01/09/2014 - Copyleft
O avião de Campos e Marina e os limites da Nova Política
Marina não herdou de Campos apenas uma coligação. Herdou também a obrigação de justificar as condições em que aquele avião vinha sendo utilizado.
Fábio de Sá e Silva
É que, para fins de direito, "empréstimo com ressarcimento" não existe – ou, com muito boa vontade, pode ser chamado de aluguel. Se o comitê de campanha, de fato, alugava o avião, era indispensável (repita-se), que o fizesse de agente autorizado legalmente, ou seja, de empresa de taxi aéreo.
Marina, é bem verdade, não é obrigada a dominar categorias jurídicas. É possível, assim, que ela tenha pretendido dizer que o avião era de fato emprestado, e que as providências a serem tomadas ao final da campanha incluiriam não o "ressarcimento", mas a "devolução" do bem aos seus reais proprietários e o registro das horas voadas como "doação" destes à campanha.
Mas se esse for mesmo o caso, caberia ao comitê e aos candidatos Campos e Marina observarem outro dispositivo do direito eleitoral: aquele que requer o registro das doações no momento em que ocorrem, e a inclusão desses registros nas prestações de contas, inclusive parciais, com os devidos comprovantes.
Dispositivo este que foi incluído pelo TSE com o objetivo, exatamente, de coibir a formação dos conhecidos "caixas-dois", que no passado recente foram o fator responsável por desencadear práticas que a agora candidata Marina certamente qualificaria como da "velha política".
Pelo sim, pelo não, o Ministério Público entrou em cena, e no último dia 29/08/2014, por iniciativa do próprio Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, instaurou Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE), visando apurar a eventual violação da Resolução 23.406/2014, do TSE. Muito provavelmente, o PPE se debruçará sobre questões bastante objetivas:
– O avião era alugado ou teve seu uso doado?
– Se era alugado, quem alugou foi uma empresa de taxi aéreo?
– Se teve seu uso doado, tinha o autor da doação suficiente legitimidade jurídica para fazê-lo (era, afinal, legítimo proprietário do bem)?
– Ainda na hipótese de doação, houve registro tempestivo dessa operação pelo comitê de campanha, que conste da prestação de contas parcial?
A negativa a qualquer destas questões mais específicas indica a existência ilícito, que pode culminar com ressalvas na aprovação das contas ou, no limite, com impugnação de mandato eleitoral.
No momento, porém, em que o eleitorado se esforça para compreender a candidatura e as propostas de Marina, a simples possibilidade de examinar esses fatos mais de perto permite levantar uma série de outras questões relevantes, senão para o direito, certamente para a política:
– Seriam os expedientes que permitiram à dupla utilizar o avião na campanha (compra e cessão por amigo pessoal do candidato, beneficiário de políticas públicas do seu Estado de origem) compatíveis com essa "nova política"?
– Se por acaso as horas de voo não estavam contabilizadas, como assegurar que essa prática se limitou ao avião, e de que outros casos como este não tenderão a aparecer ao longo do pleito – em especial diante de uma candidata que tem orgulho de dizer que opera apenas no nível "estratégico"?
– Que razões, afinal, teriam os eleitores para acreditar na promessa de que um "governo de homens bons", com apoio "das ruas", será capaz de superar problemas conhecidos do nosso sistema político eleitoral, dos quais a forma de destinação do jato à campanha de que participou a própria Marina parece ser uma prova inequívoca?
No curto prazo, em suma, a simples instauração do PPE pelo Ministério Público Federal não é garantia de punição, muito menos um impeditivo a que Marina continue postulando a Presidência da República.
No entanto, o procedimento já terá oferecido importante contribuição a este pleito, se ajudar a esclarecer os limites para a construção de uma "nova política" apenas a partir do voluntarismo dos candidatos, sem um efetivo compromisso com reformas mais estruturais no sistema – em relação às quais, aliás, as pretensões da candidata também mereceriam um olhar mais próximo.
___________________
Fábio de Sá e Silva é PhD em Direito, Política e Sociedade pela Northeastern University (EUA).
http://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FO-aviao-de-Campos-e-Marina-e-os-limites-da-Nova-Politica%2F4%2F31724&page=2
Marina, é bem verdade, não é obrigada a dominar categorias jurídicas. É possível, assim, que ela tenha pretendido dizer que o avião era de fato emprestado, e que as providências a serem tomadas ao final da campanha incluiriam não o "ressarcimento", mas a "devolução" do bem aos seus reais proprietários e o registro das horas voadas como "doação" destes à campanha.
Mas se esse for mesmo o caso, caberia ao comitê e aos candidatos Campos e Marina observarem outro dispositivo do direito eleitoral: aquele que requer o registro das doações no momento em que ocorrem, e a inclusão desses registros nas prestações de contas, inclusive parciais, com os devidos comprovantes.
Dispositivo este que foi incluído pelo TSE com o objetivo, exatamente, de coibir a formação dos conhecidos "caixas-dois", que no passado recente foram o fator responsável por desencadear práticas que a agora candidata Marina certamente qualificaria como da "velha política".
Pelo sim, pelo não, o Ministério Público entrou em cena, e no último dia 29/08/2014, por iniciativa do próprio Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, instaurou Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE), visando apurar a eventual violação da Resolução 23.406/2014, do TSE. Muito provavelmente, o PPE se debruçará sobre questões bastante objetivas:
– O avião era alugado ou teve seu uso doado?
– Se era alugado, quem alugou foi uma empresa de taxi aéreo?
– Se teve seu uso doado, tinha o autor da doação suficiente legitimidade jurídica para fazê-lo (era, afinal, legítimo proprietário do bem)?
– Ainda na hipótese de doação, houve registro tempestivo dessa operação pelo comitê de campanha, que conste da prestação de contas parcial?
A negativa a qualquer destas questões mais específicas indica a existência ilícito, que pode culminar com ressalvas na aprovação das contas ou, no limite, com impugnação de mandato eleitoral.
No momento, porém, em que o eleitorado se esforça para compreender a candidatura e as propostas de Marina, a simples possibilidade de examinar esses fatos mais de perto permite levantar uma série de outras questões relevantes, senão para o direito, certamente para a política:
– Seriam os expedientes que permitiram à dupla utilizar o avião na campanha (compra e cessão por amigo pessoal do candidato, beneficiário de políticas públicas do seu Estado de origem) compatíveis com essa "nova política"?
– Se por acaso as horas de voo não estavam contabilizadas, como assegurar que essa prática se limitou ao avião, e de que outros casos como este não tenderão a aparecer ao longo do pleito – em especial diante de uma candidata que tem orgulho de dizer que opera apenas no nível "estratégico"?
– Que razões, afinal, teriam os eleitores para acreditar na promessa de que um "governo de homens bons", com apoio "das ruas", será capaz de superar problemas conhecidos do nosso sistema político eleitoral, dos quais a forma de destinação do jato à campanha de que participou a própria Marina parece ser uma prova inequívoca?
No curto prazo, em suma, a simples instauração do PPE pelo Ministério Público Federal não é garantia de punição, muito menos um impeditivo a que Marina continue postulando a Presidência da República.
No entanto, o procedimento já terá oferecido importante contribuição a este pleito, se ajudar a esclarecer os limites para a construção de uma "nova política" apenas a partir do voluntarismo dos candidatos, sem um efetivo compromisso com reformas mais estruturais no sistema – em relação às quais, aliás, as pretensões da candidata também mereceriam um olhar mais próximo.
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Fábio de Sá e Silva é PhD em Direito, Política e Sociedade pela Northeastern University (EUA).
Créditos da foto: Thays Cabette/Fotos Públicas
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