17/06/2010
Democratizar o dinheiro, a terra, a palavra
O problema maior da transição da ditadura  à democracia no Brasil é que a democracia se restringiu ao sistema político. Não  foram democratizados pilares fundamentais do poder na sociedade: terra, bancos,  meios de comunicação, entre outros.
O Brasil da democracia teve assim  elementos fortes de continuidade com o da ditadura. A política de meios de  comunicação, por exemplo, nas mãos de ACM, o ministro de Sarney, completou a  distribuição clientelística de canais de radio e televisão e favoreceu a  consolidação do monopólio da Globo – os próprios Sarney e ACM, proprietários de  emissoras ligadas à rede da Globo.
Não se avançou na reforma agrária, nem  foi tocado o sistema bancário. É como se a ditadura tivesse sido apenas uma  deformação de caráter político aos ideais democráticos. Mas nem os agentes  imediatos do golpe e sujeitos políticos do regime – as FFAA – foram punidos.  Como se tivesse sido "um mal momento", até mesmo "um mal necessário", como  diriam as elites políticas tradicionais, que seguem por ai.
No entanto o  golpe e a ditadura foram extraordinariamente funcionais ao capitalismo  brasileiro. O processo que se desenvolvia de democratização política, econômica  e social do país não interessava nem aos capitais estrangeiros, nem aos grandes  capitais brasileiros. Estes, concentrados em áreas monopólicas, não se  interessavam no enorme mercado popular urbano que o aumento sistemático do poder  aquisitivo dos salários propiciava, nem no mercado popular rural, a que a  reforma agrária apontava.
O eixo da indústria automobilística no setor do  grande capital industrial e outros setores que produziam para os setores da  classe média, para a burguesia e para a exportação, se coligaram com os  golpistas no plano político, para impor, mediante o golpe, um modelo que atacava  duramente o poder aquisitivo dos salários.
O golpe os atendeu  imediatamente, com intervenção em todos os sindicatos e com a política de  arrocho salarial. Foi uma "lua-de-mel" para os empresários, uma super exploração  do trabalho, mais de uma década sem aumento de salários, sem negociações  salariais. Bastaria isso para entender o caráter de classe do golpe e do regime  e militar.
A dura repressão aos sindicatos e a todas as formas de  organização do movimento popular contaram com o beneplácito do silêncio dos  órgãos de comunicação, que pregaram o golpe e apoiaram a instalação do regime de  terror que comandou o país por mais de duas décadas.
A democracia  reconheceu o que os trabalhadores – com os do ABC na linha de frente – haviam  conquistado: a legalização da luta sindical, junto ao direito de existência de  centrais sindicais, a legalização dos partidos, o direito de organização dos  movimentos populares, entre outras conquistas.
Mas os pilares do poder  consolidado pela ditadura ficaram intocados. Ao contrário, seu poder monopólico  sobre a terra, o sistema bancário, os meios de comunicação, se  fortaleceram.
Esses temas ficam pendentes: quebrar o monopólio do  dinheiro, da terra e da palavra – como algumas das grandes transformações  estruturais que o Brasil precisa para construir uma sociedade econômica, social,  política e culturalmente democrática.
Postado por Emir Sader às 12:13
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