ZH em 1996: Britto fez reformas necessárias e liquidou a dívida. Liquidou?
Em editorial intitulado "O Estado alquebrado", publicado nesta sexta-feira (22), o jornal Zero Hora defende que o "o colapso das contas públicas do Rio Grande do Sul decorre do acúmulo de deficiências estruturais que os governantes se negam a enfrentar". As causas mais profundas dos problemas financeiros do Estado, acrescenta o editorial, "são estruturais e se acumulam, sucessivamente, a cada governo". E apresenta a sua receita para o problema, que é fundamentalmente a mesma defendida pela senadora Ana Amélia Lemos (PP):
"A principal está nas deficiências de gestão da administração pública, que colocam o Rio Grande do Sul entre os Estados retardatários na adoção de reformas que resultem em austeridade, com a adequação do tamanho do governo às demandas da economia, o enxugamento de estruturas obsoletas e, por consequência, maiores ganhos de produtividade".
A memória não parece ser o forte do editorialismo de Zero Hora. O que o editorial desta sexta aponta como "as causas mais profundas" do problema e a receita para resolvê-lo já teriam sido enfrentadas e resolvidas, segundo o próprio pelo jornal, em setembro de 1996 pelo governo de Antônio Britto (na época, PMDB). Entre os dias 20 e 22 de setembro de 1996, o jornal Zero dedicou várias páginas, entre matérias, colunas, anúncios e editoriais saudando o acordo da dívida firmado por Britto com a União (governo Fernando Henrique Cardoso, na época) como a solução para o problema da dívida do Rio Grande do Sul.
Na edição do dia 21 de setembro, a manchete de ZH destaca: "Rio Grande liquida a dívida". A principal foto da capa mostra Britto e o então ministro da Fazenda Pedro Malan, sorridentes, comemorano o acordo que, segundo ZH, estaria "limpando a ficha dos gaúchos". Quem lê o editorial de 2014, surpreende-se com a afirmação de que "nenhum governante enfrentou até hoje os problemas estruturais". Foi a própria ZH que afirmou, em 1996, que esses problemas tinham sido enfrentados pelo governo Britto. O editorial de 22 de setembro de 1996 afirma:
"O refinanciamento da dívida do governo do Rio Grande do Sul, cujo total chega a R$ 8 bilhões, mereceu consideração especial (do governo FHC) por conta dos esforços do governo gaúcho para reduzir os gastos de rotina na administração, em particular aqueles de pessoal. O Rio Grande foi pioneiro na implantação de um programa de demissões voluntárias.
Ademais, o governador Antonio Britto vem extinguindo, na medida do possível, cargos em comissão e cargos vagos com o objetivo de enxugar uma folha que tem consumido em torno de 80% da receita líquida. Outro fator importante, incluído nas exigências válidas para todas as unidades federativas, é a disposição de privatizar empresas estatais".
Com essas medidas e a renegociação da dívida feita por Britto, o Rio Grande do Sul estaria, segundo ZH, "liberado para novos empréstimos e investimentos". O jornal comemorava nas manchetes da época: "Os gaúchos limpam a ficha", "Negociação acaba com o pesadelo dos juros altos. José Barrionuveno, principal colunista político do jornal na época, escreveu (na edição de 22 de setembro de 1996):
"A renegociação da dívida obtida pelo governo Britto liberta o Estado do maior obstáculo ao seu desenvolvimento (…) É uma obra que restabelece o crédito e a credibilidade do Rio Grande, com reflexos nas próximas administrações. Graças à reforma do Estado, considerada modelo pela imprensa nacional, o RS é o primeiro a renegociar a dívida. Não poderia haver data mais oportuna para o anúncio do que o dia em que se comemora a Revolução Farroupilha".
Como se sabe, ao contrário do que ZH apregoou, o acordo da dívida feito por Britto não só não resolveu como acabou agravando a situação financeira do Estado. Hoje, depois de pagar mais de R$ 15 bilhões, o Estado ainda deve cerca de R$ 47 bilhões.
O jornal Zero Hora faz de conta que não disse o que disse e que não defendeu o que defendeu, apostando na falta de memória da sociedade. Não chega a ser uma novidade. Um dos traços ideológicos mais recorrentes da linha editorial dos veículos da RBS consiste em ocultar a memória e o passado, e em sonegar as suas escolhas políticas e econômicas no Estado.
Em 1996, ZH disse que Britto havia adotado a receita certa e liquidado a dívida e limpado a ficha dos gaúchos. Agora, em 2014, o mesmo jornal diz que nenhum governante adotou a receita certa de enxugamento do Estado e que é por isso que o problema se agravou. E fica o dito pelo não dito.
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