Páginas

pergunta:

"Até quando vamos ter que aguentar a apropriação da ideia de 'liberdade de imprensa', de 'liberdade de expressão', pelos proprietários da grande mídia mercantil – os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Civitas -, que as definem como sua liberdade de dizer o que acham e de designar quem ocupa os espaços escritos, falados e vistos, para reproduzir o mesmo discurso, o pensamento único dos monopólios privados?"

Emir Sader

17.2.14

Os 150 reais e a desforra dos coxinhas

Os 150 reais e a desforra dos coxinhas

O que a visão de mundo coxinha tem dificuldade de acomodar é a ação que demanda sacrifício, coloca o sujeito em situação de risco físico, emocional e jurídico, e não tem no dinheiro sua motivação fundamental

Por Renzo Taddei, colunista do Canal Ibase

Tenho vários amigos coxinhas. E devo dizer que eles me ajudam muito a entender o mundo. (Pra quem não sabe o que são os coxinhas: enquanto a classe média conservadora usa o adjetivo para os declaradamente playboys, movimentos sociais e simpatizantes usam o termo para se referir a essa mesma classe média conservadora. Na minha visão, coxinha não é uma essência, mas um estado de espírito). A reação de alguns desses meus amigos ao noticiário essa semana foi esclarecedora em relação à forma como eles (e a mídia corporativa que os entretêm) pensam as manifestações populares. Frente à notícia sobre os 150 reais que supostamente moveram as ações de Caio Silva de Souza e resultaram na morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Bandeirantes, pude ver, nas entrelinhas dos comentários e postagens nas redes sociais, que tais amigos tomavam aquilo com certa exultação, com a felicidade de quem acha que, no final das contas, estava com a razão: algo no mundo voltava a fazer sentido; Caio fez o que fez por dinheiro. A ação de Caio, desse ponto de vista coxinesco, é condenável em suas consequências, mas é compreensível em sua natureza. Caio, ou talvez o Caio criado por seu bizarro advogado, sabe-se lá com que intenção, cruzou uma fronteira importante na sociologia coxinha: deixou de ser monstro e virou corrupto. Pode-se entender que o indivíduo faça coisas admiráveis por dinheiro (ou pelas gratificações indiretas que este pode trazer); pode-se entender que o indivíduo faça coisas horríveis por dinheiro (ou pelas gratificações indiretas que este pode trazer); o que a visão de mundo coxinha tem dificuldade de acomodar é a ação que demanda sacrifício, coloca o sujeito em situação de risco físico, emocional e jurídico, e não tem no dinheiro sua motivação fundamental. Com a exceção do amor de mãe, obviamente. Por isso o alívio com que os 150 reais foram recebidos. Que o mundo seja feio, mas previsível.

Gente que faz sacrifícios e participa de ações que contradizem, em seus princípios, a ideia de que só se faz sacrifício pela família ou por dinheiro (ou carreira, sucesso ou outros eufemismos para dinheiro), só pode estar sendo enganada por um líder religioso mal-intencionado, ou por um líder político mal-intencionado. Ou seja, é “fraca das ideias”. Ou, uma variação disso, dentro de uma tendência de patologizar (e medicalizar) a diferença, essa gente tem problemas psicológicos ou mentais. Pois, no imaginário coxinha, Caio se safou disso tudo. Ao fazer o que fez por dinheiro, fez uma escolha errada dentro de um universo de opções compreensíveis. A coxinhada então, para sua própria tranquilidade mental, extrapola esse malabarismo conceitual para todos os participantes de manifestações: são todos comprados, há uma “bolsa-manifestação” que tira as pessoas do conforto do seu lar e da sua inércia emocional-televisiva e as leva para as ruas.

O ponto aqui é que é incompreensível, no imaginário coxinha, que o sujeito volte pra casa cansado, eventualmente machucado, sem ter ganho nada (materialmente falando), e isso tudo por estar tentando mudar os padrões de como a população se relaciona com a política. É mais fácil entender um ladrão, que corre riscos e pode voltar pra casa cansado e machucado, mas volta mais rico do que saiu (se tiver sucesso). Em geral, um ladrão não quer mudar as regras do jogo, quer apenas infringi-las. (Não me parece que os ladrões concordem com as regras do jogo; imagino apenas que a maioria deles não tem esperança de poder muda-las). Isso me remete a uma análise de David Graeber sobre o conflito entre policiais e manifestantes em protestos anti-globalização nos Estados Unidos. Graeber encontrou ali fenômeno correlato ao que discutimos aqui. “Se você quer que um policial aja de forma violenta”, diz Graeber, “a forma mais fácil é desafiar o direito dele de definir a situação. Isso é algo que raramente um assaltante faz”. Definir ou, melhor dizendo, redefinir a relação: é exatamente esse o ponto central das manifestações.

É dentro desse panorama que a criminalização dos movimentos sociais ganha sentido junto à população coxinha. Só há dois crimes no imaginário de tal contingente: matar e roubar. Todas as ações reprováveis existentes têm que ser reduzidas a uma das duas coisas (ou às duas, como de certa forma o caso do Caio é pensado). Faça uma experiência: escolha um coxinha aleatoriamente e pergunte a ele ou ela a razão pela qual o Genoíno está preso, e observe a resposta. Se for minimamente bem informado, vai dizer que é por causa do mensalão. E que o mensalão existiu por causa da briga pelo poder. E a briga pelo poder existe por dinheiro. É inadmissível, para essa forma de pensar, que o dinheiro tenha sido apenas um meio (criminoso) para um fim ideológico louvável. O mundo coxinha se crê isento de ideologias, ao mesmo tempo em que não percebe que seu espírito virou commodity.

A frase “Não é por 20 centavos, é por 150 reais!” está bombando na internet. No final das contas, minha impressão é que a coxinhada sente que respondeu os 20 centavos com 150 reais (ou seja, com 75 mil por cento de juros), pra mostrar quem é que manda. Só se esquecem de que, como diz velho preceito da sabedoria oriental, se não estiverem todos felizes, ninguém terá paz de espírito. Menos ainda com essa lenga-lenga que reduz tudo e todos ao seu preço de mercado.

 Renzo Taddei é antropólogo e professor da Universidade Federal de São Paulo.

 http://revistaforum.com.br/blog/2014/02/os-150-reais-e-a-desforra-dos-coxinhas/

Nenhum comentário:


Cancion con todos

Salgo a caminar
Por la cintura cosmica del sur
Piso en la region
Mas vegetal del viento y de la luz
Siento al caminar
Toda la piel de america en mi piel
Y anda en mi sangre un rio
Que libera en mi voz su caudal.

Sol de alto peru
Rostro bolivia estaño y soledad
Un verde brasil
Besa mi chile cobre y mineral
Subo desde el sur
Hacia la entraña america y total
Pura raiz de un grito
Destinado a crecer y a estallar.

Todas las voces todas
Todas las manos todas
Toda la sangre puede
Ser cancion en el viento
Canta conmigo canta
Hermano americano
Libera tu esperanza
Con un grito en la voz