O rancor e o ressentimento da direita
Era previsível que num ano de escolha de um novo presidente e de eleições para o parlamento, que o tom do debate político se elevasse. A possibilidade de chegada ao poder excita tanto ou mais do que o sexo; as sensibilidades se agudizam; os ânimos se exaltam. Mas também não há nenhuma dúvida que esta reta final das eleições/2010 tem algumas particularidades interessantes que merecem ser brevemente comentadas.
A cada dia que passa o resultado das pesquisas aumenta o desespero de Serra, do PSDB e do DEM. Partidos de caciques políticos, dissidências das cúpulas do PMDB paulista e da Arena, incapazes de apresentar-se como uma nova e válida alternativa de poder ao governo Lula, constituíram oposição pobre, meramente caluniadora, pouco inspirada e inspiradora.
Historicamente acostumados com exercício do poder, oito anos fora da presidência é para eles tempo demais. Acirra-lhes a contrariedade, torna incontrolável seu o mau humor. E a perspectiva que se avizinha – de ficar mais oito ou talvez doze anos fora – é, então, um sofrimento, algo absolutamente inaceitável. O que lhes resta fazer? Exatamente o que eles estão fazendo: com o maciço, o solidário apoio do PIG – partido da imprensa golpista – negar a legitimidade da democracia brasileira, desqualificar o processo eleitoral em andamento, bombardear o governo Lula, atacar pessoalmente Dilma.
O náufrago Serra tentou, primeiro a denúncia da quebra do sigilo de sua filha. Apesar da insistência e do irrestrito apoio do PIG, não colou. Depois veio a Veja da semana passada que colocou na capa um escudo da República ameaçado pelos tentáculos de um polvo colocado acima da indagação "PARTIDO DO POVO?" A clara insinuação do perigo iminente de uma república populista no país. E no domingo próximo passado a última edição da Veja veio com nova denúncia, desta vez contra a sucessora de Dilma na casa Civil. Além disso, tem se tornado freqüente na Internet, em muitos blogs consultados e em emails recebidos, o coro dos "viúvos da ditadura militar". Trata-se daquela turma dos saudosos dos governos de chumbo de antanho que, segundo essa versão, diferentes do atual, imunes à corrupção, responsáveis por realizações grandiosas e pelo crescimento econômico. Um absurdo: eles esquecem a inflação, as obras faraônicas não concluídas, a total subserviência do Brasil aos interesses norte-americanos, sem falar na tortura e na falta das mínimas liberdades cidadãs.
Aqui nesta província de S. Pedro há três registros que julgo necessário fazer. O primeiro foi a recente veiculação em jornal da capital de um artigo de um ex-prefeito nomeado pela ditadura, que alerta para os perigos do que ele chama da "volta dos velhos sonhos populistas". O autor chega a cometer o desatino de responsabilizar a democracia direta como responsável pela chegada de Hitler ao poder na Alemanha! O segundo é o editorial de ZH de domingo passado, em que a RBS manifesta seu desencanto pela democracia. É o reconhecimento implícito da derrota de seus candidatos. E por fim o terceiro, o mais triste é o artigo "Rir ou chorar", também publicado na última ZH dominical. Flávio Tavares, um jornalista exilado, perseguido pela ditadura militar assumiu o discurso da direita, reclamando dos elevados níveis de corrupção do país – segundo suas palavras textuais "nunca houve tanta corrupção como agora", escreve. Triste, muito triste que uma figura com esta história e passado político tenha se transformado numa caricatura, uma espécie de editorialista B do grupo RBS.
Escrevi este texto, quatro anos atrás, poucos dias antes das eleições de 2010. Achei interessante reproduzi-lo agora porque trocando o nome do candidato do PSDB – Serra por Aécio – o cenário do momento político pré-eleitoral se repetiu em 2014. Um vídeo tape piorado. O posicionamento da grande mídia foi ainda mais parcial, de acintosa hostilidade oposicionista. Teve a clara intenção de acirrar o sentimento antipetista na população. O tom das denúncias e calúnias aumentou, chegando ao que pode ser classificado de "desespero golpista".
Aécio Neves, derrotado, demonstrou toda sua pequenez, não reconheceu a vitória da oponente, bradou, destilou ódio e rancor. Um Congresso conservador, corporativo, dois dias depois da vitória de Dilma revogou um decreto presidencial que criou os Conselhos Populares. O mercado se agitou, a bolsa cai, o dólar subiu, expressando seu descontentamento com a derrota do seu candidato. Alguns mais exaltados, fora de si, afirmam que foi a inaceitável vitória do Norte e do Norte pobre, atrasado que se impôs ao Sul e Sudeste, os motores que movem a economia do país.
A velha e reacionária direita brasileira se fortaleceu. E o lamentável é que, decorridos quatro anos, apesar da vitória da Dilma, estamos ainda mais distantes da consolidação de uma verdadeira democracia no país.
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Paulo Muzell é economista.
http://www.sul21.com.br/jornal/o-rancor-e-o-ressentimento-da-direita/
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