28/05/2010 - 16:10 | Sara Flounders | Nova York
O Papa, a pedofilia e a luta de classes
Há mais de 150 anos, Karl Marx dizia que "a história de qualquer sociedade até os dias de hoje foi apenas a história da luta de classes. Patrício e plebeus, senhor e servo, enfim, opressores e oprimidos, se confrontaram em uma luta constante, às vezes aberta, às vezes oculta". A sociedade moderna revela novas condições de opressão, de novas formas de luta.
Nos últimos 25 anos, a Igreja Católica tem sido o centro de uma luta feroz: aqueles que sofreram abuso sexual na infância foram motivados a apresentar queixa contra padres, como indivíduos, e mais recentemente contra a poderosa hierarquia da igreja, em que bispos e cardeais protegeram sistematicamente os abusadores.
Vindo da base social, esta exigência por justiça realizou o impensável: revelar o papel do atual papa Bento XVI nas monstruosas e criminosas manobras de dissimulações de âmbito internacional.
O marxismo é uma ciência que permite compreender as questões de classe que fundamentam as evoluções sociais, aparentemente obscuras e a milhas de distância da luta imediata dos trabalhadores.
Apesar de escondida na sombra das sacristias, a controvérsia atual é, em todos os aspectos, uma luta de classes no seio da Igreja Católica. É uma pequena parte do esforço global das classes por igualdade, defesa de seus direitos e emancipação.
O que já foi aceito outrora, por parecer que nada se podia fazer, tornou-se intolerável. Milhares de sobreviventes que hoje apresentam acusações eram fiéis oriundos das classes populares que permaneceram por anos impossibilitados de resistir, ou mesmo de falar à própria família sobre os crimes cometidos. Eles foram abusados quando eram crianças em orfanatos, reformatórios, instituições especializadas em surdos e deficientes, escolas paroquiais e igrejas.
Este desafio vindo "de baixo" contra o sigilo e a repressão marca uma ruptura com o passado. Os abusos não eram questionados porque a autoridade religiosa não era questionada. Em várias escolas paroquiais, apesar de os abusos sexuais serem escondidos, as humilhações eram tão rotineiras que pareciam fazer parte do currículo.
À medida que os sobreviventes começaram a falar, todos os padres que ficaram ao lado dos abusados foram silenciados ou e retirados das suas funções de docência ou autoridade. A hierarquia eclesiástica, pequeno grupo que detém autoridade religiosa absoluta, não conseguiu calar ou parar este movimento.
Praticamente nenhuma denúncia veio de fora ou de autoridades civis que temiam ofender uma instituição tão poderosa. Foram católicos aparentemente desprovidos de poder dentro da igreja que decidiram quebrar o silêncio.
Eles fizeram queixas e declarações provocando inúmeros processos judiciais; fizeram coletivas de imprensa, criaram sites na internet, organizaram manifestações, criaram grupos de apoio e distribuíram folhetos nos serviços dominicais. Que eles se considerem ou não parte integrante de uma luta maior por direitos e dignidade, o certo é que recorreram às mesmas táticas que inúmeros outros movimentos.
Lutando para defender sua autoridade, seus bens e seus privilégios, a hierarquia eclesiástica impôs um silêncio absoluto e ameaçou excomungar os autores das denúncias, assim como quem reclamasse uma intervenção das autoridades civis. Esses esforços visando manter o controle absoluto do clero faz parte de um conflito interno que traz a seguinte questão: a serviço de quem esta poderosa instituição deve estar.
No âmbito do escândalo internacional que abalou a Igreja Católica agora, provas detalhadas foram apresentadas sobre dezenas de milhares de casos de estupros ou abusos sexuais cometidos por milhares de padres com as crianças. As acusações referem-se a décadas. A raiva explodiu nas formas mais virulentas nas cidades com os crentes mais fervorosos dos Estados Unidos; em seguida se espalhou pela Irlanda, Itália, depois Alemanha, onde a população é em grande parte composta por católicos.
A grande novidade para qual os meios de comunicação dedicaram uma atenção cotidiana, são as provas vindas de todas as partes, da responsabilidade pessoal que atinge o papa Bento XVI nas práticas usadas por décadas para permitir que os predadores sexuais desaparecessem no ar, acobertando-os e protegendo-os discretamente. As condenações mais pesadas foram proferidas para aqueles mesmos que até então se consideravam pertencentes à Igreja Católica.
O teólogo católico liberal Hans Küng explica o papel do papa em uma igreja que permitiu que os abusos se multiplicassem, sufocou os casos e ordenou o silêncio:
"Ninguém em toda Igreja Católica sabia tanto quanto ele sobre os casos de abuso sexuais porque eram da sua competência (...) Ele não está em posição de levantar o dedo acusatório diante dos fatos. Ele mesmo, como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé que deu instruções que foram confirmadas depois que ele se tornou papa.
No editorial da revista National Catholic Reporter de 26 de março de 2010 lê-se:" O Santo Padre está dentro de um fórum de credibilidade e responde às questões relativas a seu papel- como arcebispo de Munique (1977-1982), como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (1982-2005) e como papa (desde 2005)- sobre a má gestão da crise referente aos abusos sexuais pelo clero"
Antes de chegar ao topo da hierarquia católica em abril de 2005, Bento XVI era o Cardeal Joseph Ratzinger. Seus críticos o comparam a um cachorro e o apelidaram "o rottweiller de Deus". Simpatizante da extrema direita, ele fez parte dos cavaleiros do Papa João Paulo II e se mostrava determinado a impor disciplina, o conservadorismo e a autoridade numa instituição em plena ebulição.
Por 24 anos Ratzinger dirigiu a instituição mais poderosa e repressiva da Igreja Católica: a Congregação para a Doutrina da Fé. Conhecido por séculos o Santo Oficio da Inquisição foi responsável pela formação dos tribunais religiosos para torturar e julgar milhares de pessoas acusadas de bruxaria e heresia. Ela foi a instigadora das expropriações em massa contra os judeus e muçulmanos. O Papa João Paulo II tentou utiliza-lo para criar uma inquisição dos tempos modernos.
Dissimulação
A escala da conspiração criminosa internacional para garantir silêncio e assim protejer os pedófilos em série e colocar os interesses da igreja, acima do bem estar das crianças, tornou-se público no ano passado, quando foi descoberto como os casos de abuso sexual foram tratados na Irlanda, um país de maioria católica.
Durante anos, as vítimas de abuso pediram a igreja para tomar medidas e ao governo para agir. Uma série de revelações na imprensa irlandesa obrigou o governo a encomendar um estudo realizado durante 9 anos. O relatório final, que tem 2600 páginas, foi publicado em 20 de maio de 2009. Foi baseado no testemunho de milhares de fiéis e envolveu mais de 250 instituições ligadas à igreja.
Esta investigação revelou que padres e freiras aterrorizaram milhares de meninos e meninas por décadas e que inspetores do governo não conseguiram terminar com os espancamentos, violações e humilhações. Ela descreveu o estupro e o abuso endêmico em escolas industriais (especializadas na educação de crianças abandonadas, negligenciadas e criminalizadas) e orfanatos administrados pela igreja católica (veja em www.childabusecommission.com/rpt).
Na Irlanda, a escala dos abusos e a força do movimento para exigir uma responsabilização, forçaram o Papa Bento XVI a publicar uma pálida desculpa para os bispos irlandeses. Ele se isenta de toda a responsabilidade enquanto é do conhecimento público que ele desempenhou um importante papel na imposição do silêncio, colocou milhões de católicos enfurecidos e inflamou uma oposição que crescia a décadas dentro desta mesma igreja.
Num sermão feito em Springfield (Massachusetts) o reverendo James J. Scahill, denunciou as manobras antigas da igreja para impedir qualquer escândalo, e respondeu a estas desculpas feitas da boca para fora, qualificou alguns membros do clero de "traidores" e pediu a destituição do Papa Bento XVI.
"Nós devemos pessoal e coletivamente declarar que temos dúvidas da veracidade das propostas do papa e daqueles que dentro da hierarquia da igreja o defenderam e se sacrificaram em seu nome. Ficou evidente que durante décadas, mesmo séculos, tem acobertado os abusos sexuais de menores afim de proteger a imagem da instituição e do clero"(James J. Scahill, New York Times, 12 de abril de 2010)
James Scahill explicou ter começado a reagir em 2002 por pedido de seus paroquianos, logo que os casos de pedofilia que abrange várias décadas foram reveladas em Boston.
O cardeal Bernard Law da arquidiocese de Boston claramente contribuiu para proteger os padres pedófilos de punições por uma autoridade secular ou religiosa, transferindo-os discretamente. Em 2002 o escândalo estourou nacionalmente em Massachusetts, onde um juiz autorizou a divulgação de milhares de páginas de documentos. Este arquivo revelou que foram mais de 1000 crianças abusadas naquela diocese por 250 sacerdotes e pessoas que trabalhavam para a igreja desde 1940, mostraram claramente um duplo objetivo: ocultar culpados e vitimas. O cardeal Law foi forçado a renunciar e a arquidiocese de Boston teve que pagar entre 85 e 100 milhões de dólares de indenizações para 552 casos.
Esta decisão judicial que obrigou a igreja a pagar dezenas de milhões de dólares às vitimas, ampliou o escândalo para outras cidades e a cobertura da mídia dos casos de pedófilos dentro da igreja forçaram os bispos americanos a publicar uma "Carta para a Proteção de Crianças e Jovens" estabelecendo uma política de tolerância zero, incluindo também penas de deportação imediata para os sacerdotes, ao menor erro.Para os contras, a carta não prevê nenhuma medida contra os já implicados nos atos de dissimulação dos crimes.
No entanto foram modestos os esforços feitos pela assembleia episcopal americana em oposição a Josef Ratzinger, então cardeal. Ele pedia que todas as acusações de abusos fossem transmitidas à instituição que os dirigia- a Congregação para a Doutrina da Fé- antes que os padres pudessem ser excluídos do sacerdócio. Um dos seus primeiros atos após sua ascensão ao pontificado foi nomear o cardeal Law, de Boston, a uma posição de prestígio no Vaticano.
Numa carta tristemente célebre que ele enviou aos bispos em 2001, o cardeal Ratzinger usou de sua posição para exigir segredo sobre as alegações de abuso sexual, sob pena de excomunhão: ele pedia que os padres acusados e também suas vítimas "observassem o mais rigoroso sigilo e silêncio perpétuo".
Antigo advogado do Vaticano, o padre Tom Doyle denunciou estas palavras adotadas pelas altas esferas da Santa Sé: " se trata de uma política muito conhecida pelo esforço esconder os casos de abuso sexual contra crianças pelo clero, e punir qualquer pessoa que tentar chamar atenção sobre estes crimes cometidos por homens da Igreja. Se os padres pedófilos fossem descobertos a reação não seria de investigação, mas os afetaria.
Negligência
Qual é a extenção dos crimes sexuais contra os menores? A hierarquia da igreja é culpada de ignorar o problema - o que equivale a uma negligência criminosa? Ou ela se torna culpada de cumplicidade ao se recusar a intervir mesmo quando os crimes são denunciados diretamente a ela?
Uma nota assinada pelo Cardeal quando ele chefiou a poderosa agência do Vaticano para a qual foram direcionadas as acusações de abuso, foi publicada em abril passado, desencadeando uma nova onda de terror.Aquele que ocupa o cargo de papa interrompeu todas as ações contra um padre pedófilo, o reverendo Lawrence C. Murphy.
O reverendo Murphy foi acusado de abusar – apesar de denuncias feitas pela sua expulsão inclusive por seu bispo – de mais de 200 meninos na escola de surdos em Milwaukee. Durante décadas os antigos alunos fizeram pedidos para que o padre Murphy fosse culpabilizado por recorrer à linguagem de sinais para fazer declarações em reuniões com bispos e funcionários civis.
Enquanto isto na Itália, o público tomou conhecimento que 67 ex-alunos de uma escola de surdos, localizada em Verona, acusaram 24 padres, irmãos e outros servidores laicos abusaram deles desde os 7 anos.
Na Alemanha, mais de 250 casos sufocados ressurgiram nos últimos 2 meses, inclusive em regiões que estavam sob a supervisão direta do cardeal Ratzinger.
Incentivados pelo impacto internacional do julgamento de Boston e a condenação para pagar dezenas de milhões de dólares em reparações, muitas vitimas começaram a quebrar o silêncio e a pedir reparações. Mais de 4000 padres foram acusados de atos pedófilos cometidos nos Estados Unidos, alguns remontando a 1950. A Igreja Católica deve pagar mais de 2 milhões de dólares para as vítimas. Em 2007, a Arquidiocese de Los Angeles anunciou um acordo calculado em 600 milhões de euros para um total de 500 queixosos. Seis dioceses tiveram que declarar falência e a venda de grande número de venda de propriedades para pagar as dívidas.
A maior parte destes casos estão detalhados no SNAP (sigla em inglês para Rede de Sobreviventes de Abusados por Padres), uma rede de vitimas dos abusos cometidos por padres, que se descreve como o mais velho e maior grupo de apoio nesta área.
È necessário revelar não foram somente com as crianças. O St. Louis Post-Dispatch de 4 de janeiro de 2003 mostrou que várias ordens de freiras católicas já tinham financiado um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de St. Louis. Eles calcularam o mínimo de 34 mil as freiras que sofreram abusos sexuais, 40% de toda comunidade monástica feminina dos Estados Unidos.
Justiça
Além disso, a grande maioria dos depoimentos, ações judiciais, investigações e revelações vieram da própria Igreja Católica ou seja , dos religiosos que também foram abusados. Muitas vezes o resultado é que muitos católicos comuns se uniram para exigir a responsabilização de uma hierarquia clerical interessada em defender sua posição privilegiada, sua autoridade e propriedades, e não as crianças.
Em toda a Europa,cada vez mais vozes pedem que o papa Bento XVI seja levado perante o TPI (Tribunal Penal Internacional) por proteger a igreja ao invés de suas vitimas é um crime. Geoffrey Robert, especialista forense da ONU e ex presidente do Tribunal Especial para Serra Leoa disse que é hora de desafiar a imunidade do papa.
Em artigo publicado no Guardian de Londres em 2 de abril de 2010 intitulado "O papel do papa está no banco dos réus" e diz que a impunidade não pode continuar. O Vaticano deve estar sujeito a todas as leis internacionais. Pedofilia é um crime contra a humanidade. A aberrante pretensão da Santa Sé de formar um estado, onde o papa faz papel de chefe e portanto goza de imunidade que lhe permite escapar de qualquer ação judicial, não tem sentido.
Ainda assim, o TPI até agora indicou apenas quatro países, ou seja, países que estão na mira do imperialismo.
Por outro lado, o TPI não julga necessário tratar os crimes cometidos pelos americanos no Iraque e no Afeganistão, nem sobre os que foram perpetrados por Israel contra civis libaneses ou palestinos. Não vai portanto chamar o Vaticano- baluarte do imperialismo no mundo- a responder por suas ações.
Qual o papel desempenhado pelo Vaticano numa sociedade de classes particularmente cara ao imperialismo?
Punições
Joseph Ratzinger não está feliz em absolver dar condições e transferir milhares de padres pedófilos.Ele abusou por 25 anos da sua liderança dentro da instituição mais poderosa da igreja, a Congregação para a Doutrina da Fé, retirando milhares de pessoas –padres, bispos e religiosos um pouca mais progressistas ou ter a coragem de defender os direitos e a dignidade dos pobres e oprimidos, o papel que ocupavam nas paróquias,nas escolas ou em certos níveis da hierarquia.
Os teólogos, professores, escritores e intelectuais dissidentes foram impedidos de escrever, publicar e ensinar em instituições religiosas. Alguns bispos que tinham tentado fazer valer suas autoridades para contribuir para a mudança social, têm sido acusados de deslealdade e forçados a renunciar.Eles foram em seguida transferidos para paróquias mais reacionárias que estão comprometidas com a conservação da autoridade e dogmas religiosos.
Todas estas manobras foram parte de um projeto da direita destinado a sufocar a Teologia da Libertação. O movimento religioso progressista estava trabalhando para alinhar a igreja aos movimentos de libertação e as lutas anti-coloniais que cresciam não apenas na África, Ásia e América Latina, mas também nos Estados Unidos, dentro dos movimentos por direitos civis.
O padre Camilo Torres na Colômbia participou dos esforços de unificação do marxismo revolucionário e o catolicismo como palestrante, escritor e organizador. Alguns sacerdotes representavam uma ameaça direta à exploração capitalista. Padre Torres, que se uniu à luta armada contra ditaduras apoiadas pelos Estados Unidos, foi morto em combate.
As freiras militantes à frente do movimento cristão Santuário, que prestaram assistência aos imigrantes salvadorenhos ajudando-os a fugir do esquadrão da morte, também foram monitoradas assim como Tom e Philip Berrigan, padres de um grupo ativista católico que se opunham à guerra do Vietnã, não deixaram de agir apesar do risco de prisão.
Silêncio
A igreja foi proibida de escrever e de se expressar sobre a teologia da libertação do carismático brasileiro Leonardo Boff, que foi excluído da sua ordem religiosa e forçou também a renúncia de sacerdotes que serviam aos pobres, como o haitiano Jean-Bertrand Aristide. A igreja o acusou de "glorificação da luta de classes". Na região mexicana de Chiapas, o bispo Samuel Ruiz foi condenado a abster-se de qualquer interpretação marxista.
Esta caça às bruxas, esta punição visou os militantes anti-racistas e aqueles que lutam por justiça social. O bispo Richard Williamson, que negou publicamente o holocausto, foi reintegrado à igreja de braços abertos.
Diante de uma oposição que se amplia em todos os níveis, a poderosa instituição que protege a propriedade e os privilégios das classes dirigentes ocidentais durante séculos, abriu as forças mais reacionárias e mais fanáticas contra os que propõem mudanças, abertura, igualdade e consideração pelas necessidades dos pobres e oprimidos.
Sob o pontificado de João Paulo II e depois o de Bento XVI a igreja católica tem sido um fiel aliado do imperialismo americano, ajudando a impedir a construção socialista do Leste Europeu. Em contrapartida a mídia poderosa dos Estados Unidos asseguram a promoção e o domínio de uma imagem positiva enquanto demoniza o Islã e outras religiões de povos oprimidos.
Antiislamismo
Em 2006, Bento XVI deu seu apoio à propaganda antimuçulmana que Washington deliberadamente alimenta para justificar a guerra e a ocupação no Iraque e Afeganistão. Além disso, em discurso de grande importância, ele chegou a citar um imperador bizantino do século XIV, para quem o profeta Maomé havia trazido para a terra "coisas más e desumanas".
Sua aliança com o imperialismo dos Estados Unidos levou a igreja católica a se reencontrar com os piores excessos de seu passado reacionário. Os membros de grupos ligados ao esquadrão da morte e ditaduras militares que varreram a América Latina, ou ao fascismo de extrema-direita da Europa - a hermética Opus Dei ou os Legionários de Cristo, por exemplo – foram nomeados para altos cargos no Vaticano ou em outras partes do mundo.
Dois cléricos fascistas, Josemaria Escrivá Balaguer que se aliou a Hitler durante a Segunda Guerra Mundial e criou pequenos grupos de extrema direita para caçar comunistas e sindicalistas revolucionários na Espanha de Franco, e o cardeal Aloysius Stepinac, croata que participou da construção de campos de extermínio de judeus, sérvios e ciganos, estiveram inscritos na lista de canonização.
Sexualidade
Proteger ou esconder padres pedófilos e obrigar a demissão de religiosos que procuravam defender os direitos dos mais fracos, a sua circulação passou de mão em mão. A clemência para com os criminosos e a perseguição impiedosa dos progressistas são duas faces de uma mesma classe política desenvolvida para preservar a autoridade da hierarquia local, a política adotada, independentemente do contexto social.
Uma abordagem repressiva de qualquer forma de sexualidade
Do estado escravagista romano à conquista imperialista, de quem foi um dos principais instrumentos, passando pela sociedade feudal européia, a Igreja Católica manteve-se uma instituição religiosa enraizada numa sociedade de classes e em um modelo patriarcal. Foi destes últimos valores que herdou as bases de uma abordagem repressiva. Seja a homossexualidade ou a heterossexualidade, seja através do casamento ou do celibato, ela assumiu o direito de legislar sobre todas as formas possíveis da sexualidade entre homens e mulheres.
Não somente Joseph Ratzinger absteve-se de tomar qualquer tipo de medida contra os autores de violência sexual – que teria ameaçado a autoridade e a santidade do sacerdócio- mas ele também era o mestre de obras na aplicação de doutrinas religiosas arcaicas sobre a sexualidade assim como a subordinação das mulheres na igreja e na sociedade. Não permitiu a menor liberalização em questões como controle de natalidade. Aborto, divórcio ou aceitação da homossexualidade.
Mesmo dentro da igreja, pregou noções de pecado e erro para instalar as regras de outros tempos. Os católicos homossexuais que tinham voltado a se casar e recorreram à contracepção e ao aborto, lhes foi negado os sacramentos, foram excluídos ou excomungados da igreja.
Protestos
As instituições eclesiásticas com recursos financeiros significativos e peso político utilizaram plenamente sua influência na sociedade civil, com formas agressivas para evitar qualquer relaxamento das leis do divórcio e facilitar às mulheres o direito de contracepção e aborto. A igreja católica organizou e financiou campanhas contra o casamento gay e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. No entanto, embora proclamando alto que era seu dever proteger as crianças por nascer, ela se recusou a proteger aquelas que estavam sob sua responsabilidade direta.
À medida que se deflagrava uma onda de protestos contra o abuso de crianças confiadas à igreja, o grupo reacionário tentou usar sua pratica de ocultação numa luta contra a comunidade homossexual estabelecendo uma ligação entre a pedofilia, ou seja, abuso sexual de menores e a homossexualidade, um ato consensual entre adultos.
Em 14 de abril de 2010, Tarcisio Bertone, braço-direito do papa e cardeal Secretário de Estado do Vaticano, colocou a pedofilia na conta da homossexualidade, que ele descreveu como uma patologia. Em 1986, Joseph Ratzinger usou o termo" perversão intrinseca" em uma carta aos bispos que tinham feito um grande agito. Ele tentou justificar e até mesmo encorajar ataques violentos contra gays, declarando que " nem a igreja nem a sociedade devem se surpreender se o numero de reações irracionais e violentas aumentarem", enquanto a comunidade gay exigir alguns direitos civis.
Poder absoluto
É preciso que estes crimes cometidos contra os movimentos de libertação venham alimentar a raiva contra a hierarquia eclesiástica.
Todos estes anos de repressão, caça às bruxas e intolerância organizada tem desmanchado o suporte que a hierarquia católica poderia contar. Isto não é muito perante sua própria comunidade. Quanto aos valores da sociedade, estão totalmente descartados.
Apesar de todos os esforços, ela não conseguirá recuperar o poder absoluto de que gozava a 500 ou mesmo 100 anos, quando os sacerdotes e bispos não prestavam contas a ninguém sobre os horrores a que foram submetidas mulheres , assim como escravos, servos, camponeses e outros trabalhadores analfabetos.
As desculpas cuidadosamente formuladas para o afastamento de qualquer acusação e os encontros que algumas vítimas são convidadas não vão resolver a crise na cabeça da elite reacionária da igreja. Aqueles que tenham sido vitimas de abuso não ficarão mais silenciosos e não estão sozinhos.
A autora deste artigo sobreviveu 14 anos em escolas católicas.
*Sara Flounders é ativista e membro do Partido Mundial dos Trabalhadores (EUA). Artigo originalmente publicado em Global Research. Tradução de Edna Meire de Moraes.
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