A união para acabar com o PT
Debate na Rede Globo: o pior de todos, reproduzindo uma das características da política brasileira: a união conveniente entre opositores no intuito de estilhaçar uma vidraça, a de Dilma | Foto: Ramiro Furquim / Sul21
Maria Wagner*
Lutei bravamente para não perder o bom-humor ao longo da semana. Mas agora espero que algo de bom aconteça, porque ele morreu vitimado pela overdose de debates na televisão, se é que podemos dar esse nome – próprio de uma sociedade democrática e civilizada – a esse quadro surrealista que a maioria dos candidatos à presidência e ao governo do Estado pintou ao longo de toda a campanha eleitoral do primeiro turno, que levará o povo às urnas neste domingo.
A dose foi realmente cavalar, reproduzida em uma sequência de quatro episódios dantescos: na sexta-feira (26 de setembro), a disputa estadual; e no domingo (28), a nacional. Ambas pela TV Record. Na terça (dia 30), os concorrentes ao governo do Estado protagonizaram uma sessão de tapas e beijos – Estivalete, Ana Amélia, Robaina, Sartori, Humberto Carvalho e Vieira da Cunha unidos contra Tarso Genro, um servindo ao outro como degrau, pela RBS; e na quinta (dia 2 de outubro), foi a vez de os presidenciáveis usarem essa estratégia de combate. Desta vez na Rede Globo. Foi o pior de todos, reproduzindo uma das características da política brasileira: a união conveniente entre opositores no intuito de estilhaçar uma vidraça. No caso, Dilma Rousseff.
Programa de governo… Que bicho é esse? Aécio e Marina, disputando a possibilidade de enfrentar Dilma no segundo turno aproveitaram todas as perguntas como oportunidade para catapultar mais uma pedra contra o PT e sua candidata à reeleição. A situação chegou às raias do absurdo no bloco de temas determinados, quando o pastor Everaldo, sorteado para fazer sua pergunta ao tucano sobre Previdência, resolveu saber a opinião dele sobre o PAC. Mas, ao contrário do que se vê nas ruas do País, onde o desrespeito às regras é quase uma norma e por muita gente aplaudida como esperteza, a tolerância dos assessores dos candidatos é zero nos debates. Por isso, o galope acusatório de Aécio foi interrompido pelo mediador, William Bonner, que, na verdade, demorou a intervir. Aliás, nem deveria ter permitido que a pergunta fosse completamente formulada. De qualquer maneira, a intervenção desorientou o pastor e ele, sem argumentos, presenteou a plateia e os telespectadores com um momento circense quando lascou "O que tem a me dizer sobre a Previdência?" E Aécio não se vexou. Afinal, PAC ou Previdência, que diferença faria a troca de assunto quando o único objetivo era desmerecer o governo Dilma?
Nesse jogo, os programas de governo são como bola jogada para o escanteio. E isso foi observado em uma das edições do Jornal da Pampa desta semana, quando o ex-governador Germano Rigotto falou sobre a ausência deles nos debates, em consequência de fatores estruturais: um deles é o excesso de candidatos; o segundo é a necessidade, decorrente desse excesso, de a produção estabelecer regras para que todos possam falar; o terceiro é a distribuição justa do tempo que, novamente em consequência do excesso de personagens em cena, não permite aprofundamento nas perguntas e respostas. Concordo com Rigotto. Mas acredito em mais um motivo: os candidatos unidos na briga contra Dilma e Tarso – que têm muito a mostrar do trabalho feito – não falam de seus programas de governo, simplesmente porque não os têm. Por isso se refugiam nas acusações, sempre com os olhos voltados para o passado, quando deveriam focar no futuro. Se estiver errada, me desculpem, mas a impressão que passam é exatamente essa.
No debate estadual realizado na Record, Ana Amélia começou dizendo que era hora de parar com os ataques e falar de propostas. Depois se desmentiu ao longo de todo o programa. Bateu à vontade no candidato do PT, sempre contando com a solidariedade dos demais. Marina Silva, em resposta a Aécio Neves na quinta-feira (2), afirmou que "temos um plano de governo para melhorar o salário mínimo do trabalhador", mas esqueceu (?) de explicar o conteúdo desse plano. No fim, o que se vê como propósito atrás dos discursos é um só: tirar o PT do poder. Apenas isso. Na disputa nacional, inclusive Luciana Genro (PSOL) embarcou nesse trem. O problema é que a viagem não termina bem para quem se vê obrigado a ouvir que "está sendo leviana". E foi essa a reprimenda que o tucano lhe endereçou e para a qual não teve como se defender. Faltou tempo.
É fato que as perguntas e respostas de Luciana criaram momentos interessantes nos debates, mas o desembarque desse trem terminará neste domingo, quando a volta à realidade vai mostrar que eles não alteraram a aprovação popular de forma significativa. Ela ganhou destaque durante a campanha – principalmente nas redes sociais –porque se posicionou sobre temas considerados polêmicos, como casamento entre homossexuais e aborto. Foi sincera? Acredito que sim. Corajosa? Nem tanto. Afinal, quem pouco tem a perder acredita que pode gritar aos quatro ventos o que pensa disso e daquilo, provocando o sincericídio de incautos como Levy Fidelix. Provocadores como Luciana e Robaina ganham aplausos, porque desopilam fígados. Votos? Não o suficiente agora. Talvez no futuro.
Em Brasília, a jornalista norte-americana Anna Edgerton está acompanhando a campanha eleitoral. Ouvida em programa da Band FM nesta quinta-feira (2), ela disse que a animosidade entre os candidatos não lhe causa espanto. Inclusive porque não é uma exclusividade dos brasileiros, afirmou a correspondente da agência de notícias Bloomberg. Nos Estados Unidos, onde apenas dois partidos disputam o poder – republicanos e democratas – as acusações mútuas também são componente importante da estratégia do jogo. E lá, como aqui, a homoafetividade e a legalização do aborto são questões que continuam causando polêmicas.
Anna está no Brasil desde 2013 e cobriu as manifestações de junho. Na Bloomberg, suas matérias se destinam ao mercado internacional, mas também ao brasileiro. Se pudesse votar aqui quem escolheria? "Jornalista só cobre os fatos para o leitor", respondeu. Mas acrescentou que essa imparcialidade não é a regra nos Estados Unidos, onde jornais abrem seu voto e encaram isso como uma prestação de serviço ao leitor. Ela não disse, mas sabe que no Brasil a posição a favor de um candidato é vista como jornalismo sujo e, por isso, a mídia tenta posar como imparcial mesmo quando não é. Esse comportamento é preventivo. Evita que o leitor desatento à aposta refletida no uso da vírgula estranhe quando Eliane Cantanhêde – de hábito combativa na GloboNews em relação ao governo da candidata do PT e cética quanto à reeleição dela – acaba dizendo que "não é provável, mas não é impossível que Dilma ganhe no primeiro turno". Melhor ouvir o que as urnas têm a dizer. Elas falarão no domingo.
*Jornalista
http://www.sul21.com.br/jornal/a-uniao-para-acabar-com-o-pt/
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