Tristes subtrópicos
Estimados compatriotas gaúchos: vocês ensandeceram? Houve alguma queda coletiva de metade do estado com todo mundo batendo a cabeça no chão ao mesmo tempo e passando a achar que isso aí é o Paraná, ou Santa Catarina? Vocês sofrem coletivamente de alguma alucinação na qual José Sartori incorpora Leonel Brizola, e por isso a confusão na hora de declarar a intenção de voto? Em bom português, What´s the matter with Kansas?
Aliás, esse é o título de um ótimo livro sobre como o tal Kansas, terra de redemoinhos e do Mágico de Oz, se transforma de um lugar progressista em um território dominado pelo horrível partido Republicano.
What´s the matter with you, Rio Grande del Sur? Não aprenderam nada com as besteiras sequenciais de eleger Britto, Rigotto, Yeda, todos representantes da mesma ausência de projeto que alimenta o nobre e estimado Sartori? Não estão satisfeitos ao ver que entregar governo a quem quer observar pássaros é o que atualmente desmonta Porto Alegre? Vocês estão brincando com o futuro de vocês e dos seus filhos?
Porque isso é o que se faz quando se escolhe o isopor como símbolo pátrio. Governantes precisam ser gente com visão de alguma coisa que seja um pouco mais do que uma grande Festa da Uva, se é que isso ainda existe.
Sabem como o Kansas se transformou em um grande deserto de pessoas, Bruxas Más do Oeste e ideias? Quando o partido Republicano, perdedor de todas as grandes lutas do século 20, virou o Partido do Homem Comum, da pátria amada, da torta de maçã e do ódio aos gays. Quando o tal Homem Comum passou a acreditar que uma plutocracia realmente sentia amor por ele. Quando ele passou a acreditar que seria mais feliz em um mundo onde outros como ele, igualmente sem noção do que faz o mundo girar, estivessem no comando. Melhor um desmiolado como George W. Bush do que um sujeito pensante como Al Gore. Melhor um esquisito como Mitt Romney do que um intelectual e (relativamente falando) humanista como Obama, porque Romney era Um de Nós – apenas com alguns bilhões a mais na conta.
Obama era um esnobe que queria ajudar todo mundo, especialmente os mais pobres, a irem pra faculdade. Romney sabia que ser Um de Nós era desprezar a educação, essa fonte inesgotável de problemas.
Se você pede a Homem do Povo para especular sobre a natureza das coisas, ele vai lhe dizer para procurar a horta mais próxima, onde existem várias formas de natureza. Se você pede a ele para solucionar algum problema, ele vai lhe dizer para tomar uma aspirina e comer frango com polenta, que sempre dá certo. O Homem Comum do Kansas adora, acima de tudo, uma boa simplicidade, mesmo que ela não signifique coisa alguma.
O problema, sempre, é que a simplicidade não apenas não resolve como não existe. O mundo, especialmente esse em que a gente vive, ou vai viver, tem como maior fator de diferenciação com os mundos anteriores a sua extrema complexidade e velocidade de mudança. Basta ficar no mesmo lugar por alguns anos para ocupar o final da fila.
E é isso que acontece, rapidamente, com o nosso querido e estimado RS, terra de falta de contrastes. Sério. Eu sou gaúcho, vivi muitos anos na linda Serra, muitos outros na leal e valerosa, e vejo a velocidade com a qual estamos perdendo o bonde.
Meses atrás eu tentei desenvolver um projeto simultaneamente, aí e aqui em SP, onde vivo. Eu não vou descrever a vocês todas as diferenças que eu encontrei, porque não gosto de tragédia antes do almoço, mas posso garantir a vocês que o projeto está já na rua aqui, e eu desisti dele aí.
A diferença de um governo que tenta reformar, mudar, avançar, é que ele tenta. Para isso, em um lugar travado como o nosso amado rincão, é preciso, acima de tudo, tempo, continuidade. Mudar agora, e trocar um governo que acredita por um que parece acreditar que o mundo é um grande galeto, é mais do que maluco, suicida. E é o que estamos fazendo, aparentemente.
A causa? Deve haver alguma, ou muitas. Mas, se um povo escolhe um Sartori como ícone, ele quer se ver espelhado ali, ou quer mostrar ao restante do povo quem é que manda.
O Homem Comum daí está me parecendo muito, mas muito parecido como o do Kansas, que é, como tem que ser, um dos mais atrasados estados americanos.
E qualquer semelhança, como se sabe, só pode, tem que ser, mera coincidência. Tristes nós.
Marcelo Carneiro da Cunha é escritor.
http://www.sul21.com.br/jornal/tristes-subtropicos/
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