"A INJUSTIÇA NÃO SERÁ APAGADA", DIZ JOÃO PAULO
Ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, que passou um ano na prisão, relata suas memórias do cárcere em forma de poesia no livro "Quatro e outras lembranças", que será lançado no dia 7; "A experiência da prisão me proporcionou a retomada de algo que eu deixei de fazer há muitos anos, que é escrever", conta, em entrevista à jornalista Tereza Cruvinel; condenado no processo do chamado 'mensalão', o ex-deputado diz que "a grande dor" é que seu processo "não terminará nunca, só com a morte"; "É uma marca que todos nós vamos carregar a vida inteira, uma marca indelével", afirma; sobre política, acredita que valores vêm sendo perdidos "nesta luta insana contra o PT"; "As pessoas perderam o pudor de defender a ditadura, a xenofobia, a homofobia, preconceitos diversos... Tudo isso está se banalizando. Estamos involuindo enquanto civilização"
2 DE ABRIL DE 2015 ÀS 14:07
Na solidão dos dias e noites que passou no presídio da Papuda, o poeta que estava adormecido dentro do político voltou a pulsar e exigir espaço na vida do ex-deputado e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha. Muitos anos antes, tragado pela brutalidade da política, ele havia abandonado este ofício, que exige sobretudo reflexão e sensibilidade, embora tenha preservado sempre um espaço para a relação com a literatura. É este poeta que brotou de uma experiência dolorosa que emerge no livro de poemas "Quatro e outras lembranças", que João Paulo lança pela Top Books na próxima terça-feira, dia 7. Nem por isso, os poemas sangram ou destilam mágoa ou rancor. O que deles escorre são metáforas e imagens delicadas sobre as circunstâncias de um homem às voltas com a prisão, a perda da liberdade e o estigma da condenação, que ele chama de "marca indelével".
Na entrevista ao blog, que se segue, João Paulo, que poderá participar dos lançamentos em Brasília e São Paulo, e tem autorização para falar sobre o livro e assuntos a ele conexos, fala de poesia, prisão e um pouquinho de política.
P – Nós sempre pensamos que há uma grande distância entre a poesia e a política. Agora que o poeta brotou em você, como lida com estes antagonismos?
R – A política, quando feita com verdade e paixão, também tem um pouco de poesia. Exige sensibilidade e proporciona prazer. Acho que sempre carreguei as duas mas em determinada fase de minha vida entreguei-me completamente à política. Agora, a experiência da prisão me proporcionou a retomada de algo que eu deixei de fazer há muitos anos, que é escrever, conversando comigo mesmo e com o mundo, que nem sempre responde...
P – A solidão abriu esta porta?
R – A solidão teve um peso enorme mas há também o fato de que, como você não tem mais a chave que lhe permite entrar e sair da própria casa, você fica lá o tempo todo, sua única relação com o mundo é através de seus próprios pensamentos. Na angústia de não ter como expressá-los, a única possibilidade é escrever. E no meu caso, comecei escrevendo resenhas dos livros que lia e passei depois a escrever poesias, parte delas reunidas neste livro.
P – A prisão e a condenação o forçaram a distanciar-se da política. O que você diria hoje sobre a brutalidade da política, tudo o que ela tem de áspero e conflituoso.
R – A política é bruta e árida mas sempre será necessária. Fora dela não há salvação, como alguém já disse. É bruta porque quem entra nela precisa subir. E para subir é preciso derrotar alguém, disputar com o outro, e isso é pouco humano. A política tem valores humanos quando é feita com o objetivo de proporcionar conquistas coletivas mas sua natureza é competitiva, e a competição exige sempre uma dose de brutalidade. Quando se está fora dela você percebe mais nitidamente o que ela tem de áspero mas isso não invalida sua necessidade com motor das mudanças.
R – Quando tudo isso terminar você pretende retomar sua atividade política?
R – Este processo não terminará nunca. Só com a morte. É uma marca que todos nós vamos carregar a vida inteira, uma marca indelével. Tenho clareza disso, de que nunca será possível dissociar esta passagem do resto de nossas vidas, de que haverá sempre um estigma e que será impossível apaga-lo.
P – Esta é sua maior dor?
R – Sim. Esta é a grande dor. Alguém sempre nos chamará de mensaleiro, disso ou daquilo, por mais que você grite a sua verdade. Não terei como dissociar minha vida disso. Não haverá um pós.
P – Mas juridicamente isso vai acabar um dia. Retomando os direitos políticos você voltará a militar.
R – O processo jurídico pode até ser encerrado mas isso não resolverá jamais o problema de cada um. A injustiça cometida não será apagada porque a pena foi cumprida ou foi extinta. O que fará cada um eu não sei mas pessoalmente não pretendo buscar um mandato ou coisa assim. Mas a política está em mim, naturalmente, continuarei sendo um ser político.
R – Como você vê o quadro político do momento?
R – Não posso falar muito disso mas o quadro é preocupante. Há uma conjunção de problemas, a combinação perigosa entre problemas econômicos e a dificuldade do governo em estabilizar sua relação com a base política para assegurar a estabilidade, existe inquietação social, que tende a aumentar com as dificuldades econômicas. Mas o que mais me preocupa é uma espécie de crise cultural, de valores, uma onda conservadora, regressiva. Este movimento conservador começa a atropelar marcos civilizatórios que o Brasil conquistou a partir da Constituição de 1988. Nas disputas seguintes, nos governos Collor e FHC, isso foi preservado. E a História reconhecerá o papel que o PT teve na preservação e ampliação destas conquistas. Agora, nesta luta insana contra o PT, que é apresentado como o responsável por todos os males, este valores estão sendo destruídos. As pessoas perderam o pudor de defender a ditadura, a xenofobia, a homofobia, preconceitos diversos... Tudo isso está se banalizando. Estamos involuindo enquanto civilização. Não é singelo vermos estudantes universítários, como numa certa universidade de São Paulo, fantasiados de Ku-Klux-Klan. Estes jovens que pedem a volta da ditadura, será que sabem o que foi aquele período? Será que têm ideia do que representa pedir o fim da democracia que nos custou tanto a construir? Esta conjunção entre crise econômica, crise política e crise de valores é muito preocupante.
R – Agora a situação é mais grave que em 2005?
R – Mais grave mas com algo em comum: o ódio contra o PT. Em 2005, o PT foi criminalizado por fazer caixa dois. Agora está sendo criminalizado por doações legais, por fazer caixa um. Ou seja, para o PT não tem saída. Precisa ser destruído, morto, exterminado. Para os setores que combatem o PT, exterminar lideranças não resolveu. Surgiram novas lideranças, com todos os erros que o partido possa ter cometido, ela tem conseguido se renovar. Então, para estes setores surge a necessidade de eliminar o partido, não apenas suas lideranças. Este ódio agora é maior que em 2005. Mas não quero falar muito de política.
P – Voltemos à literatura. Quanto livros leu na prisão?
R – Li quase 60 e resenhei 21. As resenhas estão disponíveis no site "Janelas do Cárcere".
P – Quais você destaca, entre os de prosa e ficção?
R – Gostei muito do cubano Leonardo Padura. "O homem que amava os cachorros" é magistral. Gostei muitíssimo também de "Equador", do português Miguel Sousa Tavares. A cena de amor numa praia africana que ele descreve é uma das mais primorosas que já vi. Destaco também "A vida entre costuras", da espanhola Maria Dueñas, que toda mulher devia ler. São tantos.
P – E na poesia?
R – Descobri e amei o irlandês Dylan Thomas. Revisitei poetas como o Manoel de Barros, com sua beleza singela, João Cabral, Florbela Espanca, Cecília Meirelles, Drummond, li principalmente poesia portuguesa e brasileira. Apesar de tudo, não foi um ano improdutivo. Li muito, pensei muito, aprendi muito.
P – Pode liberar alguns poemas para os leitores do 247?
R – Apenas dois, por ordem do meu editor. Dois que são muito significativos para mim.
Leia os dois poemas no blog de Tereza Cruvinel
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