da empresa. 22% destas revendedoras dedicam-se a esta atividade como a principal e o restante o faz como complemento de outro trabalho que possuem.

A empresa foi alvo de acusações de biopirataria dos conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas: multada pelo IBAMA, acionada pelo MP e pelos índios Ashaninka, foi finalmente absolvida pela justiça, alegando em seu favor ter tomado contato com o princípio ativo do Murumuru pela literatura científica. Durante o correr do processo que durou entre 2007 e 2013, Marina disse que a legislação era ambígua, posicionando-se em favor da empresa.

Em relação à política fundiária, o programa da candidata limita a reforma agrária à criação de minifúndios cuja função seria apenas a de complementar ao agronegócio, que converte-se em vaca sagrada da estrutura fundiária nacional. Abandonam-se assim os objetivos da soberania alimentar, uma vez que a produção do agronegócio não está dedicada a atender as necessidades básicas da dieta do brasileiro, cumprindo a função da geração de superávits comerciais, já que a política de comércio exterior tende a diminuir a diversificação e o peso de nossa indústria.

Reforma política e privatização da vida pública

No que tange à reforma política, o programa da candidata propõe a privatização da vida política nacional, apoiando candidaturas avulsas fora dos partidos políticos. Dirige-se assim aparentemente ao eleitor comum abrindo espaço ao empreendedorismo político do homem simples, mas efetivamente abre os caminhos para a presença das celebridades televisivas e dos milionários na política, fragmentando interesses coletivos e associativos, e impulsionando os interesses particulares.

A candidatura Marina coloca-se assim como a fiel herdeira da versão da mídia sobre as Jornadas de Junho de 2013**, buscando a construção de um Brasil cuja nacionalidade se expresse sem a mediação de partidos políticos. Caso seja eleita atuará para construir uma grande geleia geral, cooptando quadros à esquerda e à direita para dissolver o embrião de capitalismo de Estado petista e a comportada e desgastada polarização com o PSDB numa terceira via, que pretenderá ser a única via de um grande pastiche nacional, simultaneamente pós-moderno, subordinado, dependente e semicolonial.  

NOTAS

* Todavia, as contradições deste discurso com a base evangélica da candidata, a fizeram recuar em questões como o direito ao aborto, ao casamento homossexual e, parcialmente, na criminalização da homofobia retiradas do programa após seu lançamento, o que minimizou a ruptura com o velho moralismo católico e oligárquico brasileiro.

** Apontamos em nosso artigo no calor dos acontecimentos de junho de 2013, que Marina Silva e Joaquim Barbosa seriam as duas apostas da cúpula da oligarquia brasileira, representada pelo sistema midiático, para 2014.

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Eleições630p

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Carlos Eduardo Martins é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor adjunto e chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia (LEHC/UFRJ), coordenador do Grupo de Integração e União Sul-Americana do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e pesquisador da Cátedra e Rede Unesco/UNU de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reggen). É autor deGlobalização, dependência e neoliberalismo na América Latina (2011) e um dos coordenadores da Latinoamericana: Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2007) e co-organizador de A América Latina e os desafios da globalização (2009), ambos publicados pela Boitempo. É colaborador do Blog da Boitempoquinzenalmente, às segundas.


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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz