Defendida por Dilma, reforma política dependerá da pressão popular para se concretizar
Ana Ávila
Em seu discurso após o anúncio da vitória, a presidente Dilma Rousseff prometeu priorizar a reforma política. "Sei que estou sendo reconduzida à presidência para fazer as grandes mudanças que a sociedade brasileira exige. Dentre as reformas, a primeira e mais importante deve ser a reforma política", disse ela. Apesar da boa vontade, Dilma deve precisar de bem mais para fazer avançar o tema no Congresso.
Relator da reforma política na Câmara Federal — não votada por falta de apoio –, o deputado federal Henrique Fontana (PT) defende que só a pressão popular fará o tema seguir em frente. "Minha avaliação é de que, sim, é possível fazermos a reforma política, mas é preciso que haja uma ampla participação da sociedade, que ela pressione o Congresso", diz.
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-RS, Marcelo Bertoluci mostrou posição semelhante em entrevista ao Sul21. "A história recente do Brasil, os últimos 20 anos, mostraram com todas as letras que não há vontade política, e quando não há vontade política, o cidadão deve fazer por si. Somos nós que elegemos, somos nós os responsáveis por colocarmos aquelas pessoas que estão lá. Portanto, é preciso sim que venha, eu não diria propriamente de uma pressão, embora possa essa ser uma palavra simbólica importante, mas de uma mobilização competente, ou seja, as pessoas precisam avaliar que elas são os grandes protagonistas deste país", disse na ocasião.
Fontana vê três possibilidades de a reforma sair da gaveta: a primeira é que o Congresso vote a proposta de reforma idealizada por 72 entidades, entre elas a OAB, a UNE e a CNBB, que prevê o fim, entre outras coisas, do financiamento de empresas a campanhas eleitorais e pena de detenção e cassação de mandato para quem praticar caixa dois. A segunda possibilidade seria a realização de um plebiscito, em que a sociedade responderia sobre cinco ou seis temas, como Dilma vem propondo desde que fracassou em obter apoio, mesmo dentro do governo, para a convocação de uma Assembleia Constituinte. A terceira, aventada caso as duas primeiras não consigam avançar, seria exatamente a Constituinte, formada por parlamentares eleitos exclusivamente para este fim, com mandato limitado e que não possam concorrer pelos cinco anos seguintes.
A última opção se mostra a mais radical, já que implicaria em separar a reforma política do Congresso e convocar eleições para uma Constituinte. Fontana deixa claro que gostaria de ver uma das duas primeiras hipóteses avançar, ainda assim é taxativo quanto à necessidade urgente da reforma: "A única coisa que não pode acontecer é o Brasil caminhar para uma nova eleição nesse sistema, com predomínio do papel econômico dentro do sistema eleitoral", afirma.
O presidente da OAB-RS, embora acredite que a participação popular deve sempre ser fomentada por mecanismos como o plebiscito, vê urgência quando o assunto é a reforma política. Assim, necessitaria de abordagem diferente. "[O tema da reforma política] tem de ser tratado de uma forma competente, mais eficaz, mais rápido".
Sem apoio para a Constituinte, a presidenta tem se mostrado mais inclinada a um plebiscito. No discurso proferido após a vitória nas urnas, ela afirmou: "Como instrumento desta consulta, nós vamos encontrar a força e a legitimidade exigidas neste momento de transformação para levarmos à frente a reforma política". A dúvida é como Dilma conseguirá fazer o projeto avançar no Congresso já que a Constituição de 1988 determina que a convocação do plebiscito é função exclusiva da Casa.
Além dos percalços encontrados até agora, Dilma terá que lidar ainda com outros dois fatores: o percentual significativo de eleitores que gostaria de ver outro mandatário ocupando a cadeira presidencial em 2015 e o conservadorismo do novo Congresso, que assume no próximo ano. Levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostra um aumento do número de parlamentares ligados a segmentos mais conservadores – entre eles, militares, policiais, religiosos e ruralistas.
Cientista político e professor da Unisinos, ESPM e Unifin, Bruno Lima Rocha gostaria de ver a proposta apoiada na formação de uma Assembleia Constituinte avançando, mas considera a hipótese distante. "Diante da conjuntura e do custo, talvez seja melhor fazer pressão externa no Congresso", afirma. Para o analista, será necessária uma grande mobilização social, semelhante a que houve no segundo turno das eleições, para que a reforma política aconteça, e se dará a partir de um plebiscito – permeado por pressão e tensão social.
"Minha perspectiva é que o Congresso vá para a legislatura ainda mais conservador e com alianças ainda mais custosas. E entendo que ele vai reagir muito duro contra o aumento de poder da presidente e que emerja da mobilização social", defende Lima Rocha.
Entre 1º e 7 de setembro, o movimento Plebiscito Constituinte coletou 7,5 milhões de assinaturas favoráveis à realização de um plebiscito para que a população decida se quer ou não a formação de uma Assembleia Constituinte para implementar a reforma política. O objetivo era exatamente pressionar os parlamentares para que aprovem um projeto de decreto legislativo convocando um plebiscito sobre o tema. Ao receber as assinaturas, Dilma afirmou: "Não podemos achar que o Congresso Nacional se autorreforma. Eu acho que nenhuma instância se autorreforma sem a manifestação popular", disse ela na ocasião.
O abaixo-assinado também foi entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, que considerou que o período eleitoral não era o momento mais adequado para discutir o assunto e garantiu que ele mesmo já havia tentado votar a reforma, sem sucesso. Alves também prometeu que o tema continuará na agenda da Câmara. "As sugestões que vierem de forma ordeira, democrática e respeitosa têm o direito [de serem recebidas] e eu tenho o dever de recebê-los".
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