A face (nem tão oculta) do autoritarismo
Alberto Kopittke
Nos últimos 15 dias o RS assistiu um conjunto de fatos que merecem reflexão:
- Se torna pública a fala do Deputado Heinze (PP) chamando índios, quilombolas e lésbicas “de tudo o que não presta”;
- A Vereadora Mônica Leal (PP) apresenta projeto que proíbe qualquer tipo de manifestação pública em Porto Alegre que não tenha autorização policial;
- O Vereador Carlos Nedel (PP) se manifesta contrário a realização de debates sobre os 50 do Golpe Civil Militar de 1964, na Câmara de Vereadores;
- O TC Riccardi (também filiado ao PP) publica manifestos nos jornais incitando a quebra da hierarquia, defendendo que os brigadianos não sigam as ordens do seu Comando e criem formas paralelas para a repressão a manifestações;(4)
Essas e outras atitudes possuem em comum, não apenas o Partido Político em que se originam, mas uma determinada concepção de sociedade, que possui uma longa trajetória na história brasileira. É uma concepção que precisa necessariamente que a sociedade se radicalize e se polarize politicamente, através da criação de um ambiente (mesmo fictício) de instabilidade institucional e um sentimento generalizado de medo na sociedade, para fazer a manutenção dos seus interesses (ameaçados pelas novas reivindicações que uma sociedade menos desigual vem apresentando) e colocar em marcha os seus objetivos de poder.
Ao mesmo tempo em que defendem abertamente que os direitos civis são “dificultadores” da garantia da ordem, promovem a ideia de que as instituições (Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público e o Judiciário) são fracas e sem capacidade para mediar os conflitos sociais e coibir os excessos de indivíduos, dentro do arcabouço legal vigente. Assim, é colocada em marcha uma progressiva desconstrução da estrutura de garantias constitucionais, apoiada por um falso silogismo que acusa todos os que não concordam com essas “medidas necessárias” de compactuarem com os indivíduos que estão promovendo a desordem, chegando até mesmo a suscitar que possam estar por trás do atos de vandalismo (ou o terrorismo, numa etapa mais avançada do processo).
Não por acaso, esse pensamento autoritário sempre cresceu assumindo um discurso anti-política, escondendo o fato de estarem colocando em marcha as suas próprias ambições (políticas) de poder, mesmo que através da força e não das ideias. Esses grupos são a contra-parte, o outro lado da polarização, em relação aqueles que pretensamente defendem causas libertárias e que fazem uso da violência como forma de ação política, como é o caso dos chamados black blocs (que, destaque-se, não possuem nenhum tipo de relação com os partidos socialistas, os movimentos sindicais, os movimentos sociais de lutas por direitos ou os recentes movimentos em rede).
Esses dois segmentos radicalizados, que emergem em situações de agitação social em todo o mundo, passam a alimentar uma espiral da insensatez: cada ato de um lado é respondido com mais força pelo outro, ambos pretensamente rumando em direção ao objetivo de estabelecer a sua verdade como verdade única e inquestionável, contra “o inimigo”. Esse tipo de pensamento tomou o poder no país em sua forma plena, pelo menos entre 37-45 e entre 64-88 (um total de 37 anos, nos últimos 76!). Períodos de profundo retrocesso na construção de uma nação democrática e que, além dos diversos problemas econômicos (muito bem escondidos pela propaganda e a censura oficial), estruturou uma das sociedades mais desiguais do mundo, além de tornar o Estado incapaz de lidar com a violência de forma preventiva.
Infelizmente não é possível impedir que, de tempos em tempos, determinados grupos queiram desestabilizar a democracia (ao invés de lutar para qualificá-la). O que podemos impedir (através da democracia) é que a atitude desses grupos sirva de justificativa para que outros grupos tomem o poder também pela quebra da ordem democrática.
O Estado Democrático de Direito possui todos os mecanismos para reprimir excessos sem a necessidade de suprimir direitos. Pelo contrário, é na hora em que o autoritarismo mostra a sua face que os direitos e a democracia devem estar mais fortes.
Alberto Kopittke é vereador de Porto Alegre pelo Partidos dos Trabalhadores
* Minha opinião sobre os Black Blocs está expressa no artigo: O Conservadorismo Black Bloc http://www.sul21.com.br/jornal/o-conservadorismo-black-bloc-por-alberto-kopittke/
http://www.sul21.com.br/jornal/a-face-nem-tao-oculta-do-autoritarismo-por-alberto-kopittke/
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