'Mas não adianta reclamar, é o mercado", diz o editorial de um grande jornal (O Globo, 15.10.14).
Nas últimas semanas, em meio ao tumulto eleitoral, dei-me ao trabalho de acompanhar o Sr. Mercado: onde ele ia, com quem ele estava, quais as suas companhias, seus desejos, se estava subindo ou descendo (não as escadas, mas seus números), o que ele iria comprar naquele dia, se estava perdendo ou ganhando.
Só sei o nome dele. Ou será o sobrenome? Fiquei me perguntando se era alto ou baixo, bonito ou feio, se conversava com alguém e com quem. Meninas bonitas falam na tv de mercado para cá, mercado para lá, ele fez isso ou fez aquilo, ele comportou-se assim ou assado. Quase fiquei amigo do Sr. Mercado, de tanto que ouvi seu nome no rádio e na televisão, em comentários nos corredores e nos programas eleitorais.
Dependendo do dia, subia aceleradamente ou descia em corrida desesperada, sem explicação. Ou tem explicação? Fiquei sabendo, de repente, que, quando era dia de pesquisas eleitorais, o Sr. Mercado ficava volátil, ou meio tonto. Se a expectativa da pesquisa que ia sair no fim do dia era de melhores números para a candidatura da situação, o Sr. Mercado perdia pontos e caía. Se a esperança era de a candidatura da oposição passar à frente na pesquisa, ganhava pontos e subia.
Coisa ou senhor meio maluco esse Sr. Mercado sem rosto, sem cor, sem identidade, mas de quem todo mundo fala todos os dias, analisa seu desempenho e desenvoltura.
O que é certo no entanto (é o que dizem, pelo menos), é que muita gente (ou pouca) ganhou e vem ganhando muito, muito dinheiro com o Sr. Mercado. Não eu, mero assalariado, que vive do que ganha todos os dias (e ainda ajuda movimentos sociais e populares, ajuda o seu partido, às vezes ajuda a família). Alguns gerentes do Banco do Brasil já me sugeriram, em tempos de vacas um pouco mais gordas - isto é, fora de anos eleitorais, ou no final do ano com o décimo terceiro -, que eu me tornasse mais amigo do Sr. Mercado. Isto é, comprasse algumas ações de alguma empresa, de preferência pública.
Sempre recusei. Sou conservador. Até porque dizem que o Sr. Mercado é zona de risco e que quem se relaciona com ele tem que estar pronto para fortes emoções. O que, nesta altura da minha vida, não é o melhor caminho. Só aplico na poupança algum dinheirinho que eventualmente sobra. Afinal, a 'melhor idade' já faz parte do cotidiano, algum infortúnio ou doença sempre pode vir, o futuro sempre é incerto e não sabido. Quem sabe do futuro?
De qualquer maneira, o Sr. Mercado me persegue, ainda mais nestes tempos pré-eleitorais, mesmo que seja por suas oscilações, dúvidas e rastros que deixa no caminho. Pergunto. Por que ele reage a qualquer pesquisa eleitoral? Por que alguns endinheirados e outros nem tanto, mas seduzidos por sua voz e suas palavras melífluas, jogam na Bolsa de Valores? E, segundo dizem, ganham muito dinheiro, embolsam milhões, até bilhões de um dia para o outro, enquanto eu e vocês, a maioria de meus leitores, ficamos catando nossos minguados caraminguás cada final de mês para ver se sobra algum, e poder dar um presente para o filho, um agrado para a neta ou pagar uma janta para a namorada ou namorado.
Pergunto-me ainda. O que as pessoas fazem com tanto dinheiro? Compram ilhas paradisíacas, iates, propriedades e mais propriedades? Compram amores? Ou, quem sabe, compram a felicidade?
A quem interessa que o Sr. Mercado suba ou desça todos os dias diante das pesquisas eleitorais? Quantas brasileiras e brasileiros são beneficiados? Quantos jovens têm mais educação? Quantos empregos são criados? Ou será que brasileiras e brasileiros, tendo conseguido comprar nos últimos anos sua primeira geladeira, o micro-ondas, o primeiro carro, serem donos de uma casa, verem no horizonte um pouco mais de esperança, vão se atirar agora a comprar ações, a serem amigos íntimos do Sr. Mercado?
Ou serei eu o que não arrisca, o que não tem coragem? Ou serei o que é sempre do contra, o que tem outros valores e outra visão de mundo? E, portanto, acha que o Sr. Mercado fala com poucos, relaciona-se com meia dúzia, só pensa em dinheiro, em acúmulo, pouco importando o sofrimento e os parcos recursos de tantos, que lutam todos os dias para pôr comida na boca dos seus filhos?
Dia 26 de outubro vai se decidir muito do futuro do Brasil, de sua democracia, se a riqueza produzida por brasileiras e brasileiros vai ser distribuída para todas e todos, se este país vai melhorar a qualidade dos serviços públicos, vai ter maior igualdade econômica, mais justiça social.
O Senhor Mercado que me desculpe. Reclamo sim. E, felizmente, suas jogadas e seus truques, como disse a presidenta Dilma, não ganham eleições. Para mim, olho no olho, sou daqueles que, acima de tudo, acredita na democracia das ruas e das vidas, das pessoas livres e felizes. Isso nenhum Sr. Mercado compra, isso não tem preço.
Em dezessete de outubro de dois mil e catorze
Selvino Heck
Diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã e Secretaria Geral da Presidência da República. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=82938
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