Páginas

pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

3.4.15

“A INJUSTIÇA NÃO SERÁ APAGADA”, DIZ JOÃO PAULO

"A INJUSTIÇA NÃO SERÁ APAGADA", DIZ JOÃO PAULO

:

Ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, que passou um ano na prisão, relata suas memórias do cárcere em forma de poesia no livro "Quatro e outras lembranças", que será lançado no dia 7; "A experiência da prisão me proporcionou a retomada de algo que eu deixei de fazer há muitos anos, que é escrever", conta, em entrevista à jornalista Tereza Cruvinel; condenado no processo do chamado 'mensalão', o ex-deputado diz que "a grande dor" é que seu processo "não terminará nunca, só com a morte"; "É uma marca que todos nós vamos carregar a vida inteira, uma marca indelével", afirma; sobre política, acredita que valores vêm sendo perdidos "nesta luta insana contra o PT"; "As pessoas perderam o pudor de defender a ditadura, a xenofobia, a homofobia, preconceitos diversos... Tudo isso está se banalizando. Estamos involuindo enquanto civilização"

2 DE ABRIL DE 2015 ÀS 14:07

Por Tereza Cruvinel, no 247

Na solidão dos dias e noites que passou no presídio da Papuda, o poeta que estava adormecido dentro do político voltou a pulsar e exigir espaço na vida do ex-deputado e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha. Muitos anos antes, tragado pela brutalidade da política, ele havia abandonado este ofício, que exige sobretudo reflexão e sensibilidade, embora tenha preservado sempre um espaço para a relação com a literatura. É este poeta que brotou de uma experiência dolorosa que emerge no livro de poemas "Quatro e outras lembranças", que João Paulo lança pela Top Books na próxima terça-feira, dia 7. Nem por isso, os poemas sangram ou destilam mágoa ou rancor. O que deles escorre são metáforas e imagens delicadas sobre as circunstâncias de um homem às voltas com a prisão, a perda da liberdade e o estigma da condenação, que ele chama de "marca indelével".

Na entrevista ao blog, que se segue, João Paulo, que poderá participar dos lançamentos em Brasília e São Paulo, e tem autorização para falar sobre o livro e assuntos a ele conexos, fala de poesia, prisão e um pouquinho de política.

P – Nós sempre pensamos que há uma grande distância entre a poesia e a política. Agora que o poeta brotou em você, como lida com estes antagonismos?

R – A política, quando feita com verdade e paixão, também tem um pouco de poesia. Exige sensibilidade e proporciona prazer. Acho que sempre carreguei as duas mas em determinada fase de minha vida entreguei-me completamente à política. Agora, a experiência da prisão me proporcionou a retomada de algo que eu deixei de fazer há muitos anos, que é escrever, conversando comigo mesmo e com o mundo, que nem sempre responde...

P – A solidão abriu esta porta?

R – A solidão teve um peso enorme mas há também o fato de que, como você não tem mais a chave que lhe permite entrar e sair da própria casa, você fica lá o tempo todo, sua única relação com o mundo é através de seus próprios pensamentos. Na angústia de não ter como expressá-los, a única possibilidade é escrever. E no meu caso, comecei escrevendo resenhas dos livros que lia e passei depois a escrever poesias, parte delas reunidas neste livro.

P – A prisão e a condenação o forçaram a distanciar-se da política. O que você diria hoje sobre a brutalidade da política, tudo o que ela tem de áspero e conflituoso.

R – A política é bruta e árida mas sempre será necessária. Fora dela não há salvação, como alguém já disse. É bruta porque quem entra nela precisa subir. E para subir é preciso derrotar alguém, disputar com o outro, e isso é pouco humano. A política tem valores humanos quando é feita com o objetivo de proporcionar conquistas coletivas mas sua natureza é competitiva, e a competição exige sempre uma dose de brutalidade. Quando se está fora dela você percebe mais nitidamente o que ela tem de áspero mas isso não invalida sua necessidade com motor das mudanças.

R – Quando tudo isso terminar você pretende retomar sua atividade política?

R – Este processo não terminará nunca. Só com a morte. É uma marca que todos nós vamos carregar a vida inteira, uma marca indelével. Tenho clareza disso, de que nunca será possível dissociar esta passagem do resto de nossas vidas, de que haverá sempre um estigma e que será impossível apaga-lo.

P – Esta é sua maior dor?

R – Sim. Esta é a grande dor. Alguém sempre nos chamará de mensaleiro, disso ou daquilo, por mais que você grite a sua verdade. Não terei como dissociar minha vida disso. Não haverá um pós.

P – Mas juridicamente isso vai acabar um dia. Retomando os direitos políticos você voltará a militar.

R – O processo jurídico pode até ser encerrado mas isso não resolverá jamais o problema de cada um. A injustiça cometida não será apagada porque a pena foi cumprida ou foi extinta. O que fará cada um eu não sei mas pessoalmente não pretendo buscar um mandato ou coisa assim. Mas a política está em mim, naturalmente, continuarei sendo um ser político.

R – Como você vê o quadro político do momento?

R – Não posso falar muito disso mas o quadro é preocupante. Há uma conjunção de problemas, a combinação perigosa entre problemas econômicos e a dificuldade do governo em estabilizar sua relação com a base política para assegurar a estabilidade, existe inquietação social, que tende a aumentar com as dificuldades econômicas. Mas o que mais me preocupa é uma espécie de crise cultural, de valores, uma onda conservadora, regressiva. Este movimento conservador começa a atropelar marcos civilizatórios que o Brasil conquistou a partir da Constituição de 1988. Nas disputas seguintes, nos governos Collor e FHC, isso foi preservado. E a História reconhecerá o papel que o PT teve na preservação e ampliação destas conquistas. Agora, nesta luta insana contra o PT, que é apresentado como o responsável por todos os males, este valores estão sendo destruídos. As pessoas perderam o pudor de defender a ditadura, a xenofobia, a homofobia, preconceitos diversos... Tudo isso está se banalizando. Estamos involuindo enquanto civilização. Não é singelo vermos estudantes universítários, como numa certa universidade de São Paulo, fantasiados de Ku-Klux-Klan. Estes jovens que pedem a volta da ditadura, será que sabem o que foi aquele período? Será que têm ideia do que representa pedir o fim da democracia que nos custou tanto a construir? Esta conjunção entre crise econômica, crise política e crise de valores é muito preocupante.

R – Agora a situação é mais grave que em 2005?

R – Mais grave mas com algo em comum: o ódio contra o PT. Em 2005, o PT foi criminalizado por fazer caixa dois. Agora está sendo criminalizado por doações legais, por fazer caixa um. Ou seja, para o PT não tem saída. Precisa ser destruído, morto, exterminado. Para os setores que combatem o PT, exterminar lideranças não resolveu. Surgiram novas lideranças, com todos os erros que o partido possa ter cometido, ela tem conseguido se renovar. Então, para estes setores surge a necessidade de eliminar o partido, não apenas suas lideranças. Este ódio agora é maior que em 2005. Mas não quero falar muito de política.

P – Voltemos à literatura. Quanto livros leu na prisão?

R – Li quase 60 e resenhei 21. As resenhas estão disponíveis no site "Janelas do Cárcere".

P – Quais você destaca, entre os de prosa e ficção?

R – Gostei muito do cubano Leonardo Padura. "O homem que amava os cachorros" é magistral. Gostei muitíssimo também de "Equador", do português Miguel Sousa Tavares. A cena de amor numa praia africana que ele descreve é uma das mais primorosas que já vi. Destaco também "A vida entre costuras", da espanhola Maria Dueñas, que toda mulher devia ler. São tantos.

P – E na poesia?

R – Descobri e amei o irlandês Dylan Thomas. Revisitei poetas como o Manoel de Barros, com sua beleza singela, João Cabral, Florbela Espanca, Cecília Meirelles, Drummond, li principalmente poesia portuguesa e brasileira. Apesar de tudo, não foi um ano improdutivo. Li muito, pensei muito, aprendi muito.

P – Pode liberar alguns poemas para os leitores do 247?

R – Apenas dois, por ordem do meu editor. Dois que são muito significativos para mim.

Leia os dois poemas no blog de Tereza Cruvinel



http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/175613/%E2%80%9CA-injusti%C3%A7a-n%C3%A3o-ser%C3%A1-apagada%E2%80%9D-diz-Jo%C3%A3o-Paulo.htm


Nenhum comentário:


Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz