Há pouco mais de 15 anos, uma decisão técnica e política da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre Ltda (Cootap) mudou a vida de uma série de famílias de agricultores assentados da reforma agrária do Estado. A partir do êxito na produção de hortaliças com base na agroecologia e do entendimento de que era preciso ter a autonomia do controle produtivo, decidiu-se ir além: produzir arroz orgânico, desafiando uma cadeia convencional absolutamente dominante.
A falta de infraestrutura não desmotivou o grupo, que iniciou a nova prática na safra de 1998/99, no assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul (RS), com um lote de apenas 1,5 hectare de terra. A adesão das famílias – autônomas em todo o processo de produção – foi tanto que, após lotação máxima no primeiro seminário realizado em 2002, optou-se pela criação de um Grupo Gestor do Arroz, que passou a coordenar o debate sobre as principais demandas em três eixos hierárquicos, a Coordenação Estadual, os grupos de produção e as famílias assentadas.
O novo formato de trabalho levava em conta os princípios do movimento, como conta o gerente-técnico da Cootap, Celso Alves. "Primeiro que toda a produção não estava sob controle das famílias, era de uma forma arrendada. Além disso, o sistema convencional trouxe envenenamento e botou em questão a conquista da terra e a autonomia de produção, bandeiras que sempre lutamos", conta.
Números surpreendem
Apesar das dificuldades iniciais, que iam desde a falta de equipamentos à incerteza quanto aos conceitos, o crescimento expressivo é demonstrado por ótimos números. Sobre o envolvimento na produção, há um aumento de adesão de novas famílias estipulado em 23% ao ano, com 32,7% de uso de novas áreas. Nesse sentido, outros municípios estão se inserindo no projeto, como Nova Santa Rita, Viamão, Tapes, São Gabriel e Manoel Viana.
Para a atual safra, a expectativa é grande. "Estimamos uma produção esse ano de 500 mil sacas de arroz, com a participação de 620, 630 famílias. Também buscamos a autonomia da semente, queremos plantar 50 mil dessa matéria-prima", estima Alves, lembrando também o apoio do Governo Estadual que, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), estabelece políticas públicas importantes como o programa de Sementes, Apoio à Infraestrutura Rural e Regionalização do Abastecimento.
Além disso, a Cootap é uma das cooperativas beneficiadas pelo Programa de Sustentabilidade dos Assentamentos da Reforma Agrária no Estado – BNDES/Proredes e Fundo Social, vinculado ao Funterra (RS). Em junho deste ano, a cooperativa teve aprovado o projeto de aquisição de cinco caminhões, tanque rodoviário, guindaste e veículo, no valor global de R$ 1.295.048,00. Para a compra de sementes para a produção do arroz orgânico, por exemplo, a SDR repassou por meio de convênio R$ 664 mil ao grupo, no final de 2013.
O coordenador da SDR na região Metropolitana, Rodrigo Sasso, que abrange Eldorado do Sul, destaca a importância de uma produção sustentável. "Dificilmente uma família que opta pela produção agroecológica volta atrás. E esse é um ganho que não se mostra somente em números, é um ganho que não agride o ambiente. Mesmo com algumas dificuldades, a evolução do cultivo do arroz orgânico é enorme nos últimos anos", reflete.
Processo produtivo
Cada família é responsável pelo lote de terra, mas deve aplicar as políticas designadas pelo grupo. Para isso, foi criado um roteiro tecnológico de produção com o objetivo de auxiliar a rotina do agricultor. Os problemas com os distritos de irrigação, ausente em algumas propriedades, foram atenuados após o acesso às políticas públicas. "Com as sementes, os insumos orgânicos, os distritos de irrigação e máquinas estamos dando condições para os nossos agricultores desenvolverem suas produções da melhor forma", salienta Alves. Atualmente, o arroz orgânico produzido está na mesa de escolas do Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasília, distribuídos pela Companhia Nacional do Abastecimento (Conab), que compra mais de 70% da produção.
Uma das próximas metas do grupo é colocar uma unidade de secagem e armazenagem no assentamento em Eldorado. Até o ano passado, 46% da produção era armazenado por terceiros, por falta de espaço físico na cooperativa. Para mais essa conquista, Alves conta com o apoio das famílias. "Quem consome o produto sabe que é diferente. Quando você domina o processo de produção e ainda reflete com o agricultor as práticas, isso nos dá uma satisfação enorme. Dá trabalho, mas compensa. Temos tentado cada vez mais aproximar as famílias, em seminários, feiras, porque elas têm de saber que, tanto nas horas boas como nas ruins, precisamos estar juntos", finaliza.
Texto: Eduardo Caspary
http://www.rs.gov.br/conteudo/202551/producao-de-arroz-organico-garante-alimentacao-saudavel-e-aproxima-familias-assentadas
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