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pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

4.9.14

A reflexão que precisa ser aprofundada é: como chegamos até esta farsa?

1/set/2014, 11h30min

Marina Silva encontra Luís Bonaparte

Céli Pinto*

"A Sociedade 10 de Dezembro pertencia-lhe, era obra sua, ideia inteiramente sua. Tudo mais que se apropria é posto em suas mãos pela força das circunstâncias; tudo mais que faz é obra das circunstâncias ou simples cópia dos feitos de outros." **

O livro de onde foi retirada a citação acima começa com uma das mais famosas frases, entre as tantas que seu autor deixou para a História: "Hegel observa, em uma de suas obras, que todos os fatos e personagens de grande imponência na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa."

Estou falando, como o leitor certamente já se deu conta, de Karl Marx e seu magistral livro "O 18 Brumário de Luís Bonaparte". A descrição da França entregando-se ao sobrinho de Napoleão, Luis Bonaparte, é uma das mais sofisticadas aulas de história política da modernidade e, o que é mais importante, esta obra tornou-se uma ferramenta fundamental para análise de diferentes conjunturas históricas do Estado Burguês.

No Brasil, estamos frente a um fenômeno que expressa, em muitos aspectos, a dramática França do sobrinho Bonaparte. Evidente que não há império a declarar, nem perigo de rompimento da ordem institucional. Mas, de resto, temos o Bonaparte das circunstâncias.

Poderíamos parafrasear Marx afirmando: A Rede Sustentabilidade "pertencia-lhe, era obra sua inteiramente sua. Tudo mais que se apropria é posto em suas mãos pela força das circunstâncias; tudo o mais que faz é obra das circunstâncias ou simplesmente cópia dos feitos de outros".

Luís Bonaparte foi ele e suas circunstâncias, assim como Marina Silva é ela e suas circunstâncias e elas são muito parecidas. Partidos políticos desmobilizados, desmoralizados e batendo cabeça, confundindo-se em propostas repetidas e sem conteúdo, um governo fustigado pela crítica da mídia e incapaz de interpelar as parcelas da população para a qual dirigiu grande parte de suas políticas, uma massa de eleitores despolitizados pelo recorrente discurso de que a política é o pior dos mundos. E uma palavra mágica a martelar todo o tempo : mudança! Precisamos mudança para quê? Por quê? Onde? Em que setor? Não importa, importa é prometer mudança.

O bonapartismo, como muito bem observou Marx, precisa de uma massa desorganizada, sem visão política, voluntarista, que não consegue ver ou fazer política além de seus mais primitivos e privados interesses. Esta massa esteve nas ruas, nas manifestações de junho de 2013, negando-se a identificar-se como grupo. Não era algo mais do que um amontoado de indivíduos carregando cartazes feitos em casa para manifestar sua indignação pessoal e – já que estamos falando de Marx – pequeno-burguesa. Entre eles havia grupos organizados, mas foram minoritários e deixaram as ruas para não serem confundidos com aqueles que aceitavam quase tudo.

Pensando no eleitorado, é possível, a grosso modo, traçar um quadro da seguinte forma: os que foram para a casa quando as manifestações tomaram rumo claramente conservador juntam-se aos muitos que ficaram em casa e formam os 35% de eleitores de Dilma; os grupos de esquerda mais radicalizados e minoritários, que se mantiveram nas ruas e enfrentaram a polícia, votam no PSOL, PSTU , PCO ou simplesmente se negam a votar. A massa, que era contra tudo e não pensava politicamente, estava à espera de um líder que aparecesse como o novo, a mudança esperada, qualquer que fosse. A fatalidade (ou talvez a mão divina, como quer a própria candidata) colocou Marina Silva como o novo, numa espécie de repetição da tragédia Collor de Mello. Mas não é de Collor de Mello que Marina é uma farsa, ela é uma farsa de si mesma.

Marina já foi lutadora das causas amazônicas com Chico Mendes, já foi militante do PT ligada à Igreja Católica, já foi senadora da República, ministra do Meio Ambiente, quando lutou contra o agronegócio, foi para o PV , mudou de religião, tornou-se evangélica da Assembleia de Deus, fez declarações contra as pesquisas da célula tronco, brigou com o PV, tentou criar um partido todo seu – a Rede Sustentabilidade, hospedou-se no PSB, ganhou lugar de candidata à presidência da República "por intervenção divina", roubou o programa neoliberal de Aécio Neves, deu a mão ao agronegócio e se apresenta como aquela que juntará os bons, se afastará dos maus, como se tivesse o poder de, acima de todos, definir quem são eles. Certamente são os que não têm partido, nem opinião própria, nem limites para estarem junto ao poder.

Marina Silva é o Luís Bonaparte da vez, com um discurso balofo, pretensamente ingênuo e bem intencionado para o povo das ruas e outro neoliberal e comprometido com o agronegócio e o setor financeiro para as elites econômicas.

Ao se dirigir à Assembleia Nacional, em 1851, Luís Bonaparte afirmou: "Abri-vos sinceramente o coração; respondereis a minha franqueza com a vossa confiança, aos meus bons propósitos com a vossa cooperação, e Deus se encarregará do resto."

Estamos à beira de um novo 18 Brumário. A reflexão que precisa ser aprofundada é: como chegamos até esta farsa?

* Cientista Política, professora do Departamento de História da UFRGS

**Todas as citações foram retiradas de:
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Rio de Janeiro: Editora Vitória, 1956


http://www.sul21.com.br/jornal/marina-silva-encontra-luis-bonaparte/



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Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz