Recessão?
No final da semana passada o IBGE divulgou os números preliminares do PIB brasileiro para o segundo trimestre deste ano e junto trouxe a público a revisão do que havia calculado para o primeiro trimestre. O resultado é que estes dois trimestres tiveram taxas negativas de crescimento, na comparação com os trimestres imediatamente anteriores. Isto é, no primeiro trimestre de 2014 produziram-se menos bens e serviços do que no último de 2013 e no segundo trimestre de 2014 produziu-se menos que no primeiro, já descontados os efeitos específicos da sazonalidade, quando se comparam diferentes períodos do ano.
Se seguíssemos um critério aceito por muitos economistas e criticado por muitos outros, poderíamos dizer que estamos em recessão, já que acumulamos dois trimestres seguidos de taxas negativas. Este é um critério seco e típico da discussão de curto prazo – de conjuntura. Não considera outras variáveis que não seja o PIB e muitas vezes não se sustenta quando fecha o ano calendário. Por exemplo, a maioria das apostas dos analistas neste momento é para uma taxa de crescimento muito baixa em 2014, próxima de 0,5%, mas ainda não negativa, descartando-se, pois, a ideia de recessão. O que caracterizaria uma recessão seria uma taxa anual negativa, ou seja, uma produção em 2014 inferior à de 2013.
Então por que o alarde? Ora, evidentemente porque esta é uma informação que interessa diretamente ao debate eleitoral em franca ebulição neste momento. E que joga contra a candidatura de Dilma, natural responsável pelo resultado, pelo menos ao nível (baixo) do debate eleitoral. É certo que este resultado representa o somatório de muitas variáveis de curto prazo e de curso mais longo, por um lado, e internas e externas à economia brasileira, por outro. Num momento mais calmo e mais civilizado do debate, seria possível tratar com tranquilidade das várias forças e isolar as diferentes influências com suas respectivas magnitudes. Cada uma no seu lugar, as que têm a ver com o processo de desindustrialização que não é de hoje, as que têm a ver com a crise internacional que começou em 2008, as que se construíram pelo câmbio fora de lugar – que vêm desde o início do Plano Real – e assim sucessivamente.
Agora o que fica é o resultado em forma de manchete: "recessão em ano eleitoral prejudica candidatura da situação". Veja-se que a manchete da "inflação fora de controle", que vigorou no ano passado e no primeiro semestre deste ano saiu de moda, até porque os últimos resultados já foram bem mais comportados, aliás exatamente como os bons técnicos da área previam, sem surpresas. Pouco importa aos autores da manchete atual que já no próximo trimestre – a ser divulgado depois das eleições – o resultado seja positivo e que o fechamento do ano não seja negativo. O que vale no momento é o resultado (ruim) de curto prazo.
Mas o fato é que estamos fadados ao crescimento num futuro próximo. É quase inevitável a reversão do quadro atual nos próximos trimestres, para não falar nos próximos anos, independentemente de quem sair vitorioso das eleições. O destravamento dos investimentos em infraestrutura, que sofreram atrasos importantes nos últimos anos, já começou a acontecer e o avanço da exploração do pré-sal, que rapidamente ganha velocidade, devem puxar tanto a baixa taxa de investimento como o crescimento do PIB. No que se refere ao consumo, o debate está aberto (alguns acreditam que já fechou), porém sou dos que continuam acreditando no potencial da economia brasileira; é claro que os grandes saltos já foram feitos, mas o emprego e a renda das famílias ainda devem crescer e dar sustentação ao consumo. Sinto-me em boa companhia quando vejo a continuidade dos grandes volumes de investimentos estrangeiros diretos, capital que vem para ser aplicado na produção com perspectivas de expansão do amplo mercado doméstico. O cenário externo, por sua vez, começa a ficar cada vez mais favorável, com a recuperação das economias mais avançadas. A Europa vai demorar mais que os EUA, mas tudo indica que o pior já passou.
Enfim, salvo a possibilidade sempre presente de ocorrerem grandes barbeiragens, como, por exemplo, não prestar a atenção devida à importância da indústria brasileira, é bem razoável a aposta no crescimento logo à frente. E o debate pequeno vinculado à conjuntura eleitoral felizmente ficará esquecido, valendo apenas o registro histórico de que no meio de 2014, em pleno debate eleitoral, houve dois trimestres sucessivos de taxas de crescimento negativas, um momento que logo foi superado.
Flávio Fligenspan é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS.
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