Júlio Souza* - Opinião
24/02/2014
No começo do mês, um adolescente foi preso nu a um poste e agredido a pauladas no Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro. Os agressores se declararam “justiceiros”. Impossível crer que violentar alguém seja uma forma de justiça. Uma pessoa violentada tende a sentir raiva e ódio e, ao que tudo indica, se manterá no caminho tortuoso. Houve até jornalista, em rede nacional de televisão, que apoiou a atitude, que contraria leis brasileiras e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
De lá para cá, há uma série de casos similares registrados em vários estados do país. Na semana passada, conforme publicado pela Folha de S. Paulo, foram registrados espancamentos contra infratores da lei em cidades de Santa Catarina, Piauí e Goiás. Quem agride um indivíduo, seja ele infrator da lei ou não, transgride a legislação e deve responder por isso. Além disso, inconscientemente ou não, esse tipo de ação aumenta a incidência da violência urbana e dissemina um discurso de ódio que jamais será bem vindo. Em síntese, se a situação está ruim, agindo assim, vai piorar.
Em entrevista concedida a repórteres da Folha, o sociólogo José de Souza Martins, professor aposentado da USP, e que documenta linchamentos no país há mais de 20 anos, diz que “a sociedade civil está ficando progressivamente descontrolada”. Ele relata que, depois da midiatização intensificada dos casos, o número de ocorrências passou de uma por semana para a média de quatro por dia. Para Martins, a descrença nas instituições públicas motiva os linchamentos. E, para que haja redução nos casos, se faz necessário maior eficiência no trabalho da polícia na detenção dos criminosos, e a Justiça necessita ser mais ágil para julgar e condenar.
Mas, independentemente dessas condições, não há nada que torne legal o espancamento de outro indivíduo. Crer ou não crer no funcionamento dos poderes do Estado não dá autoridade a ninguém de se tornar um “justiceiro”, ir contra regras de cidadania ou contrariar atitudes que buscam promover a justiça entre os cidadãos, como o descrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos. No artigo quinto do documento internacional, consta que nenhum ser humano será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. É claro, um indivíduo que assalta outro desrespeita direitos humanos. Mas não se pode entrar em uma onda de “pagar” crime com crime, sob pena de termos uma sociedade ainda mais problemática.
Há pessoas que se posicionam de maneira contrária aos Direitos Humanos. Quem é contrário apóia que tipo de atitude? Ao que parece, os que contrariam não leram os 30 artigos da Declaração, publicada em setembro de 1948. E se leram, não entenderam a proposta. De fato, há um distanciamento do estado formal para o estado real no que se refere à aplicação dos enunciados contidos no documento. Ela ainda é muito desconhecida e desrespeitada ao redor do mundo, mas, se conhecida e praticada, é um bom parâmetro para promover igualdade. Pode-se pontuar que essa contrariedade, geralmente, se dá contra indivíduos detidos pelo cometimento de delitos comuns nas periferias ou que vivem nelas. Esquecem que há infratores nas camadas mais abastadas da sociedade e que, se houver “coerência” dos tais “justiceiros”, em algum momento, os abastados também serão presos e espancados em espaço público.
Não é possível ser a favor da legitimação da violência. Não, os violentados não são cidadãos exemplares. Mas isso não legitima o fato de serem agredidos. Cedo ou tarde, há o Poder Judiciário para julgá-los. O presidente da OAB em Goiás, Henrique Tibúrcio, declarou em entrevista a Folha que “a população se sente insegura, mas ela não pode fazer justiça com as próprias mãos e engrossar estatísticas de violência”. O assunto é complexo, mas, uma coisa é certa: não será resolvido com violência. Historicamente ela nunca resolveu. Com esse tipo de atitude irracional, corre-se o risco de legitimar na sociedade uma prática bárbara e ineficiente, onde todos têm a perder.
* Jornalista, radialista e locutor publicitário. Camaquense, que vive, atualmente, em Caxias do Sul na Serra Gaúcha. -
Foi participante da Escola de Formação Fé, Política e Trabalho.
Fonte: Júlio Souza/Colunista
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