Golpe de 1964: o fracasso de uma estratégia
Por Emir Sader.
O golpe de 1964 foi um momento marcante na historia do Brasil, mas também na historia da esquerda. O período fechou-se, com uma brutal derrota, marcado pela hegemonia da linha nacionalista, protagonizada pelo PCB em aliança com setores, considerados por ele “progressistas”, da burguesia nacional. Uma aliança subordinada, sob a direção de setores a burguesia industrial, que teriam contradições com o imperialismo e com o latifúndio.
Foi o fim da hegemonia do PCB na esquerda brasileira. O partido perdia, com o golpe, o espaço legal, mas sobretudo as bases sindicais, seu principal apoio de massas. Desatou-se um amplo debate interno, em que a direção do partido teve que arcar com o ônus de não haver previsto, menos ainda preparado os militantes e o povo para o golpe e a resistência.
De fato, o partido considerava que as condições estavam dadas para passar “do governo ao poder”, como declarou o Secretario Geral do partido, poucos dias antes do golpe, em reunião em Recife. Havia um risco de golpe, mas se confiava na força dos militares “patriotas” para resistir e derrotar as forças reacionárias.
Era o desenlace trágico das ilusões sobre uma burguesia progressista, com contradições com o imperialismo e com o latifúndio, disposta a comandar o processo de instalação plena do capitalismo no país, dirigindo o proletariado nessa luta, condição para colocar as bases históricas para a luta pelo socialismo. Era um transplante mecânico das condições que teriam ocorrido na Europa para toda a periferia do capitalismo.
Essa visão foi amplamente predominante na esquerda até o momento do golpe. O próprio PCB teve muita dificuldade para entender o nacionalismo no Brasil. Houve desencontros com o getulismo desde a própria revolução de 1930, que se projetou sobre o movimento de 1935. Foi somente depois que o PCB estabeleceu sua aliança estratégica com o getulismo.
Ainda assim, o PCB teve uma recaída feia quando aderiu ao denuncismo udenista e golpista contra o Getulio, que levou ao suicídio deste. A primeira reação do povão do Rio, ao sair à ruas, foi destruir a sede do jornal do PCB.
Mas foi o golpe de 1964 que fechou o período áureo do PCB. Dali para frente, pagando o preço das ilusões e do fracasso da sua estratégia equivocada, foi perdendo força e prestígio, a ponto de ser afetado pela vergonhosa operação do grupo do Roberto Freire de mudar o nome do partido e, como consequência óbvia, levá-lo para o bloco da direita no Brasil.
Desde então o nome PCB foi resgatado pelos que resistiram a essa operação, mas sem maior representatividade e peso politico, defendendo posições de ultra esquerda, sem tirar lições dos erros que cometem em relação ao Getulio, para reproduzi-los em relação ao Lula.
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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.
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