6/out/2014, 14h51min

Duas propostas bem definidas

Fechados os resultados do primeiro turno da eleição presidencial, restaram as duas propostas mais antagônicas do ponto de vista econômico. Mas não são apenas antagônicas, são também as mais definidas, seja pelas suas trajetórias históricas, seja pelo que propõem para o futuro. Não é uma má notícia a retirada de Marina Silva do páreo, até porque esta foi uma candidatura que teve que se construir na última hora, emergencialmente, numa composição política heterogênea, sem história e com pouca firmeza em relação ao que faria no poder. As vacilações de Marina em relação a vários temas chegavam a assustar e as certezas em relação a outros assustavam ainda mais.

Dilma e Aécio têm posições muito diferentes sobre a economia brasileira nos mais variados pontos, desde crescimento, inflação, emprego, juros, relacionamento com o mercado financeiro até abertura comercial e presença do Estado na economia. Mas em relação a um tema não há discordância, a urgência de se fazerem investimentos pesados em infraestrutura. O que muda é a forma, Dilma muito mais a favor da presença do Estado, e Aécio muito mais a favor da iniciativa privada. Porém, a presença do Estado para Dilma não é a presença direta, mas como definidor de parâmetros, regulador e disciplinador das ações repassadas para o setor privado em forma de Parcerias Público Privadas, concessões e licenças. Depois de um período de disputa e de desentendimento entre o Governo e a iniciativa privada, desde a metade de 2013 entramos em uma nova fase na qual os dois lados começaram a ceder à ideia da necessária simbiose, o que destravou alguns projetos e abriu o caminho para outros. Naturalmente, o episódio eleitoral deixa muitas decisões em suspenso, mas mesmo na hipótese da vitória de Dilma, novos projetos aparecerão, até porque nem o Governo nem o setor privado são suficientemente irresponsáveis para estender uma briga por mais quatro anos e deixar as oportunidades passarem.

Aécio, seguindo a visão conhecida de seu partido e de acordo com o que se viu no Governo de Fernando Henrique, colocaria um regramento bem mais leve, numa postura mais amigável com o capital privado e menos preocupada com a regulação e a fiscalização da sociedade. Veja-se o exemplo da telefonia, em que o setor privado comprou por preços irrisórios as antigas estatais no momento das privatizações – no final dos anos 1990 – e foi submetido a um regramento frouxo. Tal arcabouço de controle permite até hoje a operação de oligopólios danosos à sociedade, em que se cobram altos preços por um serviço muito ruim e com a possibilidade ampliada de lucros com a operação da telefonia móvel, da internet e da televisão a cabo.

O certo é que há pouca chance dos investimentos em infraestrutura não decolarem nos próximos anos, pois há uma enorme demanda não atendida em várias áreas, há grande margem para ganhos por longos anos e há capital disponível – nacional e estrangeiro – para bancar os projetos. Eles ocorrerão nos setores de transporte, com especial atenção à mobilidade urbana, nas diversas formas de geração de energia, no saneamento e nas comunicações, muitos atendendo a pleitos antigos e reforçados nas manifestações populares do meio do ano passado e outros atendendo à urgente necessidade de se avançar na chamada competitividade sistêmica. Este tipo de competitividade é aquele que não vem nem de dentro da empresa, nem corresponde à forma de atuar de determinado setor, ele deriva justamente do arcabouço social, de forma ampla, abrangendo tributação, aspectos legais, educação e, entre outros, infraestrutura.

É impossível competir globalmente com infraestrutura atrasada e cara, mas nossos indicadores em geral mostram posições muito ruins nos rankings internacionais. Medidas simples como o custo de colocar um contêiner dentro de um navio, o tempo que um cargueiro leva para atracar, carregar e sair de um porto brasileiro, a taxa de desperdício da safra agrícola por más condições das estradas, o número de crianças que adoecem por más condições de saneamento, tudo isto mostra ao mesmo tempo as carências e as oportunidades de investimentos. Cada ano que passa e não avançamos nestas diversas áreas, os competidores internacionais o fazem e nos deixam mais para trás no arranjo da produção globalizada.

Enfim, os diagnósticos estão feitos, as necessidades estão claras e as oportunidades, presentes. Resta organizar os grandes projetos com os fartos recursos disponíveis no Brasil e no mundo, numa época em que não se encontram tantos mercados abertos para valorização do capital. Mas cuidado, decisões de grande porte, como as que envolvem infraestrutura, custam a maturar e definem rotas por muito tempo, por vezes sem caminho de retorno. Dilma e Aécio representam formas muito diferentes de articulação destes projetos, formas que vão compor um debate que deve esquentar e se definir nas próximas três semanas, mas que vão marcar os rumos da economia e da sociedade brasileira nos próximos anos.

Flávio Fligenspan é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS.

http://www.sul21.com.br/jornal/duas-propostas-bem-definidas/