Sindicato dos Jornalistas do RS quer discutir papel da mídia no golpe de 64
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul quer marcar a passagem dos 50 anos do golpe civil-militar que derrubou o governo constitucional de João Goulart, em 1964, com um debate sobre o papel desempenhado pela mídia naquele processo. O presidente do Sindicato, Jorge Correa, já apresentou a sugestão no Grupo de Trabalho da Câmara Municipal de Porto Alegre que promoverá eventos relativos ao aniversário de 50 anos do golpe de 1964.
Ao apresentar a ideia, Correa assinalou que muitas empresas de comunicação que apoiaram o golpe estão preparando materiais onde se colocam como vítimas da ditadura. “Dimensionar o papel dos grandes veículos é fundamental para que entendamos o apoio que tiveram os militares antes, durante e depois do golpe”, defendeu o sindicalista. A sugestão de formação de uma mesa para tratar da atuação da imprensa no golpe foi acolhida pelo vereador Alberto Kopittke (PT) e pelos demais membros do GT. O Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul já tem uma Comissão da Verdade dos Jornalistas, que colheu depoimentos de profissionais que militavam ou trabalhavam na época.
A mídia e o golpe no Rio Grande do Sul
Aqui no Rio Grande do Sul, essa história ainda está para ser devidamente contada. O jornal Zero Hora ocupou o lugar da Última Hora, fechado pelos militares por apoiar Jango. O batismo de nascimento deste jornal foi marcado por atos de violência contra o Estado Democrático de Direito. Três dias depois da publicação do Ato Institucional n° 5 (13 de dezembro de 1968), ZH publicou matéria sobre o assunto afirmando que “o governo federal vem recebendo a solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional”. No dia 1° de setembro de 1969, o jornal publica um editorial intitulado A preservação dos ideais, exaltando a “autoridade e a irreversibilidade da Revolução”. A última frase editorial fala por si: “Os interesses nacionais devem ser preservados a qualquer preço e acima de tudo”.
Interesses nacionais ou interesses empresariais? A expansão da empresa de mídia gaúcha se consolidou em 1970, com a criação da RBS. A partir das boas relações estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada com a Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões e diversificando seus negócios.
Mas não foi apenas a Zero Hora. O Correio do Povo teve ativa participação no Golpe de 1964 que derrubou o governo de João Goulart. O artigo “1964: o Rio Grande do Sul no olho do furacão”, de Enrique Serra Padrós e Rafael Fantinel Lamiera, descreve o comportamento da publicação então pertencente ao grupo Caldas Junior:
“O jornal Correio do povo assumiu uma crítica violenta, acusando Goulart de agitador, violador da democracia, demagogo e de querer instalar um “neoperonocastrismo” no Brasil (seja lá o que isso quisesse dizer). Adotava uma linha de questionamento como a que vinha sendo utilizada por Lacerda e a imprensa do centro do país nos ataques tanto ao governo federal quanto ao próprio Brizola. Tratava-se de uma referência explícita aos planos de instalar no Brasil um regime comunista aos moldes “caudilhescos” e populistas dos pampas; em decorrência, uma mistura de Perón e Fidel Castro, dois dos maiores pesadelos das direitas latino-americanas” (p.41, in A Ditadura de Segurança Nacional no Rio Grande do Sul)”.
Repetindo posição assumida por outros jornais de grande circulação do país, o Correio do Povo publicou às vésperas do golpe de 1964, um editorial clamando “para que as Forças Armadas cumprissem sua histórica missão de serem sustentáculos da lei e da ordem, sob o espírito de sua vocação histórica, o cristianismo e a democratismo-liberal. O final do desse editorial afirma:
“O caminho a seguir nesta hora de decisão não comporta dúvidas ou vacilações: é o do saneamento ético das cúpulas políticas e administrativas e da anulação dos inimigos da pátria e da democracia, que se encastelaram funestamente na própria cidadela do poder”.
A participação da mídia brasileira é um episódio que ainda está para ser plenamente contado. Há muitas lacunas e zonas cinzentas nesta história. E isso não parece ocorrer por acaso. Muitos dos compromissos que levaram uma parte importante da imprensa brasileira a se aliar com setores golpistas e autoritários permanecem presentes e se manifestam em outros debates da vida nacional. Enquanto a sociedade não decidir que abrir essa caixa preta é uma condição para o avanço da democracia no país, essas empresas, no Brasil, na Argentina e em outros países da América Latina seguirão praticando um de seus esportes preferidos: pisotear a memória e apresentar os seus interesses privados como se fossem interesses públicos.
50 anos do golpe: Seminário discutirá literatura e ditadura
O Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul promove, de 23 a 25 de abril, o seminário “Literatura e Ditadura – os cinquenta anos do golpe civil-militar e suas implicações na literatura”, no Campus do Vale da UFRGS. O objetivo do seminário é debater os impactos do período no campo da literatura, das artes e da cultura, com a proposta de lançar novas indagações sobre a realidade brasileira. As inscrições iniciam no dia 10 de março. Para os interessados em apresentar trabalhos, elas seguem até dia 6 de abril e para os demais, até dia 20 abril. Veja aqui a programação completa.
O evento terá quatro mesas-redondas e dois turnos de sessões de comunicações de trabalhos de graduandos e pós-graduandos. As sessões de comunicações de trabalhos contemplarão dois eixos: ‘Ditadura Civil-Militar Brasileira e Literatura’ e ‘Ditadura Civil-Militar Brasileira, Cultura e Outras Artes’.
As mesas-redondas terão a participação de professores da UFRGS e de outras universidades (UFRJ, UFF e USP), que abordarão os seguintes temas: 1) As múltiplas presenças da Ditadura Civil-Militar na Literatura Brasileira; 2) Narrativas do Golpe: entre a História e a Literatura; 3) A Canção Popular Brasileira em tempos de Ditadura; 4) As diferentes formas culturais: da imagem ao texto e às suas relações com a Ditadura. Serão promovidos, ainda, eventos culturais, em parceria com o Centro Acadêmico de Letras.
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