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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

16.9.14

A Candidatura Marina e as Falácias da “Terceira Via”

16/set/2014, 13h11min

A Candidatura Marina e as Falácias da "Terceira Via"

Paulo Peres*

Desde 2010, quando concorreu à Presidência da República pelo Partido Verde, Marina Silva vem repetindo à exaustão algo que acabou tornando-se uma espécie de "mantra": superar a polarização entre PT e PSDB. Segundo ela, o Brasil tornou-se refém dessa bipolaridade, representada pela "velha política". Contudo, na base estruturante dessa retórica há três "teses" que considero falaciosas. A primeira delas postula que a polarização PT/PSDB é intrínseca e necessariamente ruim e, portanto, deve ser superada a qualquer custo; a segunda consiste em pressupor que Marina representa uma "nova política"; e, finalmente, a terceira propõe que, por representar essa "nova política", Marina é a expressão de uma "terceira via" à bipolaridade dos últimos vinte anos da política nacional. Vejamos.

A polarização PT/PSDB é uma degeneração da política nacional e deve ser suplantada? Dividamos essa pergunta em duas partes – essa polarização pode ser considerada uma degeneração da política brasileira? Não, muito pelo contrário. Nas discussões acadêmicas, envolvendo especialistas em estudos de política comparada, a estabilização da oferta de projetos políticos que aglutinam partidos e grupos sociais diversos é um indicador de amadurecimento da democracia, e não de sua degeneração. Nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Holanda, por exemplo, encontramos um quadro bastante estável dos projetos políticos alternativos. Isso significa que a polarização da política nacional, capitaneada pelo PSDB e o PT, não é o sintoma de uma patologia política, mas sim um indicador de consolidação de nossa democracia eleitoral. Esses dois partidos representam projetos políticos que expressam as preferências agregadas dos indivíduos e grupos sociais do país. Sempre haverá grupos e indivíduos que não se sentirão nem um pouco representados pelos projetos que agregam a vontade majoritária, mas isso é comum em todos os países democráticos e não significa que a polarização política é ruim por si mesma. O importante, nesse caso, é que os direitos individuais sejam garantidos constitucionalmente e que as minorias sejam respeitadas pelos governos, de forma que se evite a "tirania da maioria".

A segunda parte da questão: essa polarização deve ser superada? O fato é que só chegamos a essa polarização depois de mais de vinte anos de eleições presidenciais porque os próprios eleitores quiseram isso. A responsabilidade pela bipolarização não é dos partidos. Fomos nós eleitores que, no decorrer de sucessivas eleições presidenciais, provocamos uma decantação do sistema político, o que resultou na seleção desses dois projetos. Culpar o PT e o PSDB pela polarização da política nacional é desconsiderar que eles estão em decorrência das nossas escolhas. Sempre houve, e ainda há, uma diversidade de candidatos à presidência, com projetos mais ou menos diferentes, mas nossas escolhas convergiram para essa bipolaridade. Na eleição atual, Luciana Genro e Eduardo Jorge certamente representam projetos alternativos. Poderíamos votar neles, não? Porém, ocorre que o PSDB e o PT expressam mais diretamente nossas preferências agregadas, expressam a maior proximidade possível dos diversos mundos ideais da maioria dos eleitores individuais. A bipolarização não é dos partidos, é nossa.

Segunda "tese": representaria Marina uma "nova política"? Certamente não. Seu comportamento errático, desde 2008, sempre em busca de algum partido que lhe garanta candidatura não a diferencia de tantos outros políticos tradicionais que trocam de legendas em busca de seus projetos pessoais. Suas posições em relação a questões morais, como o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo não representam, de modo algum, uma "nova política", a menos que o conservadorismo moral seja uma novidade. As propostas de seu programa para a área econômica retomam velhas diretrizes liberais, como a assim chamada "independência" do Banco Central, defendida de forma bastante explícita pela candidata.

Do ponto de vista da governação, Marina sinaliza que pretende formar uma coalizão partidária para lhe dar apoio no Congresso – e já encontra boa acolhida em alas do PSDB e DEM. Governar com coalizão é o que têm feito todos os presidentes desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Mesmo Collor formou coalizão, embora minoritária e, portanto, insuficiente para segurá-lo no cargo. A novidade seria não trocar cargos por apoio no Legislativo? Esse discurso também não é novo e aposta na ingenuidade dos eleitores, o que é igualmente velho. Além disso, os grupos de apoiadores que a cercam representam interesses já arraigados que, embora também sejam legítimos no contexto da disputa de interesses numa sociedade democrática, também não sinalizam para uma "nova política".

Mas, o maior problema a essa "tese" é o apelo implícito à antipolítica e ao antipartidarismo. Assumindo uma posição de porta-voz da salvação nacional por meio de um "pacto entre os bons", em nome de uma harmonia social que desconsidera e até condena o conflito de interesses, a candidata evoca para si o dom de distinguir as pessoas de bem e de reuni-las numa mesma ação coletiva. A candidata impõe assim uma nova divisão da sociedade, já não mais em classes ou grupos de interesse, mas fundada no maniqueísmo que separa os virtuosos dos corruptos. Há virtuosos em todos os grupos sociais e eles podem agir juntos, sem conflito. Separado o joio do trigo, o que sobra é só harmonia e congraçamento, numa utopia assemelhada à de Charles Fourier – embora apenas na superfície, uma vez que Marina descarta o Eros como a força gravitacional de unificação dos corpos sociais.

Supor uma harmonia social que supere os interesses dos indivíduos e dos grupos não é apenas uma ingenuidade utópica, mas é a negação da política. A política existe porque a sociedade "transpira conflito por todos os poros" e, muitos deles, são inconciliáveis. Ademais, em nome dessa perfeita congruência de interesses, Marina acaba assumindo uma postura antipartidária. Todos os partidos brasileiros são jogados no mesmo saco da "velha política". Não é por menos que seu partido em gestação não recorre à clássica denominação "partido", mas faz alusão ao entrelaçamento de pessoas, de todos os estratos sociais, que agem de forma coesa em nome do bem comum. Contudo, a antipolítica e o antipartidarismo são uma posição política antiga, além de ser um discurso partidário disfarçado de universalismo.

Por último, a terceira "tese": Marina representa uma "terceira via"? Se por "terceira via" entendermos o projeto político liderado pelos trabalhistas australianos e ingleses, tendo à frente Tony Blair, e que atraiu Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso para um movimento de suposta reação ao liberalismo econômico radical dos anos 1970 e 1980, a resposta é negativa. Em primeiro lugar porque a própria "terceira via" foi uma grande decepção na Europa e perdeu força. No Brasil, apesar de ter investido em políticas sociais, o PSDB ficou identificado, muitas vezes até de forma exagerada, com medidas econômicas mais ortodoxas, que deram demasiada ênfase à política de juros excessivamente elevados, às privatizações e à redução dos investimentos públicos. Em segundo lugar, além de muito vago, o programa de Marina aponta para uma política econômica que, em realidade, aprofunda essa via liberal mais ortodoxa.

Representaria Marina um outro tipo de "terceira via"? Qual? Isso não fica claro em seu discurso. Seria a "via verde", voltada às políticas favoráveis ao meio ambiente e ao desenvolvimento ecologicamente sustentável? Aparentemente não, pois essa política envolve diversos paradoxos, como mostram as controvérsias em torno do pré-sal e do agronegócio. Será que a "terceira via" de Marina representaria então uma política progressista em relação às questões morais relativas às "lutas por reconhecimento"? Ela defende direitos específicos para grupos socialmente fragilizados com o propósito de reparar injustiças históricas? Defende a inclusão de algumas minorias, como os grupos LGBT, no rol de direitos universais, conferindo-lhes as mesmas prerrogativas legais que outros grupos sociais já possuem? Ao que tudo indica, não, pois seu discurso sinaliza maior adesão ao conservadorismo moral.

O que Marina representa, afinal? Até aqui, sua retórica, seu programa e os grupos de apoio que lhe cercam indicam a tentativa de captura do projeto que até o momento foi liderado pelo PSDB. Sua candidatura não significa a superação da polarização entre os dois projetos políticos atuais, mas sim a disputa pela liderança do projeto político que vinha sendo capitaneado pelos tucanos. Desse modo, a atual polarização política não será superada; ao contrário, tudo indica que será ainda mais demarcada em torno dos dois projetos que estão em disputa durante todos esses anos nas eleições presidenciais. Nesse sentido, o PT continuará liderando um dos projetos da política nacional, seja como governo ou como oposição. O que somente os próximos meses e, talvez, os próximos anos deverão nos mostrar é quem comandará daqui pra frente o outro projeto dessa polarização.

* Cientista Político, Professor e Pesquisador do Depto e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS


http://www.sul21.com.br/jornal/a-candidatura-marina-e-as-falacias-da-terceira-via/

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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz