Qual Ana Amélia?
Antônio Escosteguy Castro*
A denúncia de que Ana Amélia omitiu de sua declaração de bens à Justiça Eleitoral sua parte numa fazenda em Goiás e um terreno bastante valorizado em Brasília deverá trazer um novo elemento para a campanha eleitoral gaúcha. É a segunda denúncia, em menos de dez dias, que atinge a candidata, que já passa boa parte de seu tempo explicando como e por que acumulava um CC no gabinete do marido senador com um cargo de diretora do Grupo RBS em Brasília.
Mais uma vez, as justificativas jurídicas da candidata para a omissão dos bens em sua declaração ao TRE são frágeis. Seu advogado afirmou que os bens em questão sempre apareceram na declaração de imposto de renda do marido e como o inventário deste terminou em janeiro de 2014, Ana Amélia somente precisaria incluí-los na sua declaração de imposto de renda no ano que vem, não precisando, pois, declará-los à Justiça Eleitoral neste ano. As duas partes da explicação carecem de fundamento jurídico.
Como o ex-senador Octávio Cardoso morreu em fevereiro de 2011, deve ter havido uma declaração de bens, tecnicamente chamada de "encerramento do espólio", no ano seguinte, 2012. A partir dali, não há razão para novas declarações de renda do falecido ou de seu espólio. Como, por nossa legislação, os bens se transmitem no momento do falecimento, em 2014 ditos bens já deveriam constar, nem que fosse como "direitos e ações", na declaração de renda da Senadora.
E, em segundo lugar, não há nenhuma relação direta entre o exercício anual para declaração de renda e a declaração de bens à Justiça Eleitoral. O art.11 da lei 9504/97 exige como condição para o registro da candidatura, como condição de elegibilidade, pois, que o candidato declare os bens que tem. São, é evidente, os bens que tem no momento daquele registro, usualmente em junho ou julho de 2014. Caso um candidato tenha, por hipótese, doado um bem que constava da declaração de renda que fez em abril de 2014 no mês de maio passado, não precisará, é óbvio, declará-lo ao TRE. Mas, da mesma forma, um bem adquirido em janeiro de 2014 não precisa constar da declaração de renda deste ano, mas deve ser declarado à Justiça Eleitoral em junho. Como o inventário de Octávio Cardoso encerrou-se com a lavratura da escritura de partilha em janeiro de 2014, os bens daí decorrentes deveriam ter sido informados à Justiça Eleitoral.
Mas este debate não se dará no campo jurídico. Não creio que haja consequências muito severas previstas na lei para esta omissão. O debate no campo ético, porém, será intenso.
Ana Amélia tem se apresentado na eleição como o "novo" na política. A candidata que vem de "fora", da televisão, onde criticava os políticos incompetentes e corruptos e agora trará esta prática de transparência e fiscalização para dentro da política. Omitir do público (porque a declaração ao TRE tem o sentido de informar ao eleitor sobre o patrimônio do candidato) cerca de 4 milhões de reais não é propriamente um exemplo de transparência e correção.
Com estes 4 milhões, Ana Amélia se torna uma candidata bem mais rica na disputa. Os bens presentes na declaração ao TRE haviam-na deixado com patrimônio menor até que Tarso Genro, notoriamente um advogado bem sucedido em sua profissão. Se torna, também, uma fazendeira. Suas posições em defesa do grande agronegócio, portanto, podem não mais ser vistas como ideais políticos, mas como a defesa de interesses de classe. De fato, com a declaração daqueles bens, Ana Amélia só tinha a perder.
Mas a revelação da fazenda de Goiás traz, ainda, um outro debate muito incômodo para a senadora. Aquelas terras foram adquiridas entre 1984 e 1986, quando o marido era senador biônico em Brasília, período em que Ana Amélia, também, exerceu seu CC simultaneamente ao cargo de diretora da RBS. A candidata da "renovação", portanto, enfrenta um passado bastante incômodo, vinculado diretamente à ditadura militar.
De qual Ana Amélia estamos realmente na frente? A candidata do "novo" na política ou a representante das elites que floresceram à sombra do regime militar?
Esta resposta terá efeitos decisivos na eleição, tanto neste fim de primeiro turno como, se houver (e provavelmente haverá), num longo segundo turno. Por isso, Ana Amélia deverá andar como o malabarista na corda bamba, se equilibrando com cuidado, em suas declarações e ações nos próximos tempos, de modo a impedir que o passado interfira em seu presente. Mas não foi uma boa ideia omitir seus bens ao povo gaúcho.
*Advogado
http://www.sul21.com.br/jornal/qual-ana-amelia/
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