Estão com medo de quê?
A aprovação do decreto legislativo anulando o decreto presidencial que constituiu o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) é um grave atentado à democracia praticado, injustamente, por aqueles que deveriam zelar pela ampliação dos instrumentos democráticos no país. Alegar que o decreto presidencial cria conselhos populares e, por isso, usurpa o poder de representação dos deputados, é um argumento ilógico e sem qualquer fundamento. Isto porque, o Sistema Nacional de Participação Social apenas reúne, sob um mesmo sistema, todos os mecanismos de participação social existentes e criados por lei, ou seja, não foram criados novos conselhos ou instrumentos de participação, apenas reunidas as formas já existentes em uma mesma lógica. O objetivo deste unificação é justamente permitir a articulação entre os vários espaços de participação para que as propostas, sugestões e decisões possam circular e a participação possa ser cumulativa, acelerando os processos decisórios do governo e dando maior eficácia para as políticas públicas.
E, mesmo que o decreto presidencial tivesse criado conselhos populares, não haveria motivos para uma reação contrária do Congresso Nacional. O executivo nem por decreto e nem por iniciativa legislativa pode mudar o papel e a função do parlamento. Ela está esculpida na Constituição Federal com base na autonomia entre os poderes. E este equilíbrio não pode ser alterado nem por emenda constitucional. É cláusula pétrea. Um poder não pode interferir nas competências e responsabilidade do outro.
Por isso, chega a ser um contra senso que o parlamento brasileiro veja com maus olhos a ampliação e a organização da participação social e popular na gestão pública federal. A base desta repulsa ao protagonismo popular talvez resida na falta de legitimidade que grande parte dos parlamentares sabem carregar. Dados recentes revelam que dos 513 deputados federais, cerca de 270, ou seja, 53% são milionários. Um país majoritariamente pobre sendo governado por uma elite rica. Aliás, a maioria absoluta são homens, brancos e com ensino superior. Poucos parlamentares são mulheres, quase inexistem representantes negros e não há representação das comunidades indígenas. Com o isso é possível? Ora, pela lógica do financiamento empresarial das campanhas eleitorais. São eleitos aqueles que tem maior poder econômico. E, portanto, aqueles que se dispõe a representar os interesses do poder econômico e não da sociedade brasileira.
Talvez, pelo fato do parlamento federal representar tão mal a multiculturalidade social e política do Brasil, que em junho de 2013 tantos cidadãos e cidadãs saíram as ruas exigindo mudanças. É por isso que a reforma política é uma medida urgente e necessária. É preciso que as reformas sejam aceleradas e que tenham efetividade. Somente a ampliação da participação social é capaz de proporcionar esta nova fase na gestão pública brasileira.
O Brasil é o país das desigualdades. E a participação social e popular torna as informações e os dados da destinação e aplicação dos recursos públicos mais transparentes. E esta transparência explicita os privilégios. É inimaginável que um subsídio de mais de R$ 7.000,00 para moradia dos juízes seja aprovado num conselho com participação social. Há outras prioridades, é evidente. Da mesma forma, os planos de saúde que arrecadam milhões de reais de seus clientes não ficariam incólumes sendo obrigados a ressarcir o Sistema Único de Saúde (SUS) quando seus clientes utilizam, sistematicamente, a rede pública de saúde, ou seja, os planos privados arrecadam recursos para fazer um atendimento que não fazem e ficam com o lucro.
A própria política de financiamento do BNDES, com participação social e popular teria uma outra orientação. Para que dar bilhões de reais para as empresas mais ricas em detrimento de repassar recursos para milhões de pequenas e médias empresas que empregam a maior parte da força de trabalho do país? É certo que as verbas de publicidade do Governo Federal se concentram, justamente, na grande mídia que tanto desrespeita o direito à informação do povo brasileiro. Com a criação de um conselho para discutir as políticas de democratização da comunicação este privilégio, certamente, estará ameaçado. Tendo a crer que a parcela do parlamento brasileiro que representa os interesses dos grandes grupos econômicos, tem medo da participação social porque ela irá exigir uma distribuição mais justa e igualitária dos recursos públicos.
Eles estão com medo da participação social e popular. E, por isso mesmo, não irão deixar o povo se expressar. Mas, como a gente tem feito ao longo destas últimas décadas, participação não é algo que se peça e sim algo que se exerce. E está mais do que na hora do povo brasileiro exercer o seu sagrado direito de participar. Não desrespeitando os representantes eleitos democraticamente pelo voto, seja no legislativo ou no executivo, mas exercendo o poder diário de influir diretamente nas políticas públicas e na orientação sobre a aplicação dos recursos públicos que são nossos. Como pixávamos nos muros do país nos anos 80: sem luta a vida não vai mudar. E não vai mesmo. Então, vamos à luta!
Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, dirigente nacional da ABONG – Associação Brasileira de ONGS e membro do Comitê de Apoio Local ao FSM.
http://www.sul21.com.br/jornal/estao-com-medo-de-que/
Nenhum comentário:
Postar um comentário