Fim de ciclo e memória da Carta aos Brasileiros
Estamos chegando num novo momento de transição, no qual se revigora, de um lado, a questão democrática e, de outro, a questão da unidade da esquerda.
A postura que a   direita conservadora, em geral, e o centrismo neoliberal vem assumindo,   depois da confirmação da vitória da Presidenta Dilma, demonstra que   estamos chegando num novo momento de transição, no qual se revigora, de   um lado, a questão democrática e, de outro, cobra atualidade  a questão   da unidade da esquerda,  para continuar mudando o Brasil. Esta transição   está com seu futuro indeterminado, mas poderá ser para melhor, como foi   o ciclo aberto pela Carta aos Brasileiros em 2002.
    
 Mas   uma  "Carta aos Brasileiros" nos mesmo moldes da anterior, seja agora   (no início do novo governo Dilma),  seja num futuro governo  em 2018,   não só não teria nenhum efeito para "acalmar os mercados", mas também   não alinharia  as mesmas forças  políticas, no Legislativo e na   sociedade, para dar sustentação a um novo ciclo de reestruturação das   classes sociais no Brasil. Falamos num novo  ciclo frontal de combate às   desigualdades sociais, que ainda persistem no Brasil de maneira   dramática e vergonhosa.
    
Se é verdade que,   em outros momentos, a estratégia daquela carta  foi necessária e   funcionou, para permitir a reestruturação da sociedade de classes no   Brasil - interferindo positivamente na vida de 50 milhões de pessoas -   não é menos verdade que a própria sociedade, reestruturada, gerou   sujeitos sociais e políticos mais exigentes em relação aos seus direitos   fundamentais, cujos espaços, na democracia, ou se alargarão, ou   passarão a ser sonegados por governos "mudancistas",  saudosos  das   "exigências" do mercado.
     
Trata-se de um   impasse mais profundo: a disputa pela renda, a disputa pela qualidade   dos serviços públicos, a disputa pela liberdade de fazer circular   livremente a opinião, a disputa pela participação direta da sociedade -   como orienta a própria Constituição de 88 - para produzir políticas   públicas, a disputa em torno de um novo modelo para o sistema  político,   todas estas disputas farão sucumbir o velho sistema de alianças ainda   vigente, originário da transição da ditadura para a democracia.
A   aliança que se formou no segundo turno da eleição da Presidenta Dilma,    permitiu que  velhos e novos companheiros se reencontrassem, para   defender o país do retrocesso originário do "perigo Aécio". Este   expressou, durante a sua campanha (seguido pelos seus militantes   radicais nos bairros da alta classe média) um ódio antipetista e   antiesquerda, que  lembrou os meses que antecederam o Golpe de 64.
O   governo da presidenta Dilma deve, não só ser defendido da direita   tradicional dos tucanos, mas também da direita que integra a base   parlamentar do seu  próprio governo.  Esta base tudo fará para que a   Presidenta assuma, na verdade, a agenda derrotada nas eleições   presidenciais. Isso significa,  não só retroceder nas políticas sociais e   no privilegiamento da manutenção do emprego, mas também significa   assumir a ortodoxia econômica para a administração financeira do Estado.
A   gigantesca dívida da União e as manipulações do mercado financeiro   mundial,  compõem um terreno fértil para a direita neoliberal operar a   redução das funções públicas do Estado, desde que não se construam novas   políticas de financiamento da União, capazes dar lastro ao   desenvolvimento do país e, ao mesmo tempo, capazes de combater a volta   da inflação.
O imposto sobre as grandes   fortunas, a redução dos gastos com juros da dívida pública e um novo   CPMF, por exemplo -no âmbito de um novo pacto tributário- podem ser   instrumentos poderosos para enfrentar esta nova transição: sair do   bloqueio do crescimento causado pelo financiamento especulativo, para   uma situação de crescimento baseado no aumento da produção e da demanda,   bem como nas exportações com valor agregado.
A   esquerda deve debater, desde logo, a formação de uma ampla Frente   Política,  já com vistas em 2018 e também  para dar suporte, hoje (pelo   menos aquela parte da esquerda que está comprometida com o   não-retrocesso)  ao Governo Dilma. O mero suporte político do governo   atual, sem projeção da unidade da esquerda para o futuro, não travará o   retrocesso que pode vir de dentro da própria aliança governamental.
O   ideal seria que, desta feita, um novo tipo de "carta aos brasileiros"   fosse discutida desde logo, para ser publicada em meados de 2016. Uma   carta, não de Governo, mas de personalidades políticas de vários   partidos e frações de partidos, acadêmicos, lideranças da sociedade   civil e dos movimentos sociais, intelectuais de todo o país. Uma carta   para ser entregue aos partidos progressistas, chamando uma Frente de   Esquerda, com uma plataforma mínima de unidade plural, através da qual   se escolheria um candidato vinculado àqueles compromissos. O redesenho   do futuro já começou. Alguns pelo ódio. Por nós, será  através de um   novo projeto, que começa já.
 
(*) Governador do Rio Grande do Sul  
                      
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