Sartori e o fim do mito do gaúcho politizado
Alberto Kopittke
Durante décadas o RS tem sido um celeiro de líderes e doutrinas políticas. Dezenas de personalidades do estado ou que aqui tiveram sua formação política foram figuras proeminentes do país, que muitas vezes influenciaram os rumos e a história do Brasil.
Não por acaso, a cada 20 de setembro, manifestamos nosso orgulho pelo fato de nossos antepassados terem se rebelado contra o Império e criado aqui uma República 50 anos antes da proclamação da República no país.
Seja a República positivista, de Julio de Castilhos e Borges de Medeiros, a liderança na Revolução de 1930, em que o Governador Getúlio Vargas liderou um movimento que derrubou um regime comprometido, a liderança de Leonel Brizolla no movimento da Legalidade, que evitou um Golpe em 1961, ou nossa atual Presidenta da República, Dilma Rousseff, que aqui completou sua formação política e começou sua trajetória como gestora pública, o RS se notabilizou por uma tradição que o fez ser conhecido como "o estado mais politizado do país".
É importante destacar os saldos desse caldo político-cultural. Mesmo com todos os problemas das contas públicas dos últimos 30 anos, o RS se tornou ao longo do século XX uma referência em diversas áreas, com um dos melhores patamares em qualidade de vida, produção rural e industrial pujante, reconhecido como um importante pólo cultural, universitário e da indústria da inovação e da comunicação.
Mas finalmente chegamos em 2014, com um candidato que concorre ao Governo do Estado e que apresenta como sua maior qualidade o fato de não ter opinião sobre nada, que se orgulha de não ter nenhum referencial histórico ou conceitual para orientar suas ações políticas. Há alguns anos atrás, seria impensável a possibilidade de um candidato a Governador do Estado afirmar que apresentaria suas propostas apenas depois de assumir o governo.
Não creio que exista algum registro na história do RS de um candidato com esse perfil, o que já tem sido apontado por diversos jornalistas das mais diversas matizes ideológicas. E aqui não vai nenhuma crítica pessoal ou moral a sua pessoa, mas ao personagem criado por ele e seus marqueteiros, o qual ao longo de todo o processo eleitoral repete diariamente longas falas que simplesmente não têm conteúdo, não têm sequer nexo lógico. São construções oratórias cuidadosamente montadas com o auxílio de muitas pesquisas, para nada dizer.
Mesmo com diferenças ideológicas, jamais se pode afirmar que Pedro Simon, Alceu Collares, Antonio Britto, Olívio Dutra, Germano Rigotto, Yeda Crusius ou Tarso Genro fossem pessoas sem opiniões claras e bem definidas.
Nem mesmo a campanha de Germano Rigotto, em 2002, que foi pioneira em esvaziar o debate político para se basear em elementos emocionais e símbolos generalizantes, se aproximou do que se passa agora. Mesmo que as peças publicitárias fossem nesse tom, o candidato quando se apresentava nos debates expressava opiniões e propostas claras.
Esse personagem que se apresenta ao estado atualmente só é viável em um contexto de absoluta demonização da política. Isso não explica tudo, uma vez que em nível nacional esse ambiente também existe, porém os candidatos à presidência se digladiam com concepções e propostas claras e muito bem demarcadas em suas diferenças.
O que esse personagem pode indicar é algo mais profundo, algo que pode estar relacionado com uma crise cultural de nosso estado, abrindo mão do protagonismo que se desafiava a construir e liderar soluções para assumir uma postura passiva e inerte, que se exime até mesmo de pensar sobre a sua própria realidade.
Até alguns anos atrás, atribuíamos esse comportamento a regiões miseráveis do país, onde máquinas assistencialistas alicerçadas na baixa escolaridade das pessoas e sua incapacidade de interpretar os processos políticos garantiam a manutenção de estruturas de poder sempre com o auxílio da criação de alguns personagens como "painhos" e padrinhos de sorriso largo e que simulavam costumes simples, para encantar o povo comum.
Abrindo mão da responsabilidade própria dos que se colocam a tarefa da representação, que é assumir posições, a estratégia adotada por pura ânsia pelo poder empurra o Estado para uma crise de despolitização que pode representar a perda de um longo capital histórico que tanto nos orgulhamos.
Pode ser apenas uma eleição, mas pode ser também um alerta sobre o fim do mito do gaúcho politizado, que esperamos, não se concretize.
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Alberto Kopittke é advogado e vereador de Porto Alegre.
http://www.sul21.com.br/jornal/sartori-e-o-fim-do-mito-do-gaucho-politizado-por-alberto-kopittke/
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